terça-feira, dezembro 02, 2008

Enfim!

Eu tinha assistido ao Death Proof ano passado e tinha gostado muito. Mas muito mesmo. Depois talvez eu até escreva um post para o filme.
Mas fiquei muito tempo sem ter tempo (?!) (ou ânimo) para ver sua cara-metade: Planet Terror.
Até hoje.
Acabei assistindo meio sem querer, na tv. O filme é um absurdo. Totalmente sem noção, tosco, absolutamente degradante, de mau gosto e, como já vinha suspeitando desde Death Proof, misógino (ainda que, para crédito de ambos Tarantino e Rodriguez, é uma misoginia totalmente consciente, proposital e, talvez, paradoxalmente anti-machista pela lógica do exagero completo; preciso pensar mais a respeito).
Os personagens são completamente ridicularizados, assim como a trama e, principalmente, o espectador. Não há como não ter raiva do Robert Rodriguez por ganhar uma fortuna para se divertir fazendo um lixo que saiu da cabeça dele. Algo como chocar por chocar, para ver o até onde as pessoas suportam suas babaquices para provar como elas são imbecis por valorizarem o que não merece ser valorizado. Ou algo como essas performances, que eu odeio, de um pseudo niilismo, como jogar absorventes usados na platéia em nome da arte (mas, pensando bem, de novo, levando ao extremo a paródia, ou pior, a falta de talento, talvez o efeito seja de fato algo sublime; como a coragem de realmente passar do limite pudesse redimir o feito mais cretino - estou ficando sem adjetivos).
Além disso tudo, o filme não tem pretensões de agradar. E você não tem empatia com nada nem ninguém que aparece na tela. Muito pelo contrário. Nenhum remorso pelo órfão bonitinho que se explode.

Bem, já deu para perceber que eu adorei o filme, não?!
Foi uma das coisas mais empolgantes que eu vi em muito tempo! Fiquei literalmente na ponta do sofá, assistindo de olhos vidrados e vibrando com cada detalhe bizarro que atentava contra minha dignidade.
Nada no filme não é cuidadosamente planejado para dar um chute no saco do que você esperaria ser o esperado (?! - sim, estou ciente do "esperar o esperado" e do "sem tempo de ter tempo"). Bem, nem tudo. Como um amigo meu diz, violência e sexo são inversamente proporcionais no cinema americano. Impressionante como uma sociedade que faz da carnificina algo estilizado, tem tanto pudor na hora de mostrar uma cena de trepação. Mas, enfim, nenhum filme é perfeito. O filme não vai às últimas consequências do que propõe. Só que, de qualquer maneira, nenhum vai.
No entanto, tudo mais é preparado para você esperar por algo e ver acontecer o oposto: as mulheres gostosas perdem as pernas, os dentes e a honra; as crianças morrem e não há herói vivo no final - ainda que tenha uma vaga idéia de redenção que causa mal-estar (quase como o final do Planeta dos Macacos).
E o filme trabalha com uma idéia de anti-clímax que me agradou demais. Como na parte em que o Rodriguez
 brinca com a estética anos 70 exploitation, da fase mais trash de Russ Meier - exibido em um cinema mofado em que você está sujeito a sair se coçando no final. Uma hora, extremamente emocionante, em que os personagens em conflito parecem que vão finalmente se enfrentar, nas horas mais impróprias, mas ao mesmo tempo esperadas (como se você não tivesse problemas suficientes ao fugir de uma horda de zumbis para arrumar discussão com aquela pessoa que por conveniência se juntou ao seu grupo de sobreviventes em fuga que morrem um por um e que quer ficar no abrigo enquanto você quer convencer a besta que é melhor se arriscar a tentar chegar no caminhão estacionado do lado de fora e sair cantando pneu e amassando mortos-vivos antes que venham ainda mais deles e escapar fique impossível ou que se desespere e atrapalhe o plano que ia bem ao sair correndo e deixando a porta aberta), a película estraga e você perde toda a ação, por alguns minutos, só para ver o absurdo da sequência de acontecimentos e encontrar os personagens em situações completamente diferentes da qual você os viu da última vez. Recurso foi muito bem bolado. Forma fazendo parte da narrativa.

Eu recomendo. Mas você se não gostar, não vou ficar surpreso.

quinta-feira, novembro 20, 2008

NY

Notícias da grande maçã. Rapidinho que estou meio cansado - e também porque foi rapidinho.
Eu tinha um certo preconceito com NY. Por ser muito manjada, eu acho. Eu tinha curiosidade de um dia conhecer, mas esse dia podia demorar que por mim tudo bem...
Mas aproveitando que estava por lá, fui dar uma conferida. E não é que é tudibãomes?! E as coisas, mesmo manjadas, são muito bonitas!
Fiz NY express, em termos de conhecer as coisas. Bem, fiquei só meio por Manhattan mesmo, mas é onde as coisas mais bacanas estão. Andei muito, fiz bolha no pé, dormi pouco, passei frio (-3 mais ou menos - mais frio que Chicago!), mas gostei muito.
E ela é tão ou mais multicultural que Londres! Se ouve inglês, mas nem sei se é a língua predominante. Bom, deve ser, mas não por muito.
O passatempo preferido era tentar lembrar que filme havia sido filmado naquele lugar. E naquele. E naquele outro...

domingo, novembro 16, 2008

News from the small town

Foi em um frio e chuvoso dia, no intervalo das minhas pesquisas, que o arquivista mencionou o fato.
Em uma cidade de pouco mais de 60 mil pessoas, metade das quais estudantes da universidade da região, e também bastante pacata - onde até 20 anos atrás era proibida a venda de bebidas alcólicas - qualquer incidente maior do que uma batida de carro ganha as páginas dos jornais.
A grande notícia dos últimos dias foi o desaparecimento de um calouro da universidade. O último desdobramento do caso foi terem descoberto o casaco do rapaz, nas margens do lago Michigan, com todos seus objetos pessoais. Há suspeita de suicídio. No entanto, as evidências parecem muito óbvias para ser descartada uma possível encenação.
Entretanto, outro acontecimento acabou dividindo as manchetes com o caso do desaparecimento do estudante. Talvez típico do bizarro que invariavelmente acaba rondando pequenas comunidades um pouco afastadas dos grandes centro urbanos. Foram encontrados 3 corpos de uma mesma família em uma casa, apenas 3 quarteirões de minha atual morada. Uma quarta pessoa, sobrevivente e irmã dos defuntos, não soube explicar porque não notificou as autoridades dos falecimentos (aparentemente não houve ação criminosa).
Uma das falecidas foi vista pelos vizinhos pela última vez em maio. Um segundo em abril de 2003. E a terceira no começo dos anos 1980.
Os corpos estavam deitados em seus respectivos quartos, em suas camas, envoltos por um cobertor.

terça-feira, novembro 11, 2008

Northwestern

Agora começou mesmo minha pesquisa. Estou trabalhando nos arquivos de Northwestern, maravilhado com as preciosidades que eu estou achando!
Por enquanto não tive tempo de apreciar direito, estou na fase de ver tudo primeiro. Mas é emocionante escavar documentos! É um trabalho de arqueólogo mesmo, e quando vem aquela pérola... é muito gratificante.
O campus da universidade é fabuloso. Fica numa cidadezinha muito bonita, na margem do lago, bem ao norte de Chicago. Fiquei completamente apaixonado por aqui (e isso porque nem é parte da Ivy League)! Estava falando disso com minha amiga Dani hoje, as condições de trabalho aqui são de outro mundo. Não tem como não ter prazer em pesquisar. Tudo super organizado, acessível e com uma estrutura impecável. 
Desde o café que você pode tomar no intervalo, passando pelo cenário disney, passando pelo atendimento dos funcionários, até onde comer (já descobri uns restaurantes maravilhosos aqui! Ontem comi cozinha nepalesa, hoje italiana básica) e beber (é uma universidade americana, não é? Achei um pub irlandês aqui e já matei minha saudade de umas draughts boas).
Eis a vista do meu quarto... não só dá vontade de estudar, como dá vontade de escrever um romance...

segunda-feira, novembro 10, 2008

O abismo entre dois mundos

Já não estou mais no reino encantado da Universidade de Chicago. Agora estou na terra da fantasia da Universidade de Northwestern. Similaridades, por hora, são os inúmeros esquilos cinzas que cruzam o caminho, além da exibição de recursos inimagináveis para qualquer outro padrão.
E o hotelzinho que encontrei... que maravilha! E é do lado do lago e do campus.

Agora, lá no centro... o glamour e a grandiosidade contrastam com a confirmação da inexistência de um programa de seguro social e de que a crise realmente foi braba por aqui. A quantidade de gente pedindo dinheiro porque não tem como cuidar da família, dizendo que estão falidos e sem um puto...

(Ia esquecendo de contar: que divertido que é ver um jogo aqui! Espetáculo puro, do momento que a pessoa entra no estádio até sair!)

sexta-feira, novembro 07, 2008

Mais Chicago

Hoje eu bati pé. Fui no Art Institute, babar nos troços deles lá e fazer parte da minha pesquisa. Consegui fazer metade do que queria, mas já tá bom.
Fui também na Sears Tower, olhar tudo lá de cima! Putz negócio bizarro, ficar tão alto. Pensei que fosse ficar com medo, mas acho que por ser tão alto e ver as coisas tão pequenininhas, deu efeito contrário. Quer dizer, subir no elevador deu aflição. Ver marcando 70, depois 80, 90... 103! Mas lá em cima é tudo de bom.
Hoje também vou realizar um sonho de infância: ver um jogo dos Bulls! Eu comecei a gostar de basquete vendo Jordan e Pippen jogando, há quase 20 anos, então foi um presente que me dei. Daqui a pouco vou pra lá.

Mais etnografia das relações sociais chicagoans: hoje conheci uma simpática senhora (de nome Katherine), que foi simpática ao ponto de me acompanhar no ônibus, me explicar como funcionava tudo, ficar mostrando os pontos de interesse pelos quais passávamos e dar alguns bons conselhos de como me virar na cidade. Achei tudo bem interessante e fiquei pensando que o tipo de sociabilidade entre brancos e negros aqui tem uns detalhes bem particulares. Ela, uma senhora branca, de mente aberta, me falava dos lugares que eu precisava evitar, por serem perigosos (lembrei de minha "ida à Compton"). Me alertou para o tipo de transporte público que eu podia ou não pegar. Mas, não deixou de ressaltar, os chicagoans são muito amigáveis e liberais (diferentemente, segundo ela, dos nova-iorquinos, esses sim uns trastes e individualistas; e tudo é "comunidade" aqui): brancos e negros convivem muito bem aqui. Se dão bom-dia, se cumprimentam. E, atentem para a prova de civilidade maluca matizada com uma sutil e declarada discriminação (aqui eles fazem ao contrário - admitem a existência de racismo e partem daí para encontrar uma maneira o mais simpática possível de experienciá-la):
"They are really nice around here. They even whistle when walking behind me so I don't get scared".
Nada como deixar a experiência do racismo a mais agradável possível.

quinta-feira, novembro 06, 2008

Novas impressões de Chicago

Ainda não fui para o centro, já que tive que ficar resolvendo umas coisinhas por aqui. Mas já dei uma boa volta pela área da Universidade de Chicago. E achei um tanto esquisito para falar a verdade... o miolo consiste de umas ruas bonitinhas, cheias de jardins bem cuidados e bonitas árvores. Com esquilinhos correndo pela calçada e os carros parando pra vc atravessar - é só ameaçar colocar o pé na rua que eles param! Já andando umas ruas pra lá ou pra cá... parece que estou em outra cidade, tipo Comton em LA, onde as pessoas andam com jaquetões de beisebol, calça larga, cueca aparecendo e andam gingando com cara de bravas. Uma hora sinto como se estivesse num episódio de Gilmore Girls, no outro como se estivesse numa cena de Boyz in the Hood...
Mas há algo em comum, que todo americano gosta não importa de onde seja ou onde more: os SUVs. Metade dos carros - ou mais - são esses monstros bebedores de gasolina. É impressionante.

