segunda-feira, outubro 31, 2005

Algumas coisas dos anos 80


Estava ouvindo agora o Bad Reputation da Joan Jett e fiquei matutando sobre algumas coisas sobre os anos 80. Primeiro: como alguém pode ficar ouvindo Avril Lavigne quando tem duas tias maravilhosas, com discos magníficos, que já faziam há muito tempo e muito melhor o que essa guria está tentando fazer agora; mas que ninguém dá muita bola? Claro que eu tô falando da Joan Jett, mas também da Patti Smith.
Outra coisa: quando exatamente acabou o efeito de fade out no final das músicas? Aquele efeito de ficar repetindo o refrão e o volume ir diminuindo até mudar para outra faixa? Engraçado que agora a música termina realmente, não tem mais aquela sensação de que ela poderia continuar indefinidamente, como era antes, na música do vinil.
Tem trocentas coisas que eu poderia falar sobre a década perdida. Minha infância toda foi construída nela. Mas termino com uma dúvida e uma constatação. É o efeito da nostalgia o que faz com que eu aprecie hoje algumas coisas que eu não dava muita bola e dava como garantido 20 anos atrás? Claro, tinha coisas que eu já gostava lá, mas muitas outras passaram meio batidas. Por exemplo? Percebi como Duran Duran é bom!

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E o que aconteceu com a polaina?

Halloween


UAHAHAHAHAHUAHAHUUHUHUH!

sexta-feira, outubro 28, 2005

Out of our minds

Dia pós-entrega de trabalho: aquela gostosa sensanção de vazio por estar acostumado a tanto tempo a não ter tempo para coisa alguma além de trabalhar e, de repente, nada. Um prazer enorme em acordar meio dia, comer lasanha congelada de almoço, bisbilhotar na internet, ver tv sem culpa. Fiquei a tarde toda no shopping, comprando presente para a Sofia (1 ano, já?!) e lendo livro na Saraiva. Dia de solteiro também.
Daí me encontrei com amigos queridos, comi uma pizza supreme e tomei sukita. Fomos ver o Jardineiro Fiel. Gostei bastante. Não sabia quase de nada do filme - o que, quando consigo fazer, acho ótimo. Odeio ter expectativas frustradas.
A Dani disse que o filme a fez pensar na pesquisa dela. Acho que pra mim também aconteceu isso, ainda que não pelos mesmos motivos, acho. Às vezes acho que preciso ir pra lá, mas também, por outro lado, dá pra encarar e ver aquilo que estudei nesses anos, nos livros? Porque, muitas vezes, acho que o Fabian tinha razão: as pessoas estão fora de si em sua racionalidade toda. Quando os clichês deixam de ser clichês e viram sabedoria? Porque as vezes parece que não é possível suportar sem pirar. Já não basta ver Delúbio e Valério colocados no ringue aqui na minha própria terra? Bom, mas quem sabe maçonaria africana não pode ser algo a mais que uma piada que eu fiz outro dia?

quinta-feira, outubro 27, 2005

Uma foto, um filme e uma história


Com mais uma foto do álbum, a que não se considera relevante... e a crise continua.

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Dica cinematográfica: depois de muito tempo sem ver qualquer filme (o último no cinema foi Sin City), assisti hoje Wonderland. O roteiro é bom, boas performances e a trilha sonora é ótima!

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Vou contar a história de um embate. Um embate que não foi bem um embate, e acabou virando constrangimento:

