Pois bem, informo que minha capacidade cognitiva têm sofrido deveras com os trabalhos - que não são esotéricos mas ainda sim para-reais. Tenho a impressão de estar vivendo uma piada sem graça, uma parábola deveras exagerada. Quando penso que posso acordar, de fato vejo que nem dormi, e o despertar vem ao som das marteladas. É tudo quase psicodélico, em sua urgência cavalgante.
No começo achei um pouco irritante essa minha relação com os contratados. Não pela sujeira, incômodo ou barulho - tudo terrível, mas inevitável - mas pelas tais previsões que me dão. De quando terminaria (me foi dito inicialmente que seria uma semana, e não um mês - e contando), e de que material comprar: de nenhum cimento ("a gente se vira com um tiquinho da outra obra") para um saco 50 kg (que me ferrou as costas). Depois sair para comprar apenas mais um T de dois terços. Daí dois parafusos de cabeça chata, para então canos, sarrafos, misturadores, registros, isolantes, cola, fio, mais um saco de 50 kg (que acabou por me foder a lombar), e por aí vai (e vai longe). Você não acreditaria quanta coisa cabe num banheirinho. E, é claro, as tarefas me são dadas aos poucos; um produto de cada vez, à medida que são necessários, e não tudo junto em um só pedido.
É, isso me irritou no começo. Mas então, quando me senti como numa gincana de colégio e vi que teria, sim, que deselbolsar mais 100 aqui, mais 50 ali (que eu não tenho de fato), sair procurando madereira, loja de hidráulica, ovo de duas gemas e a pessoa mais velha que eu pudesse encontrar, me resignei. Agora acho tudo surreal, engraçado até. "Ok, vou procurar um start para 20 w. Não é que tenho nada melhor pra fazer mesmo".
Tenho cá algumas peculiaridades, que alguns podem considerar defeitos, mas que aprendi serem parte constituinte da pessoa que vos fala.
Como dormir tarde. Desisti de tentar me enganar, dizendo aos outros que irei acordar mais cedo, sair para caminhar com as primeiras luzes e sei-lá-mais-o-quê que normalmente se coloca na conta dos que têm o modelo de saúde a se emular. Eu durmo tarde, trabalho melhor de madrugada, acho que os melhores programas começam depois da hora da bobra e acho tudo muito mais tranquilo durante o reinado dos homenzinhos do Stevenson.
Sem a mulher de voz enjoada que vende pamonha, sem as buzinas, sem o bar azul, sem a vida que estaciona. O que é estranho, porque é exatamente nas primeiras horas que tudo parece congelar. Mas é quando tudo pára que se pode olhar pela janela e perceber o desenrolar de um simples movimento, despercebido que seria durante o dia. Voyeur singelo, adoro observar uma luz acendendo e tentar imaginar o que a pessoa está fazendo acordada; o piscar fantasmagórico de uma tv; um carro que passa solitário - vem de onde, vai para que canto? E mais, eu consigo me enxergar muito melhor.
Teço aqui minha ode e minha homenagem aos madrugadores, e aos insones como eu. Já sofro demais com isso para somar ainda mais uma neurose e achar que tudo é um lixo. Então digo que lido bem com isso (ainda que não recomende a ninguém).
Claro, nas últimas semanas este meu hábito trouxe problemas, pois é impossível continuar dormindo depois das 8, quando começam os mencionados trabalhos - no caso, uma reforma dos banheiros. Mas dormir cedo também não é uma opção. Resta torcer para que não surjam ainda mais imprevistos para o final das reformas.
E vou levando como Napoleão.
Mas nem tudo são espinhos. Informo que devo ter saído no Correio, na melhor pose pessoa-descolada-na-frente-de-seu-computador de orelha de livro (até fiz a barba, pasmem!). Engana-se quem pensa que seja algo relacionado à ciência do homem. Foi para uma matéria sobre video-game. O que contribui em muito para minha imagem de vagabundo sedentário, mas, enfim... é divertido (engraçado o fotógrafo, que queria uma foto ao lado do meu atari, mas teve que se contentar com o mouse mesmo).
Dentre as muitas outras possíveis notícias a se relatar neste espaço, ressalto apenas que finalmente assisti Coffee and Cigarettes (bem, o mais recente), ainda que não inteiro. Adoro o Jarmusch, mas ainda sim os filmes dele não são "de cabeceira"; não consigo assistir a qualquer hora.
Mas deve ser muito bom ser o cara. Amigos bacanas, respeitado, não precisa fazer muitas concessões, filma o que gosta, e agora se aproveita de uma boa estrutura que foi criada para os tais filmes cults, nos EUA. O equivalente na direção do que seria, por exemplo, o Bill Murray hoje.
E que vontade de café e cigarros...
(rápida menção: lembrei do diálogo entre o Jarmusch e o Keitel em Blue in the Face. Você não acredita que o Jim vai mesmo fumar seu último cigarro, depois daquela cena!)
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