Para os interessados em arquitetura: duas quadras daqui fica a Robie House, do Frank Lloyde Wright!

Ah sim, ainda não encontrei a Oprah, mas estou vendo umas discussões sobre a importância dela para os resultados das eleições! Os partidos agora vão ter que se preocupar com a questão econômica, com a questão do Iraque e Afeganistão e com apresentadores de tv!!

quarta-feira, novembro 05, 2008

Windy City

Well, I've made it. Actually it was much easier than I thought it would be, but I guess I was lucky in a way... maybe I can tell more later...

Querida Meme, não deu pra aparecer na comemoração... o resultado foi anunciado quando estava descendo em Miami. Ainda se passaram algumas boas horas até fazer alfândega, conexão e chegar na Windy City. Mas já começo a ver os efeitos das eleições. Eles realmente consideram que é algo histórico por aqui. Um presidente afro-descendente eleito é um much bigger deal do que seria na terrinha! Mas tudo está bastante tranquilo. Tanto o Obama não promete revolucionar o coreto, como McCain e Bush já fizeram pronunciamentos conciliatórios.
Agora, não há como não perceber que a larga vantagem apontada nas prévias realmente se converteu em uma lavada (ainda mais pensando no bi-partidarismo 50-50 daqui). E o interessante é que parece que estão culpando menos a economia do que a base republicana, cada vez mais alienante...
Mas vamos ver, quem sabe eu não encontro o cara passeando por aqui antes de ir para Washington?

Sobre Chicago: por enquanto estou na International House, que fica na Universidade de Chicago, que é um Luxo! Os prédios são lindos e as pessoas realmente ficam no gramado forrado de maple leaves amareladas lendo! A área dos estudantes tem tvs gigantescas, mesas de sinuca e de outros jogos, salão de ginástica, internet e por aí vai...
Fico pertinho do Museu da Ciência e Indústria, da Frank Lloyde Wright Robie House, da Rockefeller Chapel, do Oriental Institute... e muito perto do lago Michigan! Aliás, fiquei até com uma certa impressão de cidade praiana aqui. O lago é gigantesco! Não dá pra ver a outra margem, então parece um mar mesmo...
Enfim, vou aproveitar que o tempo está ótimo: sol, céu azul e dá pra andar de camiseta!

Prometo depois umas fotos e novas impressões.

segunda-feira, novembro 03, 2008

Interlúdio

Tantas coisas aconteceram nessas últimas semanas, mas o tempo para relatar...
Amanhã embarco para a terra do - a menos que uma nova virada de mesa aconteça - próximo cacique do mundo. Vamos ver se rola uma etnografia da apuração e comemoração.
Novas informações seguem de lá.

quarta-feira, outubro 15, 2008

The Greatest Silence

Nos primórdios desse blog eu me aventurei com umas pseudo resenhas de discos bacanas ou de filmes que achava que valiam a pena.
Não sei porque parei com a atividade. Eu costumava colocar uma dose de algum goró no copo, punha um som bacana e escrevia por aqui. Ultimamente não tenho bebido nem café e não tenho tido paciência para dar dicas.
Mas abro uma exceção e falo do "The Greatest Silence", que assisti dia desses num desses canais de tv a cabo. Não lembro qual agora, mas não deve ser difícil descobrir na programação.
O filme é um documentário sobre a prática tornada corriqueira na fronteira do Congo com Ruanda, no desenrolar do genocídio de 94 e no final da ditadura mobutista: o estupro em massa.
Não é um assunto agradável, como não são os depoimentos dos entrevistados (das mulheres, mas também dos perpetradores), mas ainda sim é uma denúncia que deve ser levada mais a sério. Mais do que nunca a máxima de que "é mais simples fingir que nada acontece do outro lado do Atlântico" é perigosamente verdadeira.

terça-feira, outubro 07, 2008

Dessas contradições da vida

Eu já tinha assistido alguns episódios, aqui e ali, mas nunca tinha realmente acompanhado The Sopranos. Agora vai passar desde o começo e tenho intenção de ver sempre.
Eu gosto desses seriados mais malvados. Ainda mais quando são bem feitos e interpretados. Claro que, por serem feitos para tv, eles têm seus limites. Mas ainda assim é algo diferente da grande parte da programação insípida da telinha (que eu assisto também, não nego).

Na verdade eu tenho uma quedinha pela vida bandida ou pelo jeito cafajeste de ser. Mas nunca tenho coragem de fazer algo do naipe. Bem, não é bem coragem a palavra... é algo mais complicado que isso. Um dia tento elaborar melhor. Mas digamos que eu prefiro ler o Nelson Rodrigues do que fazer algo a respeito...
Mas ontem aconteceu algo engraçado. Um amigo, que foi para terras inóspitas da fronteira civilizatória para garantir seu pão na mesa, inadvertidamente levou um livro da biblioteca junto com o resto da mudança. Me pediu, então, para devolver o dito e o enviou por correio para cá.
Fui para a universidade devolver, aproveitando que também tinha que imprimir a qualificação (aleluia!) e entregar para a banca. A bibliotecária, então, um tanto quanto imbuída de um sentimento de rancor, soltou, alto, irônica e reprovadora "você está suspenso por 66 dias, meu bem".
Por um lado não gosto de ficar me desculpando, mesmo que não tenha sido eu quem pegou o livro (e nem de jogar a culpa nos outros), mas por outro lado achei bastante divertida a revolta da mulher. E das pessoas em volta, que me olharam assustadas e acusadoras.
Se tem uma coisa que eu odeio é a patrulha ideológica (expressão cunhada pela minha querida amiga prima do Altman) da minha faculdade. Ainda mais porque sei que depois de bancar os liberais conscientes, críticos dos problemas da universidade pública e dos imperialismos insinuados na existência moderna, têm como ponto alto da vida acadêmica as festas em que podem se embebedar como uns gambás e então ir para o banheiro do instituto (público, em todos os sentidos) e quebrar tudo (e depois reclamar que a direção não cuida do patrimônio). Para não falar de coisa pior. Hipocrisia sucks.
Então resolvi curtir meus 10 segundos de badboy e mandar todos à merda. Bem, não mandei ninguém à merda, mas soltei um "tô pouco me lixando", ou um "é isso mesmo, e daí", ou algo do tipo, e arriscar as pedras.
Ainda mais porque não sou eu que estou suspenso.

sexta-feira, outubro 03, 2008

Outro sonho

Hoje eu tive um sonho muito bacana. Nele, eu estava cansado da vida atribulada da cidade, cansado do stress da academia. Então resolvi morar em uma ilha bem afastada e inacessível, que eu sabia ser uma possessão inglesa.
A ilha era bastante deserta. Algo como algumas centenas de pessoas. Sem muito o que fazer. O interessante é que eu via tudo de cima, então tinha uma idéia geral do lugar (fiquei até com vontade de desenhar o esquema depois). Ao sul, umas lindas praias e também a parte recreativa. No meio um grande centro com um refeitório e umas casas ao redor. Ao norte, uma empresa - na verdade, a única coisa realmente parecida com o tipo de vida produtiva existente no resto do mundo. Era uma firma de distribuição de água mineral. Meu emprego consistia em sair numa espécie de buggy entregando garrafões. E fazia isso rapidinho, tendo bastante tempo para pegar um sol depois.
Uma das coisas mais esquisitas, mas que na ilha parecia uma boa diversão, ficava na parte recreativa. A brincadeira favorita era algo bastante parecido com o que eu vi em algum programa infantil de tv quando eu era menor: dois times, maquiagem e bugigangas diversas. Ganhava quem montava o melhor palhaço em determinado tempo em um membro cobaia de seu time.
O grande problema da ilha era que o número de mulheres era muito menor do que o de homens. Foi quando descobri isso que acabei acordando.

quinta-feira, outubro 02, 2008

Bingo!

Hoje ganhei minha primeira promoção de tv! Um livro de poker...
Serei mais ambicioso de agora em diante...

terça-feira, setembro 30, 2008

Neuras

Conversando com um amigo ontem resolvi escrever um post sobre um problema da vida moderna.

Acho que todo mundo - todo mundo que não tem TOC - é um pouco desorganizado. Eu, com algumas coisas, sou pouco. Mas com outras...
Um dos campeões no quesito é o bendito recadinho. Quer dizer, para mim e para metade da torcida do Corinthians, imagino.
Eu anoto algo em algum papel solto pela casa e, meia hora depois, ele é tragado para as brumas de Lugarnenhum (NG, heim?!).
Às vezes é um número de telefone, sem nenhum nome junto para fornecer qualquer indício de quem seja. "Mas de quem é esse número, catzo?"
Outras vezes são umas palavras soltas, provavelmente para lembrar de alguma idéia a ser desenvolvida no futuro (para a tese existem dezenas desses recadinhos), mas sem qualquer lógica aparente. É como se eu tivesse psicografado alguma coisa. "Mas que raios de códigos são esses?"
Tem também o bom e velho garrancho indecifrável. Não são poucas as vezes que eu não entendo minha própria letra. "Mas que tipo de hieróglifo é esse, deuses?"
Claro que só encontro esses misteriosos rabiscos em pedacinhos de papel e cantos de revistas quando há muito já não servem para mais nada. Nunca quando saio procurando feito doido "onde é que eu meti aquele recado? Daniiii!"

segunda-feira, setembro 29, 2008

(Des)Antenado

Para algumas coisas até acho que sou bem informado. Mas confesso que uma certa cultura popular que aparece, principalmente, na programação das tvs abertas, me escapa completamente.
Até vejo as manchetes quando abro minha página na internet. Mas não sei de onde surgiu isso ou do que se trata realmente.
Fico com a sensação de ter viajado para outro país e ter voltado décadas depois. A língua é a mesma, mas as referências, as gírias, são completamente desconhecidas.
Por exemplo: não tenho a mínima idéia de quem seja a mulher samambaia, ou a melancia. Ou outra vegetal. E nem sei se são fenômenos surgidos de uma mesma lógica.
Sei que Pânico na TV é algum programa em que apresentadores enchem o saco de pseudo-personalidades. Mas nunca vi.
Mal tenho idéia do que se passa no Casseta e Planeta.
E não é só no Brasil. Quem é Lindsay Lohan? Que filmes ela fez? Como fez tanto sucesso e eu nem vi chegando? Ou essas cantoras de falsete e playback, pretensamente soul pop? Não sei diferenciar uma da outra, nem sei que tipo de música fazem.
As pessoas vêm falar comigo sobre o novo vídeo de fulana. Ou a nova pegadinha de tal programa. Quando na mesa surgem assuntos da atualidade pop, só me resta ficar com uma cara de interrogação e torcer para chegar um outro tópico.
Eu fico com a mesma sensação de quem está em uma roda de amigos e eles lembram de histórias maravilhosas das quais você não participou: "você lembra daquela vez que aconteceu aquilo naquela festa?"; "claro! Como poderia esquecer, foi muito engraçado"; "e a cara daquele cara quando isso aconteceu?". "ha ha ha"s. Sorriso amarelo.

quinta-feira, setembro 25, 2008

O lado B da pesquisa

Nas minhas pesquisas de arquivos de vez em quando me deparo com umas figuras surreais e suas histórias maravilhosas. Isso torna meu trabalho mais divertido, ainda que não contribua muito para a tese.

Théodore Monod, por exemplo, que por um tempo dirigiu o IFAN senegalês, aparece de vez em quando nas reuniões do International African Institute de Londres e nas cartas de seus membros. Ele circulava por lá um pouco antes da época da Mary, mas de qualquer jeito foi uma referência para os africanistas na época não tão profissional do campo.
O legal foi descobrir que ele saía com o Jacques Cousteau para uns mergulhos de escafandro. Quer dizer, naquela bolha de metal que descia para o fundo do mar, ligada ao mundo real por nada mais que um cabo, um tubo de oxigênio e a fé no Senhor.
Quando não saía atravessando o Saara num camelo. Como, aliás, fizeram outros malucos...
Naquele tempo sim é que se faziam exploradores de verdade.

domingo, setembro 14, 2008

Mão inglesa

Ainda sobre Londres, me lembrei do dia em que quase empacoto por lá. A lembrança veio durante a ABA em Porto Seguro, alguns meses atrás, quando vi que havia por lá uma rua com o sentido invertido, devidamente assinalado com uma placa com os dizeres "mão inglesa". A razão para existir uma única rua, na cidade inteira, com a mão contrária me escapou.

Enfim, é incrível como nos acostumamos rápido com outra dinâmica do cotidiano. Nas andanças pelo centro de Londres, principalmente quando estava sozinho, eu era contaminado pelo afã apressado dos londrinos. Andando praticamente em ritmo de marcha atlética (menos nos horários de rush, quando é necessário reduzir o ritmo para a velocidade de gado confinado), eu desviava dos idosos, das crianças e dos turistas e suas câmeras e me enfiava entre os carros e demais veículos como um desvairado.
Entretanto, eventualmente acabei percebendo que não havia me acostumado totalmente com este outro padrão urbanóide. Ou ainda, exatamente por achar que havia dominado todos os códigos londrinos de conduta, às vezes me via de calças abaixadas.
A Camila sempre me alertava "cuidado com a mão contrária"! E de fato isso ficou bastante automático com o passar dos meses. As faixas pintadas no chão indicando para onde olhar (produzidas certamente pela quantidade de não-ingleses surpreendidos ao atravessar a rua) também facilitaram.
Mas nesse dia em questão, imbuído de um espírito especialmente estressado, quase engordo as estatísticas das baixas destes desavisados (outros dias terríveis incluem uma vez que fiquei tão bêbado que não conseguia ficar de pé e queria morrer e outra vez que peguei a gripe da Pati e suava tanto que parecia que tinha deitado molhado na cama, tendo que trocar de roupa algumas vezes durante a noite). Vinha feito um raio numa daquelas ruas perto do Soho, muito provavelmente Charing Cross Rd, quando um senhor me pára na esquina. Tive que freiar e já me preparava para mostrar minha cara de pedestre irritado quando passou voando um doubledeck exatamente onde estaria se não houvesse parado.
Na hora minhas pernas ficaram meio bambas. Atravessei, depois de alguns segundos tentando me refazer da quase tragédia que ninguém notou ou poderia impedir, olhando para os dois lados e fiquei o restante do dia andando bem devagar.

Quando mais achava que estava virando um londrino de fato, minha herança brasileira de mão contrária voltou com tudo, me fazendo lembrar que minhas referências mais básicas ainda eram outras.

sexta-feira, setembro 12, 2008

Neuras londrinas

A casa onde morava lá na terra das tortas devia ter mais de 100 anos de idade.
Também vi que as casas dos amigos de lá eram igualmente velhas. Um pouco mais, um pouco menos, mas bastante velhas mesmo assim. Então acabei achando meio normal que o chão do meu quarto não fosse realmente plano, e as tomadas elétricas meio suspeitas.
Só que nos últimos meses de minha estada lá comecei a ficar bastante encanado com isso. Ainda mais depois que descobri que o que eu acreditava ser um armário no banheiro era na verdade a entrada para o porão da casa.
O tal armário estava sempre fechado e eu acreditei que estivesse trancado e lá apenas houvesse material de limpeza. Mas um dia a porta estava meio entreaberta e resolvi dar uma espiada. Era bastante escuro, úmido e mofado. Uma boa morada de troll. Ou de repente uma passagem para um mundo secreto saído da imaginação do Neil Gaiman.
O grande problema, para mim, não era tanto o risco dos abestos ou dos fungos assassinos, mas o fato do porão ser bem embaixo do meu quarto. E como o chão deste rangia bastante com qualquer movimento que fazia, deduzi que aquele calombo que existia do lado da cama, meio como uma concha no chão, de mais ou menos um metro de raio, era sinal de que não deveria existir uma laje muito resistente entre a minha morada e a do troll.
Comecei a ficar com medo de tudo aquilo desabar um dia.
A velhinha do apartamento do lado também me contou umas histórias meio assustadoras e contribuiu para a minha paranóia. Ela me disse que os donos do prédio eram gangsters e vira e mexe deixavam o heating quebrado por semanas, em pleno inverno. Aparentemente também não gostavam que os moradores notificassem as autoridades municipais sobre problemas estruturais na construção (um dia fiquei morrendo de medo de deixar duas moças, que eram da força e luz de lá, darem uma olhada na fiação. Mais ainda quando vi que elas ficaram revoltadas com o que viram e anotaram tudo num caderninho. Fiquei algum tempo esperando o primo mafioso fortão do dono me visitar um dia com um bastão de beisebol). Enfim, segundo ela os donos não cuidavam de nada e alugavam aquilo para estudantes estrangeiros ou velhinhos inofensivos que acabavam se sujeitando a qualquer coisa sem reclamar.
Tudo isso me deixou ainda mais apreensivo, já que imaginei que a fiscalização do equivalente do contru deles lá - que achava que devia ser rigorosíssima - não tinha nem idéia da fragilidade do meu lar.
Mas, como em outros momentos da vida, preferi não fazer nada e torcer para não acordar no porão até o dia de ir embora. E também é duro quando você não conhece muito bem os códigos de conduta de outra sociedade e as formas de reivindicar seus direitos...

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Um dia, andando com minha amiga Camila, por Primrose Hill pelo que me lembro, passamos na frente de um escritório de uma ong que cuidava de gorilas na África. Ela já vinha me falando há algum tempo do desejo de fazer algum trabalho voluntário e me convenceu a entrar e perguntar sobre como ajudar na nobre causa.
O grande problema, descobri, era que a ajuda - bem vinda, claro - não consistia em viagens para o Congo para ver os tais gorilas. Era ficar no escritório cuidando de burocracia, varrer o chão, separar documentos...
Sim, eu sei que alguém tem que fazer isso. Mas essa idéia de fazer caridade à distância nunca me atraiu. Confesso que o que me interessava eram os louros da empreitada. Trabalho de campo!
Fiquei então sabendo de outra ong que consistia em ser voluntário para brincar com animais abandonados. Essa me interessou mais, porque era algo palpável, como se minha consciência não se satisfazesse apenas com a promessa do benefício, tinha que ver de fato acontecer. Mas acabei não indo atrás também. Não sei exatamente porque.
Outra vez, também com a Camila, quase entro junto numa outra ong, essa em Camden Town, para pegar no pesado em prol de humanos carentes (sim, era separar caixas e varrer o chão). Mas de novo não me apeteceu.
Uma que cheguei a fazer algo foi numa livraria da Oxfam - separar e arrumar livros para serem vendidos e arrecadar dinheiro para os programas sociais deles. Mas isso já foi no final da estada lá, que foi bastante corrida.
Fiquei pensando porque lá o apelo para ajudar é mais forte - ao menos para mim, ainda que eu tenha a impressão que seja algo generalizado. Porque eu lá, ainda que na minha preguiça e falta de comprometimento social costumazes, planejava fazer muito mais do que aqui, no meu próprio país?
Minha contribuição aqui sempre é monetária, no máximo doação de roupas e eletrodomésticos velhos. Sempre no esquema "delegação de consciência". Porque então a sensação de que as organizações de suporte inglesas são mais eficazes?
Minha hipótese é de que essas mesmas organizações de ajuda operam nos canais e mecanismos de circulação internacionais abertos pelas instituições de controle coloniais (extremamente eficientes, ainda que remodeladas). Controle e governo de um lado, e desenvolvimento e assistência por outro, sempre andaram de mãos dadas no projeto colonial. A herança do projeto civilizador é óbvia - o que não quer dizer que deva ser extinta - e as redes de funcionamento das ongs européias trilham caminhos abertos por seus ancestrais hoje desacreditados. Sem deixar de lembrar, claro, que o montante de recursos arrecadados é infinitamente maior por lá.

terça-feira, setembro 09, 2008

O Incondicionado segundo Kant

Amanhã começam as experiências nas entranhas das terras francófonas para recriar o big bang. Lembro quando meu grande professor de Epistemologia, nos idos de 1997, mencionou pela primeira vez a notícia - na época a experiência talvez acontecesse no Arizona, ou Kansas, sei lá, um desses estados americanos quase vazios (não sei exatamente o que aconteceu no meio tempo e porque a honra ficou com o Velho Continente).
A propósito do prefácio da Segunda Edição da Crítica da Razão Pura, ele falava sobre o Incondicionado kantiano, e achava algo realmente formidável - de um ponto de vista puramente teórico; na prática a coisa toda lhe soava como um disparate megalomaníaco extremamente perigoso e caro - que as pessoas ainda buscassem a origem da origem, agora menos em termos filosóficos e especulativos, e partindo para a parte prática. Nada como ter recursos e pôr a mão na massa.
Seria algo como gastar alguns bilhões (não é que esteja faltando, heim?) para fazer uma máquina biruta para descobrir se há vida após a morte, ou qual é resposta para a pergunta fundamental da vida, do universo e tudo mais (essa o Douglas Adams já anunciou: 42. Aliás, aposto que nenhum dos caras brincando de hamster naqueles túneis leu Douglas Adams; se houvessem talvez passassem a acreditar que a idéia toda soa bastante ridícula).
E não é que eu seja um defensor da pesquisa aplicada apenas - afinal, faço antropologia e mexo com biografia e trajetória - mas tudo isso me cheira muito estranho. Meia dúzia de cientistas gastam mais que o orçamento de um pequeno país, fazem a pesquisa da vida deles e o resultado é meio dúbio. Tudo bem, você vai me dizer que não há como prever os desdobramentos das experiências. Realmente. Vai que descobrem a cura do câncer numa dessas. Mas ainda não me convenci (e não adianta me explicar em termos euclidianos) de que se a tal aceleração de partículas realmente der certo, todos nós não deixaremos de existir, ou passaremos para um plano de realidade paralela bizarro. E se não acontecer nada... bem, há sempre desperdícios mais estúpidos do que este.
Ainda não sei se torço para sair uma faisquinha por lá ou não...
Dizem que os primeiros sucessos (depende de que sentido você aplica ao termo) da experiência demorarão algumas semanas, talvez meses, para acontecer. Mas por via das dúvidas, se amanhã um buraco negro se abrir no meio da Suíça e tudo isso por aqui finalmente for pra cucuia, deixo meu post de despedida.

terça-feira, setembro 02, 2008

Análise social

Hoje assisti um ótimo The Simpsons! Alguém aí já viu o episódio em que um Homer mais jovem monta uma banda grunge para dar vazão às mágoas por ter perdido a Marge para um professor universitário mente-aberta e contestador?
Pois achei excelente. Além de engraçado e inteligente, vi que este episódio é, no fundo, a encenação de algo que sempre me incomodou: A constante preocupação em apreciar as coisas mundanas, o prazer da vida simples, frente às possibilidades opressoras da vida produtiva. Para isso mantendo um certo cinismo em relação aos dogmatismos e chatices da vida acadêmica.
Gozar a figura do intelectual, e criticar o tolhimento viciante que a pretensão de desvendar as verdades sociais veladas propicia, é minha incansável e perdida batalha contra algo que me aterroriza, mas que é parte indelével do que sou e faço.
É uma espécie de ambivalência que eu adoro odiar.
Me resta tentar deixar sempre essa figura à margem, sempre em tons de ridículo. Tentativa, é bom ressaltar, claro.
O que não quer dizer que esse Simpsons seja anti-intelectual. Percebe a contradição?

domingo, agosto 31, 2008

Springbok

Neste quatrocentésimo post pensei em escrever algo sobre dois maravilhosos assuntos: comida e viagem.
Um amigo deu a deixa, me indicando um canal com programação recheada de ambas as coisas. Agora já não lembro do nome, mas fiquei curioso para assistir qualquer dia desses e depois contar algo sobre.
Na verdade, pensei em fazer uma série de textos sobre o assunto. Vamos ver se vinga. Por hora fico pela África do Sul...

No final de 2006, já nos preparativos para a viagem para Londres, acabei passando umas semanas em Cape Town, considerada por muitos uma das cidades mais bonitas do mundo. De fato não há como não se apaixonar pela cidade. As praias não deixam nada a desejar em relação com o que temos por aqui (existe toda uma discussão sobre se é a Cidade do Cabo ou se é o Rio de Janeiro a metrópole que melhor combina paisagem natural e urbanidade).

O Victoria & Albert Waterfront por si só é uma maravilha bastante singular - a herança européia transformou-se em algo bastante leve, nesta ponta do continente africano (há algo de inegavelmente colonial, mas ao mesmo tempo bastante contemporâneo, em Cape Town). Claro, aquilo é, e também não é, ao mesmo tempo, África. Ou ainda, é uma África bastante particular (ainda que não seja possível falar de uma África - me refiro apenas à idéia do continente).
Eu adorei passear pelos bares, restaurantes e lojinhas do lugar. A boa comida não é cara, e é possível beber uma cerveja e comer um ótimo peixe, frito ou assado, ouvindo música, nas mesinhas espalhadas ao longo do pier, ao lado de lindos barquinhos encantados de gente rica.
Para quem gosta de aquários - uma dica - o de lá me deixou maravilhado, com alienígenas caranguejos gigantes, fascinantes água-vivas fluorescentes e tubarões amedrontadores.

A Table Mountain, cartão postal número um, é algo de espetacular. Vista da cidade, com as nuvens descendo de suas encostas como uma gigantesca coberta, a montanha mais parece a morada de alguma deidade africana ancestral. E a vista lá de cima é de tirar o fôlego: à direita e em frente, toda a parte mais urbana com seus prédios, praças e avenidas; à esquerda da pedra em forma de leão, as praias com o mar azul e as casinhas branquinhas que mais parecem saídas de um cenário de ilhas gregas.


Ainda na cidade, uma visita ao South African Museum dá um gostinho da influência do antropologismo sul-africano do Cabo, ainda que o acervo inclua muita coisa de história natural. O Centro do Holocausto, colado ao museu judaico de Cape Town, é também um passeio obrigatório, ainda que intenso e um tanto quanto depressivo. Lá estão os depoimentos dos sobreviventes da Segunda Guerra que migraram para a África do Sul, e que trouxeram as marcas e objetos da perseguição e do anti-semitismo no velho continente. O National Gallery, na mesma área de Company Gardens, exibe arte européia e sul-africana, desde o período colonial até a arte pós-apartheid - este fantasma ainda não totalmente resolvido por lá.

Uma visita às vinículas, geralmente afrikaners, é um ótimo programa para quem gosta de saber mais sobre a produção dos excelentes vinhos sul-africanos, sentar debaixo de uma árvore enorme e frondosa, no campo, e degustar alguns vinhos.
Ainda na linha "natureza" (quase tudo por lá), o jardim botânico me surpreendeu. Pensei que fosse achar tudo meio entediante, mas o cuidado com as flores e plantas me deixou entusiasmado e bastante impressionado.

Para quem gosta e não se importa de fazer o turismo clichê, existem safaris - fotográficos - não muito distantes da cidade (que, afinal, não é tão completamente desanimalizada assim: vi vários babuínos e pinguins dando suas voltinhas nas estradas mais periféricas).Uma ida ao Cabo das Tormentas (porque de boa esperança acho que não tem muito mesmo; esse tal de Bartolomeu Dias foi um cara fodão), é igualmente uma boa opção, ainda que demorada e um pouco cansativa. Por lá, se tiver sorte, você pode ver baleias e focas, e nas não muito distantes praias mais orientais, alguns tubarões brancos (para quem tem coragem, existe a possibilidade de mergulhar com os tais bichos, mas essa experiência eu passo).

Mas uma das mais prazeirosas experiências foi dirigir em direção ao sul, margeando quilômetros de oceano atlântico, rumo ao Índico, e parar em um dos lindos restaurantes do caminho, com uma varanda dando para a praia, e beber uma cervejinha sul-africana (mais parecida com a nossa do que com a inglesa) e comer o tal springbok. Experimentei um tipo de guisado da carne do bichinho-símbolo de lá, numa espécie de mini-caldeirão de barro. Bem temperada e saborosa, parece um pouco uma comida que você acharia no litoral baiano - se aqui houvesse o costume de comer carne de caça, algo bem mais comum no outro lado do oceano.

Mas a melhor refeição mesmo, para quem puder gastar um pouco mais e tiver na mala uma roupinha mais arrumada, é aparecer no restaurante Atlantic do Table Bay Hotel. Comer com vista para o Waterfront e para a Table Mountain torna toda a experiência gastronômica muito mais prazeirosa.
O cardápio consite basicamente de uma mistura de cozinha sul-africana e internacional muito bem feita - e nem um pouco fresca, mesmo que sofisticada. O restaurante também possui vinhos realmente deliciosos. Na noite que apareci por lá, com mais algumas pessoas, éramos os únicos clientes, o significou que podíamos escolher as músicas, e ter no final, um tour guiado pela enorme e impressionante adega.

De maneira geral, a cidade é extremamente atraente e agradável. O custo não é alto, quando comparado à Europa. O grande defeito ainda - e espero que resolvam isso para a Copa - é melhorar alguns aspectos da infraestrutura: melhor transporte público e uma ampliação do aeroporto, que já não comporta o crescimento dos últimos anos.

sexta-feira, agosto 29, 2008

Smog

Para ver como ando desconfiado com as coisas. Cínico, na verdade. A política fede e os problems se acumulam.
Hoje, saindo do supermercado, olhei para o céu e vi um troço esquisito no sol. Mas vendo as manchetes, agora há pouco, descubro que se tratava de um fenômeno natural um tanto quanto raro. Algo a ver com o reflexo dos raios solares em cristais do ar...
Mas na hora lembrei das imagens que vi de Pequim durante as olimpíadas e pensei comigo mesmo que já era hora de pensar em mudar de cidade - "que merda de poluição, daqui a pouco vai parecer que sempre andamos no escuro"...

quarta-feira, agosto 27, 2008

Poeta moral

Ontem assisti uns pedaços do documentário sobre o Vinicius de Moraes do Miguel Faria Jr. Não é um grande filme, analisando friamente, mas ainda sim bastante interessante, muito por conta da figura que foi Vinicius. Acredito que seria muito difícil fazer algo chato sobre o poeta.
O longa segue a fórmula da reunião de depoimentos de familiares e de amigos, muitos dos quais também personalidades da arte brasileira. Às vezes este formato dá certo, como no já mencionado e maravilhoso filme do Julian Temple que comentei por aqui há um ano, mais ou menos. É evidente que, para segurar a atenção, os depoentes têm que ter certo talento - o que não acontece em alguns momentos - e as anedotas do personagem têm também que ser singulares. No caso de um Vinicius isso não é um problema. Mas aqueles intervalos com declamações de poemas, ainda que bem intencionados, quebram um pouco do ritmo narrativo. Eu preferia que existissem mais cenas com falas do próprio poeta ao invés disso. Mas no final das contas valeu ter assistido.
Personagem realmente fascinante, Vinicius de Moraes passa um pouco batido por uma certa intelectualidade que se pretende mais refinada, como bem lembrou minha amiga Paulinha algumas semanas atrás. A popularidade de sua obra, imagino eu, acaba por esconder a qualidade de seus escritos. Que são muitas. E tão evidentes, que toda essa história cheira a dor de cotovelo.
Talvez o fato de ser uma figura meio incongruente, inverossímil, também tenha contribuído para a injusta fama de um poeta menor. Porque se trata de um tiozinho barrigudo, meio impertinente, que não corresponde nem ao trovador romântico, ou ao devasso maldito, tuberculoso e bêbado (ainda que em certa medida o fosse - bêbado pelo menos). O fato é que alguém que não tem medo de queimar realmente, que canta o amor visceral e não ideal, só pode ser alguém extraordinário, no sentido literal da palavra. Meio que fora do mundo.
Os depoimentos são interessantes neste sentido também. Em torno de Vinicius circularam estas pessoas, que se apropriaram de sua vida, ou da vida que lhes tocava, de qualquer maneira. São, assim, depoimentos impressionistas e impressionados.
É, na grande maioria das vezes, recordar inventando. Ou talvez inventar recordando. Já não sei mais.
Talvez a própria pessoa homenageada concordasse com muito do que foi dito, mas ao mesmo tempo, com nada. Porque com todas as anedotas, se repetindo, e voltando, reaparecendo e teimando, ele se aproxima mais e mais de um mito.
E este documentário só contribui para isso. Porque as pessoas que o conheceram não precisam de incentivo para lembrá-lo. Lembro de ter ouvido o Toquinho contar causos engraçadíssimos do colega em várias oportunidades. Carlinhos Lyma também. Há bem uns 10 anos, fui assistir um show do Chico, no agora extinto Palace. Lembro bem dele também ter se rendido - me perdoem o trocadilho - ter se rendido ao vício de falar de Vinicius.
É, no final das contas, com todos os copos de whisky, todas as mulheres, as músicas e o pigarro, alguém invejável. Triste e acuado pelo mundo, ainda sim conseguia fazer o que queria. Uma inveja que não se sente, por exemplo, por outros velhos barrigudos e bêbados da literatura.

terça-feira, agosto 26, 2008

E a vaca vai, em ritmo de marcha atlética, para o brejo

As olimpíadas acabaram... e já não era sem tempo! Nada contra a maratona de competições, já que gosto de tudo quanto é esporte, por bizarro que seja. É só que eu fiquei tão viciado, que a qualificação, que já estava atrasada, praticamente parou nestas semanas.
Nos primeiros dias assistia as coisas mais "normais", tipo as partidas de vólei da seleção. Depois fui aumentando a gama de interesses, até terminar por ver algo como Sri Lanka versus Vietnã no badminton. Afinal, pensei, quando é que eu poderia assistir algo do gênero se não a cada 4 anos?
Nem ia comentar nada por aqui, porque vício você esconde, não é mesmo? Mas, conversando com um amigo meu hoje, que se disse tão viciado como eu nestas fatídias duas últimas semanas (e também em tempo de escrever tese), fiquei um pouco mais aliviado e me sentindo um pouco menos culpado. E ele, ainda, sem tv a cabo, quando se cansava dos jogos mais mainstream na globo, ia de madrugada na casa do orientador ver, digamos, o lado b dos jogos. Eu só precisava mudar a bunda 30 cm de lugar no sofá, quando cansava de uma posição - o que talvez seja ainda mais triste, pensando bem. Sei lá.

sexta-feira, agosto 22, 2008

Sitcoms ambíguas

Esses dias andei assistindo o The Riches, que tem feito certo sucesso lá pelas bandas do norte. Gostei bastante da idéia e dos atores, mas acho que é o tipo de seriado que eu não vou conseguir assistir. Isso porque acabo criando uma certa empatia com os protagonistas que, pela própria premissa da série, vão acabar se ferrando e passando por inevitáveis apertos futuros. E isso me deixa muito nervoso: o esperar. Será hoje? Ainda não. Será hoje? Quem sabe.
Como acontece também com Dexter, a série do serial-killer de boas-intenções. Além do misterioso serial killer rival que apronta umas, e o policial desconfiado, é claro que as dificuldades um dia vão alcançá-lo e algum dia o segredo dele será revelado. Aí não vai ter jeitinho nenhum que resolva. Porque a América pode ser suja dentro do armário, mas, hipocritamente, tem que ser impecável abertamente.
Mas o que é divertido nestas séries, enquanto o fim da farsa não vem, é que a idéia do moralmente correto puritano americano fica em xeque por alguns momentos.
Mesma razão, aliás, por eu ter gostado tanto de Brotherhood e Nip/Tuck, diga-se de passagem.

quinta-feira, agosto 21, 2008

London parks

Assistindo o programa do Jamie Oliver hoje me deu uma saudade de algo realmente maravilhoso de Londres e que dificilmente temos por aqui: os parques.
Neste programa, o cozinheiro-celebridade resolveu fazer uns quitutes para fazer um piquenique. A comida parecia muito boa e tal, mas o que me interessou mesmo foi o piquenique em si. Nada como escapar do corre-corre do dia a dia e relaxar num gramado maravilhoso, com uma vista linda, bebendo um suco ou comendo um sanduíche, ouvindo música e tomando um pouco de sol.
Eu morava perto de dois lindos parques (e outros menores - existem vários em todos os bairros): o Regent's e o Primrose Hill, logo em frente. Saindo de meu bairro, St. Johns Wood e indo em direção a Chalk Farm, Camden Town e Belsize Park, esses dois lindos pedaços de verde tornam a área muito agradável.
O Regent's é bem grande, com teatro ao ar livre, jardins muito gostosos, o delicioso canal que já descrevi por aqui e também o zoológico de Londres. Já o Primrose fica atravessando uma avenida, rodeado por aquelas casinhas bem inglesas, sobrados com montes de plantas e flores na frente, verdadeira paixão inglesa. E este parque tem um morro com uma visão espetacular de Londres! Lá de cima você consegue ver St. Paul, o London Eye, o centro da cidade... Em um dos cantos do parque existe um pub vitoriano, The Queens, que fica, por sua vez, logo em frente a casa do Engels, onde Marx sempre passava uns tempos discutindo os rumos do comunismo. É também uma área cheia de artistas de cinema, não só britânicos - o próprio Jamie morava ali. Mas muito tranquila e de fácil acesso.
Senti muita falta de fazer um sanduíche, sentar por lá e perder uma meia hora fazendo nada na grama, e das vezes em que fiz um piquenique, geralmente com a Camila.
A possibilidade de ficar pensando na morte da bezerra por algum tempo em um lugar pertinho de casa, em uma cidade tão grande quanto Londres, para olhos brasileiros soa um pouco inacreditável. E talvez um pouco estranho - até que você experimente e saiba o que está perdendo por não ter algo parecido por aqui. E o melhor, sem chance de ser assaltado, estuprado ou pegar um carrapato estrela deitado no chão.

domingo, agosto 17, 2008

Novas notas olímpicas

Uma diversão a parte neste jogos olímpicos, pra mim, é ver uma competição fora das quadras, pistas e piscinas. As das emissoras de tv.
A troca de farpas é engraçada, para não dizer ridícula. Principalmente da espn, que como grande parte dos que estão em segundo lugar, acaba apelando. Dando umas zapeadas, pego sempre os comentaristas dessa emissora soltando "nessa prova, apenas nós estávamos lá. É impressionante o descaso das outras emissoras com o Brasil", ou algo do naipe.
É interessante notar que quando o Gustavo Borges, comentarista contratado pela globo/sportv, entrou na área dos nadadores e foi comemorar com o Cielo, foi sumariamente cortado pelos replays da concorrente.
Outro quesito em que eles estão perdendo é a entrevista com familiares e amigos. Nas provas em que brasileiros têm chance, sempre existe uma equipe da globo filmando os parentes, naquela rasgação de seda toda, já praxe nesses momentos. Com o Cielo, claro, não foi diferente. Tinha uma equipe de reportagem na casa da avó do cara, aqui perto, em Souzas.
À outra emissora restou procurar um técnico de natação lá. Ou quem sabe o jornaleiro do cara.

E o Carlitos Tevez da natação conseguiu mesmo. Well done.

Se eu fosse um desses atletas brasileiros sem qualquer tipo de apoio (a maioria), ou que tivesse meu patrocínio cortado pela confederação do meu esporte porque resolvi treinar fora do país porque teria melhores condições de treino, então ganhasse um ouro, e o Lula ligasse me cumprimentando, ou a supracitada confederação tentasse agora aproveitar os louros da minha vitória, mandaria todo mundo pastar.

quinta-feira, agosto 14, 2008

Onde foram parar todos os cachorros?

Nessas madrugadas de escrivinhação torna-se irresistível assistir um pouco das olimpíadas, nos momentos de pausa (momentos que se estendem além da pausa, claro).
Tenho assistido bastante coisa. Por enquanto o que mais gosto de ver é a natação, em especial os brasileiros, que parecem melhores que 4 anos atrás, e o Michael "Tevez" Phelps. Não compro as críticas que tenho visto sobre o cara. Principalmente sobre as de arrogância e soberba. Se o cara acha que pode vencer, quem sou eu pra dizer o contrário... e ele realmente sobra nas provas.
Os outros esportes não têm sido tão empolgantes. Talvez o basquete seja uma exceção, com o tal Redemption Team, e a seleção da Espanha (e alguns jogadores de outras equipes). Mas as partidas são muito cedo, quando estou indo dormir. Fora natação e basquete eu acabo vendo um pouco de cada coisa, mas acabo logo me cansando um pouco.
O que espero com ansiedade mesmo são as provas de atletismo, que devem começar agora. Eu realmente me impressiono com o atletismo. As provas de velocidade são inacreditáveis; as de força dão medo; as de resistência dão agonia; as de salto são impressionantes. Acho tudo tão distante do que eu poderia sequer pensar em fazer um dia que não posso deixar de elogiar até mesmo o último colocado. Admiro em especial o salto com vara (imagine saltar sobre uma casa com uma vara!!!) e o decathlon e o heptathlon (esses sim são atletas).
E tem sido especialmente divertido ver esses jogos de Pequim por algumas histórias que se sobressaem. Desde as inevitáveis, no estilo Oprah - de superação e sacrifício - até os dramas mais rodriguianos. Essa história escabrosa da nadadora francesa Laure Manaudou é digna de aparecer na Márcia, por exemplo.
De resto, merece nota o completo descaso do governo brasileiro em desenvolver um projeto esportista no país; extremo oposto da neurose chinesa em ultrapassar os EUA em número de medalhas.

Em tempo: para onde foram os cachorros de Pequim?

terça-feira, agosto 12, 2008

Confidential

Já disseram que um mapa perfeito teria escala 1:1.
Também na crônica temos que nos contentar com os highlights da vida. Claro que fica a cargo do cronista saber o que vale a pena ressaltar de tudo que acontece no seu cotidiano.
Mas a bem da verdade é que não interessa contar tudo, evidentemente.
Muitas vezes fico meio cansado do blog, pensando até em matar o coitado. Acabo não o fazendo, já que depois de um tempo de vacas magras a vontade de contar algum pensamento, algum acontecimento, acaba retornando. E embora perdesse todos os possíveis leitores se contasse o que faço durante meus atuais morníssimos dias, ainda sim tenho alguns causos para relatar por aqui.
Alguns bastante interessantes. Emocionantes até.
Este aconteceu no final do ano passado, quando ainda morava em Londres.

Sabe quando os paranóicos que acreditam em teoria da conspiração dizem que muito do que acontece acaba sendo encoberto pelos agentes da matrix? Engravatados de preto e ponto no ouvido confiscam celulares e máquinas digitais, instruem as testemunhas ou simplesmente desacreditam as que escapam do pente fino. Pois bem, nada é mais verdade do que isso.
As pessoas não precisam ter visto um ovni para concordar comigo. Todo mundo testemunha alguma coisa e se espanta quando o que aconteceu é completamente destorcido pelo relato oficial. Quando o acontecido não é sequer descrito...

Meu "estive lá e vi" ocorreu em um bonito dia de inverno inglês, de muito sol e céu azul.
Estava em Southbank, na altura da Millenium Bridge quando pensei sentir um leve tremor no chão. Já disse aqui, em outra ocasião, que penso ter sentido o terremotinho que aconteceu no começo de 2007, cujo epicentro foi perto de Kent mas produziu efeitos mesmo em Londres. Então instantaneamente acreditei que se tratava de um novo protesto de Gaia.
Algumas das pessoas em volta também parecem ter percebido algo estranho. Mas depois de alguns segundos todos resolveram continuar suas vidas apressadas, e ninguém quis ser alvo de chacota, alardeando um temor infundado.
Entretanto, mais alguns instantes e um novo tremor. Este claro, assustador. Estava perto da entrada do antigo prédio de energia que agora abriga o Tate Modern, e comecei a olhar para as pessoas paradas, estáticas, ainda esperando os sinais da destruição: crateras abertas, estruturas desabando, gritos, correria.
Foi então que a cinquenta metros de onde estava, o chão começou a levantar em um certo ponto. Grandes pedaços de pedras, de asfalto e de terra começaram a rolar para os lados.
Empunhei minha câmera, que estava guardada no bolso, e dei um passo para trás.

O que aconteceu a seguir foi muito rápido. Aquilo saiu do buraco formado, pata depois de pata, já atacando os liliputianos transeuntes mais pertos, com uma agilidade surpreendente para um tamanho gigantesco daqueles. Antes de começar a correr, consegui mirar e fazer um registro.


(Maman, Louise Bourgeois. Foto minha)

quarta-feira, agosto 06, 2008

A fábula da qualificação

Há um consideravelmente longo tempo atrás...
Em um lugar relativamente distante...
Vivia um antropólogo, em sua não tão gloriosa tarefa de de escrever sua qualificação.
Um texto quase-texto: perto de terminar de ser escrito, perto de estar compreensível, perto de ter todas as idéias encadeadas.
Mas ainda sim, sempre incompleto.
O bloqueio maléfico era onipotente, e o reino em que trabalhava não queria financiar sua pesquisa...

terça-feira, julho 22, 2008

Alguns pensamentos idiotas

Normalmente levamos a vida meio que anestesiados, sem prestar muita atenção no significado real das coisas que acontecem ao nosso redor. E de vez em quando, essas coisas, que presenciamos dezenas de vezes sem perder muito sono com isso, nos acertam em cheio, com força e de repente!
Isso sempre acontece comigo com letra de música. Às vezes, depois de muito tocar e insistir, ela deixa de ser um mantra e vira algo de fato compreensível. E isso também acontece com a maioria das frases feitas.
Temos, por exemplo, o famoso "o inferno são os outros", aliás, título de música, meio existencialista. Quer dizer, nunca sei precisar muito bem o sentido destas frases célebres ou dos ditados populares (tenho uma amiga que conhece todos e os emprega em momentos bastante propícios, provando que de fato existe uma sabedoria popular por aí e que nenhum mal social já não foi notado e julgado por gerações anteriores). No caso eu acho que significa que os problemas só acontecem com os vizinhos (ou são apenas os vizinhos, em contraposição a si). Quer dizer, isso até a página dois, porque quando queremos reclamamos muito bem dos problemas que parecem ocorrer apenas com nós mesmos e podemos, então, invocar algum outro ditado igualmente lapidar.

Toda essa introdução meio inútil para falar de algo que já havia dito uma vez bem lá no começo do blog, três anos atrás, sobre meu medo de enfrentar a adolescência dos filhos e, pior, enfrentar os pais dos amigos dos filhos.
Algumas semanas atrás eu fui numa festinha de criança, como tem acontecido com assustadora regularidade ultimamente. Lendo alguns posts antigos vi que escrevi muita porcaria, mas algumas coisas ainda valem. Ao me deparar com essa minha confissão sobre meu receio de virar adulto percebi que esse medo continua me assombrando, ainda que eu tenha me acostumado um pouco mais com a idéia. Mas percebi hoje que nesta festinha se concretizaram vários de meus receios em relação aos pais das outras crianças (é bom que se diga que as festinhas dos filhos dos amigos são diferentes das festinhas em que a criança é parente).
Primeiro porque parece que devido ao fato dos filhos terem colegas está pressuposta uma relação entre os progenitores. Mesmo que sejam imbecis que não tenham nada a ver com você. Mesmo que tudo o que as outras crianças façam nunca seja tão bom quanto o que o filho deles realize (ok, isso é básico, mas odeio quem não faz questão de deixar sua opinião reservada). Mesmo que nunca tivessem a intenção de sequer se encontrar se não fosse preciso - e aparentar uma civilidade inexistente ou de mão única.
O estranho é que eu não vi isso chegando. Como se a idéia de existirem pais que educam mal seus filhos fosse algo apenas do noticiário. Como se esse meu medo fosse de alguma forma apenas uma possibilidade ideal - mas irreal. Como se não fosse possível ver tudo isso acontecendo ao seu redor e - pensamento horripilante - achar tudo normal, e entrar à revelia nesta vida de gente grande fazendo exatamente o mesmo que incontáveis outros pais fizeram e que causava apreensão.

E vejam só como são as coisas. Tudo isso porque me lembrei hoje de uma cena maravilhosa do Terra de Ninguém, por conta da última prisão anunciada!
Em plena guerra da Bósnia, um soldado bósnio, lendo um jornal, comenta com outro algo como "você viu que merda está acontecendo em Ruanda?", ao que o outro responde algo como "você está louco?"

segunda-feira, julho 21, 2008

Receita de bolo

Depois do post chato da última semana, cheguei à conclusão que já me basta o martírio da qualificação - de escrever sobre certas coisas, digo.
Fica difícil desligar o antropologizês mesmo para as coisas mais corriqueiras, mas isso pode ficar insuportável em certos momentos.
Talvez seja a crise que a necessidade de escrever uma tese proporciona, mas sinto que preciso ter uma distância de outras coisas sérias agora.
Sem posts-cabeça por enquanto, portanto.

terça-feira, julho 15, 2008

Crueldade ou o progresso humano?

Assisti hoje uma interessante palestra sobre a posição, nas ciências humanas, quanto aos experimentos feitos com animais.
Todas as falas giraram em torno da falácia cientificista "do bem maior", e dos pressupostos discursivos envolvidos na questão, tratando de analisar a ética e a moral no sofrimento infligido a outros terráqueos - quais poderes estão em jogo e qual seria a possibilidade de uma posição possível quanto à questão.
Pensei comigo mesmo que não sei se há de fato a possibilidade de um argumento que me convencesse logicamente, já que mesmo a tal "regra de ouro" - não faça aos outros o que você não gostaria que fizessem com você - me dá a impressão de ser apenas mais um posicionamento e uma defesa de uma postura, culturalmente constituídas. De qualquer maneira, sobre uma universalidade no trato com outros seres, prefiro não falar muito (mesmo porque de fato não tenho certezas quanto a isso).
Cogitei fazer uma intervenção que saísse da discussão epistemológica que estava se desenhando e que entrasse no etnográfico, mesmo que fosse uma etnografia de mim mesmo (ou seja, minha opinião). Isso no tocante às estratégias discursivas na defesa dos animais (porque, como disse, acho que uma tomada de posição é inevitável, mesmo sob a óptica das ciências "hard").
Também acredito que o discurso cientificista não pode ser dissociado da questão ético-moral. E quando o é, há uma tendência a se perder na argumentação e tomar partido por outras razões que aquelas aparentes.
Explico. Li outro dia um artigo, do antropólogo Adrian Peace (no último número da AT, que, aliás, tem dado grande ênfase na questão ecológica nos últimos números), em que ele analisou a campanha publicitária da corporação Meat and Livestock Australia, que desde 2006 tentou estimular o consumo de carne vermelha no país com um bombardeio de propagandas na tv e junto aos profissionais da saúde (escritórios de nutricionistas, por exemplo). Na verdade se tratava de um contra-ataque a um estudo publicado sobre os malefícios do consumo de carne vermelha. Além do impacto ambiental gerado pela indústria pecuária (o desmatamento para a produção de pastos e a emissão dos gases que são responsáveis pelo efeito estufa - produzidos pelos animais ruminantes, mas não pelos monogástricos - como as aves, por exemplo), o consumo de carne vermelha aumenta significativamente (essa expressão tão adorada pelos cientistas, mas que é, ao mesmo tempo, tão vaga) o risco de doenças cardíacas, diabetes e obesidade.
A corporação aussi produziu então uma maquiavélica campanha (protagonizada pelo ator Sam Neil, incorporando seu personagem do Parque dos Dinossauros - procure no YouTube, é imperdível), também baseada em argumentos científicos, que provariam os benefícios da ingestão da carne vermelha. Uma espécie de neo-evolucionismo tacanho é então invocado para associar a evolução social humana (desde a descida da árvore) com a caça de animais. E mais, do desenvolvimento do cérebro humano com a dieta carnívora. Nossos antepassados sabiam, instintivamente, que essa dieta era necessária para a sobrevivência da espécie. Então quem somos nós para lutar contra a Natureza? Indo mais além - e este é o cerne da questão levantada pelos lobistas da carne - existem uma série de substâncias, como o ferro, o zinco, a essencial vitamina B12 e o famosíssimo Ômega-3s, que são obtidas na dieta de carne vermelha.
O que tudo isso significa, para mim, é que uma queda de braço discursiva está sendo travada, e você pode lançar mão da legitimidade científica para as mais variadas posições. E, quem fica no meio se encontra perdido na escolha: "prefiro ter zinco no meu corpo, ou não ter diabetes?"
Claro, a inserção lógica da questão ético-moral e uma etnografia da indústria do abate pode levar um ou outro para uma tomada de posição. Mas este é exatamente o ponto, já que essa lógica científica nunca é neutra, e vem acompanhada de diversos valores (são eles culturais, universais? Lévi-Strauss já gastou bastante tinta com isso). Mas o que me deixa com a pulga atrás da orelha é que mesmo tais pressupostos morais podem ser desafiados (hoje mesmo um rapaz levantou a questão "ok, também não gosto de matar animais, mas se isso é necessário para o desenvolvimento de medicamentos..."). E fico com a impressão que é um diálogo de surdos, cada lado advogando o seu argumento irrefutável. E voltamos ao cientificismo, incrivelmente, para pender a balança para um lado ou para o outro: os resultados obtidos com experimentação animal, por exemplo, são baseados no pressuposto da correlação entre homem e animal (que, paradoxalmente, deveria exatamente impedir o abuso contra os animais). Mas tais resultados não podem ser simplesmente transferidos à esfera humana sem novos testes (para que então, alguém poderia perguntar, se fez experiência com os animais para começo de conversa?).
Não parecemos andar em círculos? Ou exagero no relativismo?
Me abstive de falar qualquer coisa na hora da discussão com o público, no final das contas. Porque por mais que os personagens envolvidos tentem analisar a questão racionalmente, sempre defenderão seus pontos de vista de forma bastante emocional (e muitas vezes com rispidez - para dizer o mínimo). Mas sempre que fico sabendo dos resultados científicos, descobertos por estas equipes de estudiosos que fecham-se em seu mundinho, me dá a impressão de que sou moeda de troca em um embate maluco (o licopeno do tomate previne alguns tipos de câncer, mas a sementinha provoca outros. E então, como ficamos? Fora o tomate?). Nessas horas me sinto - desculpem-me, mas uso aqui um trocadilho infeliz, ainda que irresistível - como um verdadeiro ratinho de laboratório.
De duas, uma: ou acreditamos que podemos experimentar com os animais porque partimos do pressuposto de que eles são seres completamente distintos de nós, ou acreditamos que eles são parte de nossa humanidade e então a questão da crueldade se coloca. Pessoalmente acredito que a humanidade tem grande potencialidade para o sadismo.

domingo, julho 13, 2008

Disc jockey

Eu já tinha dado assistência outras vezes, mas dessa vez tive carta branca para um set list só pra mim, e acabei dando uma de jockey de pista!
Eu deveria estar imerso nos textos e de frente pro Word (o coffee break, layout novo aqui, veio em função de um blog em tempos de qualificação), mas não resisti à oportunidade dada pela Dani e pela Má (com a ajuda da boa e velha preguiça) e perdi um bom tempinho fazendo uma seleção musical, que não fosse óbvia mas que também não fosse totalmente incompreensível e obscura (sei que depois de algumas cervejas o que as pessoas querem mesmo é carne de vaca pra cantar em coro).
E devo dizer, como é divertido fazer as pessoas pularem, apenas com o poder dos seus dedos! Um botãozinho de equalização - ou a luz na intensidade certa - faz realmente toda a diferença!
Fazer com que as pessoas fiquem ansiosas pela próxima faixa e depois continuem numa toada, ou então migrarem para outro ritmo e outra lógica com uma transição sutil. E é engraçadíssimo depois ouvir as mais diversas reações - desde os elogios, até os pedidos de toca Raul (bem, ninguém pede Raul em discotecagem, mas, enfim, o equivalente).
Quem sabe depois do período ermitão não tento novamente? Daí faço um convite aqui com antecedência.

quarta-feira, julho 09, 2008

Um sonho patenteável e Cry me a river

De vez em quando sonhamos com algo bem legal, original até, e então vem aquela mesma sensação, usualmente em estado alterado de consciência, de quando temos a impressão de ter descoberto o sentido da vida. O que evidentemente não é nada mais que algo embaraçoso a ser esquecido e enterrado - quando de fato não o é, logo no dia seguinte.
Mas o sonho de hoje eu conto.
Estava em uma espécie de mesa, num jardim, com um amigo meu que costumava jogar basquete comigo e também a belíssima e charmosíssima orientadora de alguns de meus colegas (me abstenho aqui de dizer o nome, porque orientadora dos outros é quase mãe - e não ficaria aqui contando sonhos com as progenitoras alheias). Estávamos baixando umas musiquinhas pela internet, ao mesmo tempo em que fazíamos massa de pastel.
O grande lance era consumir uma música gastronomicamente. Recheio de Nouvelle Vague, de Stereo Total (aliás, bandas extremamente comestíveis). Colocávamos uma música por vez num pastelzinho, para distribuir na balada.
Levando ao extremo aquela idéia do Rubem Alves (tipo a banda Uakti) de reeducar os sentidos. Comer o som, ouvir o cheiro, essas coisas.
Bem que alguém podia dar um jeito de produzir algo semelhante, não?

(Aproveitando a temática fluvial da amiga Meme, mais imagens londrinas, do rio que me apaixonou profundamente e do qual tenho saudades. Acima, St. Paul, vista de Southbank; abaixo, o Parlamento e o London Eye, vistos de Waterloo bridge. Nada a ver com o sonho, mas dá uma embelezada no post.)

quinta-feira, julho 03, 2008

Um show. E sobre cigarro


Há cerca de um ano, fui no show desse cara aí.
Estranho, careca, de bigode. Mas extremamente carismático, e um músico apaixonante.
No show, em um clube perto de Camden, ele pulou, suou (e como), gritou, correu, e fumou.
E como fumou. Um cigarro depois do outro, cada vez que terminava uma música. Coisa, aliás, que ele fez nos comentários do The Proposition, filme com roteiro de sua autoria - ele não aguentou aqueles 100 minutos de filme sem um trago, e foi embora fumar.
Em meados de junho a Inglaterra estava prestes a entrar nessa onda de cerceamento politicamente correto anti-tabagista. E o senhor caverna fez questão de passar um sermão e se posicionar a respeito. A Europa (ok, como lembrou minha linda orientadora ainda hoje, Inglaterra não é Europa, mas enfim...) vem sendo palco desta discussão (e esperem só que isso ainda chega aqui!) sobre os direitos, os deveres, e a constituição de comportamentos públicos que, para quem lê Foucault, lembra demais o processo de disciplinarização dos sujeitos e seus corpos (e, claro, de uma certa doxa partilhada), no século passado.

Seja o ato de fumar, ou a criminalização dos sites pró-anorexia, parece haver a imposição de um modelo de cidadania e de normalidade que é pautado pelo argumento "o que é saudável" (veja a campanha Oswaldo Cruz), enfiado goela abaixo, em contraposição ao discurso da escolha e livre-arbítrio. E nem entro no mérito de se estas medidas são corretas (algumas vezes?). O fato é que estes desviantes são cada vez mais relacionados com certas características consideradas patológicas. São, neste sentido, considerados quase doentes (e então não-responsáveis por seu vício) e, o que talvez seja mais assustador, potencial fonte de contaminação de outrem e fardo para uma tal sociedade (e vão aí também os obesos e outros grupinhos mais - e o que dizer dessa lei seca?).
Agora, cigarro é um artefato cultural de extrema importância no cotidiano inglês - o que é considerado ser inglês. E talvez mais como no caso francês, e menos no caso alemão, essa proibição não vem sem questionamento (vi muita gente mandando às favas o controle e fumando mesmo). Bem, lá eles tendem a ser legalistas. Mas antes disso, eles acreditam em regras com que eles concordem. O certo e o legal não são conceitos que necessariamente se sobrepõem por lá. E isso é interessantíssimo. Claro que exagero, mas esse é o discurso êmico.

Aliás, questão interessante, nesta mesma lógica P.C. que eleva o multiculturalismo inglês (sobretudo londrino) a um patamar que deve ser defendido com unhas e dentes: gostaria de saber como se dão as negociações dessa disciplina quando tais pressupostos entram em choque com outros que teoricamente são igualmente soberanos. Pois, se não se pode impedir a prática de atividades culturais consideradas imprescindíveis de um grupo, como conciliar tais diretrizes? Há um debate sobre onde termina a liberdade de expressão e a incitação ao ódio, ou ainda sobre o uso da burka neste tempo de terrorismo. Falo tudo isso porque os londrinos donos de cafés árabes tentaram argumentar que a proibição da shisha fere uma das bases da sociabilidade mulçumana. E então, qual princípio sai vitorioso?
E não me acusem, por favor, de paladino da nicotina ou da bebedeira! Me preocupa apenas o que está por trás do processo.
Bem, viajei e não falei do show, que foi muito bom. Mas ficam fotos do líder das sementes maléficas.

segunda-feira, junho 30, 2008

Estar lá


Um pouco inspirado por Richard Holmes, tentei seguir algumas das pegadas de Mary. Como se houvesse algo que pudesse ser captado no ar dos caminhos percorridos. Como se pudesse acessar o testemunho daquelas árvores, daqueles prédios. Ruas em que andou, lugares onde estudou.
Fui para Oxford, no St. Anne's College, procurar esse elã biográfico.
St. Anne faz parte do colegiado da Universidade de Oxford, e, mesmo não sendo tão antigo quanto algumas das outras faculdades, me pareceu transpirar tradição. Ou talvez assim me parecesse por conta de meus interesses. Mas era como se houvesse uma história que para mim fosse significativa. Apenas me esperando. E lá, sozinho, fiz uma tentativa quase mediúnica de imaginar a jovem estudante católica naqueles gramados, naquelas salas, 60 anos antes.
Havia trazido um lanche desde Londres, em uma sacola que carreguei pela cidade medieval. Escolhi um banco afastado, dentro de um jardinzinho pegado a alguma casa de algum departamento, onde alguém fazia um café. E lá fiquei pensando sobre o trabalho que viria pela frente, como se estando lá - essa armadilha que tanto tentamos criticar, mas que nunca é totalmente exorcizada - eu pudesse ver mais claramente não só aquela trajetória, mas o momento no tempo em que esta se encontrou com a minha.

quarta-feira, junho 25, 2008

Paisagens londrinas 1


Na falta de tempo para atualizar por aqui, fica uma imagem do ano passado. Linda ponte que foi explodida e reconstruída no século XIX, quando ainda se escoavam os produtos que chegavam no porto, pelos canais, em barcaças puxadas por cavalos. O carregamento, no caso, era pólvora. Reza a história que o estrondo foi tão grande que os moradores dos arredores acharam que se tratava de um terremoto...
Os canais eventualmente foram interligados e unidos em uma única rede, que serpenteia e recorta Londres, ligando até mesmo outras cidades ao norte e ao oeste.
Na foto, o Regent's canal na altura do Zoológico de Londres.

sexta-feira, junho 13, 2008

Jingle dos infernos

Não sei porque hoje me veio uma musiquinha irritante na mente (será a data tenebrosa?). Sabe daquela que gruda nos seus neurônios, vem das trevas do inconsciente e toma sua mente de assalto para não mais largar? E, como o soluço (esse outro fenômeno fisiológico misterioso), só se vai quando você desiste de tentar matar a dita cuja.
Pois é, dessa. Aliás, eu nunca vi nenhuma explicação sobre porque essas músicas surgem, ou porque elas persistem. Quer dizer, fora o Paulo Coelho, mas com o argumento extraordinário-psíquico-místico, em As Valquírias, ou em Diário de um Mago... um desses (sim, eu lia bastante o imortal da nova era). Algo como a mente em desequilíbrio, ou a mente desconcentrada.
De qualquer maneira, voltando à música. Não é um Bon Jovi, ou uma Bonnie Tyler, ou mesmo uma ABBA - alguns dos campeões do grude. Mas o jingle do Bom Dia São Paulo.
Era o "vamo embora, vamo embora, tá na hora, vamo embora, vamo embora"... que ouvi toda manhã por mais anos do que eu quero lembrar.

E junto com a lembrança do refrão, veio a memória de todos aqueles anos de escola ao raiar do dia.

Nunca gostei de acordar cedo, mas até o terceiro ano do colégio (com exceção do segundo, quando estudei à tarde - e dormia na aula, vai entender...), não tive muita escolha. Como se já não fosse bastante desagradável entrar na sala às 7:00 (os piores anos foram durante minha sétima e oitava séries, quando estudei num legítimo vale, ali perto da lagoa do Taquaral, onde até a segunda aula você não via mais que 10 metros à sua frente por conta da neblina), eu tinha que acordar especialmente cedo, porque desde que me conheço por gente, só fui para o colégio no esquema rodízio-de-pais (partilha da miséria), o que significava várias paradas nas casas de colegas antes de chegar na Bastilha.
E não sei porque cargas d'água, todo pai descontava a frustração de ter que cumprir com seu dever parental - numa hora em que nenhum ser vivo decente e temente à Deus deveria estar acordado - ouvindo o bendito programa, com as notícias que só interessam aos pais (partindo do pressuposto de que não nos faziam ouvir aquilo simplesmente como retaliação por todo o trabalho que lhes dávamos). Nada de The Cure, ou Smiths (em algum momento dos 80), ou U2, Information Society, Titãs ou Paralamas (em outros momentos), ou ainda Nirvana e Pearl Jam (sim, porque isso se arrastou até os 90). Não, eternamente minha trilha sonora para a escola foram as notícias sobre impostos, sobre corrupção na política e sobre os problemas da segurança pública. Invariavelmente e sem exceção.
Não fosse a CBN, ou coisa que o valha, bem poderia ser uma marcha qualquer de pelotão de fuzilamento. Não faria muita diferença.
Eu acho que minha ojeriza aos noticiários vem bastante daí.
E esse "vamo embora, tá na hora"... que desespero! Já está na hora de correr? Tão cedo? Que stress! "Vai vagabundo, faz alguma coisa que você já está atrasado, não importa o que você faça", poderia ser o segundo refrão.
Sempre aquele equilíbrio delicado entre o sair o mais tarde possível, dormir mais alguns poucos minutos (com seus pais ficando nervosos e já tirando o cobertor à força), e depois o correr, antes que o portão se fechasse. E que lógica horrorosa - me fazer ficar ansioso por chegar a tempo, quando o que eu mais queria era perder o sinal e jogar fliperama, ou voltar para a cama! Percebe o elemento esquizofrênico, percebe?
Sempre que ouvia o jingle infernal me sentia miserável, me dava uma sensação de sufocamento, de opressão, como se uma sentença me estivesse sendo anunciada. Seu dia nada mais será que um desdobramento de sua manhã. E nada mais.

E eu que pensava que essa neurose com o tempo fosse exclusivo dos meus anos de universidade...

domingo, junho 08, 2008

De onde os patrícios chegaram


De volta da ABA, da Bahia (uma Bahia diferente, que é Porto Seguro, não obstante), cheio de impressões.
Apresentei meu trabalho, não foi uma maravilha, mas não foi horrível. Tive boas dicas e bons insights, mas faltou falar muita coisa (pelo menos olhando retrospectivamente). Vi apresentações muito boas, mas muita coisa fraca também. Normal. O ponto negativo fica para a organização, bem fraquinha (ainda mais pensando no valor da inscrição). A parte divertida, fora encontrar amigos e perdidos conhecidos, foi a festa de encerramento. Dançar Tati Quebra Barraco com seu GT e seus professores não tem preço!

Da cidade de Porto Seguro mesmo não tenho muito o que dizer. Achei tudo muito feio, mas as praias são bonitas (do pouco que eu vi). Mas não tem jeito, eu não consigo passar despercebido pelas ruas. Minha regionalidade está marcada no corpo, bem como minha zambrice. E paulista é caçado de uma tal maneira que irrita. Fugir dos carinhas que tentam vender as mais diversas porcarias, alugar carros, fazer tatuagem de rena, tererê, ou simplesmente pedir dinheiro, é uma atividade constante e complexa. Já tinha tido experiência parecida em Salvador, e não gostei nada. Não é só a opressão de pedir, já se impondo, mas de já pressupor que fazendo, sem dar fôlego, o que quer que estão tentando vender, irá deixar a vítima constrangida a um tal ponto que não lhe resta alternativa que pagar o serviço - 10 reais aqui, 20 ali...
Como um colega paulistano disse, sair do stress paulista pra passar nervoso na Bahia é foda. E você começa a ficar estúpido depois da trigésima interpelação (que está mais pra assédio mesmo).

sexta-feira, maio 30, 2008

Reflexões de uma boa aula

A moral desta tétrica história da menininha, para mim é que as narrativas do ocorrido são construções, são bricolagem com agendas pré-determinadas, nem um pouco isentas. Até aí nada de novo. O que é sim interessante de se pensar é acerca do limite alcançado (ou melhor, ainda não alcançado) por estas narrativas, vindas dos mais diferentes campos. Por quê tanta repercussão?
Os dados "objetivos" são utilizados na criação de verdadeiras histórias pseudo-coerentes. Coerentes, sim. Mas uma coerência arbitrária, seletiva. Traços de personalidade, e até menos do que isso: um simples comentário, um deslize, são provas irrefutáveis da culpa, que aparece aqui como irresistível, certa e inevitável. E nem falo dos que simplesmente supõem que as ações abomináveis são resultado das posições ocupadas no quadro de parentesco, ou pela posição social.
E a entrada deste novo personagem, que já veio assombrar a idéia de uma neutralidade e objetividade científica (forense) em outra oportunidade, para mim só reforça a idéia de construção, de ficção. Duas histórias completamente opostas podem surgir. Interpretações ou explicações? De onde se fala e qual é a legitimidade de quem fala. E surge a possibilidade da dúvida, que é a intenção da defesa, claro (e nem digo com isso que não seja possível uma ciência forense bem intencionada).

Isso me lembra bastante o que li sobre o caso do Jack, o mais famoso deles. Estudos minuciosos provam que ele foi um pintor expressionista inglês, foi o médico que teorizou a histeria, foi um membro da realeza sifilítico.

domingo, maio 25, 2008

Últimas

Ando bastante caseiro nos últimos tempos, mas rolaram duas boas baladinhas esta semana. A primeira mais... digamos... convencional (ainda que com sonzinho de queridas). Já a segunda foi meio esquisitinha (mas um esquisito bom).
Fui no pub que não é pub (mas ainda sim bacana, ainda que com atendimento que deixa um pouco a desejar), com discotecagem de amigos (muito boa, por sinal).

Bem, você passa pela vida fazendo amizades e participando de certos círculos. Ao longo da existência você se relaciona mais, ou menos, com determinadas pessoas, em determinadas épocas - algumas sempre voltam em algum momento e parecem nunca ter se distanciado, outras desaparecem nas brumas. E alguns amigos são amigos entre si, mesmo que não sejam dos mesmos círculos. Me espanto com alguns exemplos: "mas você conhece fulano? De onde?" Ainda que tenha percebido que realmente Campinas é uma kitnet (rolaria fácil uma análise antropológica de redes).
Na verdade, o esquisito, afirmado acima, foi que pessoas de várias dessas turminhas confluiram para o mencionado estabelecimento (lá não tem cerveja da ilha, mas felizmente eu já tinha matado minhas lombrigas um pouco antes).
Encontrei algumas pessoas que há muito não via, bebi e dancei. Foi uma noite leve, daquelas que tudo dá certo, tudo é engraçado e, mesmo desembolsando uma grana que eu não tenho, voltei contente, com dor na perna e tudo.
E minha querida amiga da capital continua linda (e cabeluda, heim?!)...

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Dei minha primeira aulinha esta semana! E foi logo para uma turma de mestrado! Claro que quase que tenho uma síncope, mas o resultado foi até encorajador. Quem sabe essa minha paúra docente não melhora?

quinta-feira, maio 15, 2008

Uma breve notícia

Esta é a tragédia de Henrieta C., carioca torcedora do Fluminense, que veio para São Paulo assistir à semifinal da libertadores contra o outro time tricolor, mas que justificou a viagem, para seu pai, por conta de numa exposição sobre a Natureza das Coisas, no MASP, já que fazia arquitetura na Puc.
Foi, na verdade, para a capital paulista com seu namoradinho Josias, e não com a turma da faculdade, que viajou para Ouro Preto em uma pesquisa de campo.
É certo que pensou na exposição como desculpa porque queria de fato visitá-la, ainda que num nível bastante ideal e platônico, já que não tinha intenção nenhuma de deixar de assistir o jogo. Josias tinha conseguido os ingressos dificílimos e não tinham como perder a oportunidade, agora que o Flu parecia estar com um time tão bom e competitivo, e já tão longe na competição.
O fato é que o pai de Henrieta, Rene, não gostava nem um pouco de Josias que, para ele, era simplesmente um malaco. Homem muito conservador e controlador, proibiu a filha de se encontrar com o Romeu. Pobre homem, ignorante das verdades dos corações jovens, já tão cantadas pelos poetas, que sabem que a probição é como combustível para a paixão, mas ainda tão misteriosas aos pais, que sempre acham que seus filhos são diferentes deles mesmos.
A menina achou que o melhor era inventar uma desculpa relacionada à sua formação, tão prezada pelo pai. Quanto a isso, nunca nada lhe era negado. E de qualquer forma estaria de volta no dia seguinte, sem problemas.
Mas quis o destino que Rene resolvesse assistir o jogo na tv aquela noite. E quiseram os deuses zombeteiros que a câmera focalizasse, quase no final da partida, a torcida carioca, e mostrasse Josias passando um baseado para Henrieta. Era o primeiro que ela fumava, mas estava tão inebriada pelo espetáculo e pelo inusitado da situação, que resolveu experimentar. Oportunidades não faltavam na faculdade, mas nunca quisera então. Uma coisa era seu cotidiano. Outra era esta experiência, tão única e quase surreal, um parênteses na sua vidinha.
Rene, boquiaberto na frente da tela, por um momento não acreditou no que viu. Sua filhinha estava em Minas! Mas a imagem era clara.
Copo na parede. Cacos no chão. Cerveja no tapete.

Murphinianas

Seria, afinal, o universo regido por forças não-aleatórias?
Todo mundo, quando lê as notícias de corrupção, covardia e vilanias em geral, no fundo vira um pouco budista vingador (ou cristão mesmo): em outra vida, ou em outro plano, aquele irá pagar. Vai arder no fogo do inferno, ou volta como um cupim manco.
E nem precisa ir muito longe na metafísica religiosa. Existe a lei da compensação secular - "aqui se faz, aqui se paga", e outros ditados do gênero (e se a justiça falha, pelo menos se espera que o safardanas durma mal, ou então que a história se encarregue de execrá-lo como merece - se o acerto de contas não se dá individualmente, quem sabe na memória, talvez).
Eu me pego sempre achando que existe algum princípio regulador no cosmos. Mas depois, invariavelmente, acabo me resignando, achando que o mundo é injusto mesmo e não tem o que se fazer - o último que sair que apague a luz. Entretanto, vem aquela pontinha de dúvida, de que as coisas se acertam, de alguma maneira, em algum momento - e acabo nunca escapando do círculo.
Nas últimas semanas tem reinado um princípio estrutural relacionado: de que quando as coisas param de funcionar, param todas ao mesmo tempo. É o banheiro que vira zona de guerra, mas também é o carro que sucumbe, o pneu que agoniza, a luz do escritório que pifa, a luz da cozinha que a acompanha, o interfone que fica mudo, o computador que pede arrego, a sola do sapato que desgruda.
Lá vou eu então testar o outro pricípio newtoniano da reciprocidade: vou jogar na mega-sena.

terça-feira, maio 13, 2008

Sobre reforma e madrugada

Pois bem, informo que minha capacidade cognitiva têm sofrido deveras com os trabalhos - que não são esotéricos mas ainda sim para-reais. Tenho a impressão de estar vivendo uma piada sem graça, uma parábola deveras exagerada. Quando penso que posso acordar, de fato vejo que nem dormi, e o despertar vem ao som das marteladas. É tudo quase psicodélico, em sua urgência cavalgante.
No começo achei um pouco irritante essa minha relação com os contratados. Não pela sujeira, incômodo ou barulho - tudo terrível, mas inevitável - mas pelas tais previsões que me dão. De quando terminaria (me foi dito inicialmente que seria uma semana, e não um mês - e contando), e de que material comprar: de nenhum cimento ("a gente se vira com um tiquinho da outra obra") para um saco 50 kg (que me ferrou as costas). Depois sair para comprar apenas mais um T de dois terços. Daí dois parafusos de cabeça chata, para então canos, sarrafos, misturadores, registros, isolantes, cola, fio, mais um saco de 50 kg (que acabou por me foder a lombar), e por aí vai (e vai longe). Você não acreditaria quanta coisa cabe num banheirinho. E, é claro, as tarefas me são dadas aos poucos; um produto de cada vez, à medida que são necessários, e não tudo junto em um só pedido.
É, isso me irritou no começo. Mas então, quando me senti como numa gincana de colégio e vi que teria, sim, que deselbolsar mais 100 aqui, mais 50 ali (que eu não tenho de fato), sair procurando madereira, loja de hidráulica, ovo de duas gemas e a pessoa mais velha que eu pudesse encontrar, me resignei. Agora acho tudo surreal, engraçado até. "Ok, vou procurar um start para 20 w. Não é que tenho nada melhor pra fazer mesmo".

Tenho cá algumas peculiaridades, que alguns podem considerar defeitos, mas que aprendi serem parte constituinte da pessoa que vos fala.
Como dormir tarde. Desisti de tentar me enganar, dizendo aos outros que irei acordar mais cedo, sair para caminhar com as primeiras luzes e sei-lá-mais-o-quê que normalmente se coloca na conta dos que têm o modelo de saúde a se emular. Eu durmo tarde, trabalho melhor de madrugada, acho que os melhores programas começam depois da hora da bobra e acho tudo muito mais tranquilo durante o reinado dos homenzinhos do Stevenson.
Sem a mulher de voz enjoada que vende pamonha, sem as buzinas, sem o bar azul, sem a vida que estaciona. O que é estranho, porque é exatamente nas primeiras horas que tudo parece congelar. Mas é quando tudo pára que se pode olhar pela janela e perceber o desenrolar de um simples movimento, despercebido que seria durante o dia. Voyeur singelo, adoro observar uma luz acendendo e tentar imaginar o que a pessoa está fazendo acordada; o piscar fantasmagórico de uma tv; um carro que passa solitário - vem de onde, vai para que canto? E mais, eu consigo me enxergar muito melhor.
Teço aqui minha ode e minha homenagem aos madrugadores, e aos insones como eu. Já sofro demais com isso para somar ainda mais uma neurose e achar que tudo é um lixo. Então digo que lido bem com isso (ainda que não recomende a ninguém).
Claro, nas últimas semanas este meu hábito trouxe problemas, pois é impossível continuar dormindo depois das 8, quando começam os mencionados trabalhos - no caso, uma reforma dos banheiros. Mas dormir cedo também não é uma opção. Resta torcer para que não surjam ainda mais imprevistos para o final das reformas.
E vou levando como Napoleão.

Mas nem tudo são espinhos. Informo que devo ter saído no Correio, na melhor pose pessoa-descolada-na-frente-de-seu-computador de orelha de livro (até fiz a barba, pasmem!). Engana-se quem pensa que seja algo relacionado à ciência do homem. Foi para uma matéria sobre video-game. O que contribui em muito para minha imagem de vagabundo sedentário, mas, enfim... é divertido (engraçado o fotógrafo, que queria uma foto ao lado do meu atari, mas teve que se contentar com o mouse mesmo).

Dentre as muitas outras possíveis notícias a se relatar neste espaço, ressalto apenas que finalmente assisti Coffee and Cigarettes (bem, o mais recente), ainda que não inteiro. Adoro o Jarmusch, mas ainda sim os filmes dele não são "de cabeceira"; não consigo assistir a qualquer hora.
Mas deve ser muito bom ser o cara. Amigos bacanas, respeitado, não precisa fazer muitas concessões, filma o que gosta, e agora se aproveita de uma boa estrutura que foi criada para os tais filmes cults, nos EUA. O equivalente na direção do que seria, por exemplo, o Bill Murray hoje.
E que vontade de café e cigarros...
(rápida menção: lembrei do diálogo entre o Jarmusch e o Keitel em Blue in the Face. Você não acredita que o Jim vai mesmo fumar seu último cigarro, depois daquela cena!)