O rapaz foi visitar o Sacre Coeur pela segunda vez. Quando moleque havia feito a peregrinação sem saber o que significava o lugar. Desta vez sabia que a igreja tinha um certo significado, tinha importância, mas ele foi basicamente porque era um ponto turístico famoso. Esta foi sua peregrinação. Nada de transcendental ou religiosa. Bom, de certa forma havia algo de religioso... uma sacralização dos marcos conhecidos por todos. Sua contribuição para o cartão postal. Era uma igreja, mas isso não era o mais importante - ainda que fosse católico.
Estava de sobretudo preto, calças jeans pretas, botas pretas. Cópia do passaporte no bolso da frente - nunca é demais se previnir contra os batedores de carteira que, como se sabe, sempre estão espreitando. A máquina fotográfica, nem boa nem ruim, no outro bolso do sobretudo - o que fica por dentro do forro, sobre o peito. Assim era fácil sacar rapidamente a câmera para bater uma foto e encondê-la novamente, sem chamar a atenção. Nada como aquele clichê das hordas de turistas japoneses. Gostava de se considerar um turista low-profile.
Em um banco da praça, na base da escadaria da igreja, viu que o céu começava a fechar. Nuvens pretas assomavam ameaçadoramente por trás da paisagem. Choveria logo - e muito. Ele estava decepcionado com a reforma que ocorria na fachada do prédio. A foto não sairia como esperava. Ao menos agora tinha um clima de apocalipse para dar um ar especial à coisa toda. Mas não tinha pressa nenhuma em procurar abrigo; de certa forma esperava molhar-se. Desejava até. Ficou esperando alguma coisa, que não sabia exatamente o quê, para se decidir a fotografar.
Na praça, dois ou três parisienses se dirigindo para o Metrô, alguns casais de turistas e uns mochileiros eslavos. Havia, contudo, uma figura interessante - que sabia que era interessante. Um clochard. Também de sobretudo - mas gasto. Claramente tinha mais de 60 anos e ostentava uma barba grisalha imponente e desgrenhada. Alimentava os pombos, que se amontoavam ao seu redor.
O rapaz então sacou a máquina, procurou não fazer movimentos chamativos e mirou. O clochard esperava por isso e levou as mãos ao rosto.
Mesmo há algumas dezenas de metros de distância, espalhando farelo de pão para as aves, o velho estava atento a tudo o que as pessoas faziam. Obviamente devia estar acostumado a ser considerado parte da paisagem turística, como os guardas do Palácio de Buckinham ou os punks que vagam na frente dos seus portões. Mesmo não gostando destes fotógrafos, fez do jogo de esconder-se contra a indiscrição, um ritual. Afinal, gostava de alimentar os pombos alí e não deixaria de fazê-lo por conta de voyeurs endinheirados. Mas no fundo apreciava ter que odiar a necessidade de se esconder. Fazia parte do mesmo ritual. Ao menos aos turistas ele não era invisível. Se esconder fazia, estranhamente, com que fosse ainda menos invisível para um tipo de ser humano.
O rapaz baixou a câmera e ficou constrangido. Fingiu que na verdade não queria tirar uma fotografia do clochard e sim da igreja que se erguia imponente atrás dele. Levantou-se do banco e foi a Montmatre olhar os artistas - estes sim, menos ariscos e dispostos a encantar os estrangeiros.
Alguns anos depois, na sala de espera de um dermatologista, viu entre as fotos que o médico tirava como hobby e que adornavam a sala, um barbudo clochard sorridente. Nunca mais voltou ao consultório.

quarta-feira, outubro 26, 2005

Vidas passadas

Hoje, depois de matar aula, estava esperando que a minha orientadora saísse (da aula que eu matei, mas que seria dada por outro professor que, no entanto, faltou) e fiquei deitado em um banco na frente do prédio onde era dada a aula. Houve, depois da aula propriamente dita, uma discussão sobre o andamento e a organização do curso. Parece que o debate estava um tanto quanto acalorado e demorou bastante para começar a sair gente, isso já passado o horário do almoço.
Enquanto não saía ninguém, meio sem pensar peguei uma folha caída no chão. Dessas em forma de ponta de lança, um pouco grande, já meio amarelada, começando a secar. Também sem tomar muito conhecimento do que fazia, comecei a rasgar a folha junto aos nervos secundários (aqueles que saem obliquamente do nervo principal, mas que ainda são grandes): era uma folha peninérvea (ó!).
Quando percebi o que fazia, uma sensação de déjà-vu surgiu. Ou percebi o que fazia porque surgiu o déjà-vu. Não sei bem. Lembrei que quando era criança, quando ficava na rua esperando qualquer coisa (minha mãe me pegar na escola, o intervalo acabar...), fazia exatamente isso, produzindo uma folha toda recortada simetricamente, mas unida pelo nervo central. Escolhia precisamente as folhas peninérveas do chão, que não podiam estar verdes, mas também não poderiam estar secas, mais fáceis para trabalhar.
Não sei como, mas sabia que não fazia isso há muitos anos, mais de uma década com certeza. Não sei exatamente porquê, mas me senti feliz e angustiado ao mesmo tempo. Parecia que eu estava roubando lembranças. Um passado que vivi e já nem considero mais meu, mas de outra pessoa com quem já nem mais me identifico.

sexta-feira, outubro 21, 2005

Esses estranhos medos televisivos


Na continuação do projeto do álbum das palmeirinhas, coloco agora outra foto bem legal de uma das realmente primeiras delas. O sobrinho de Durkheim, Mauss. Não dá pra deixar de sentir certo orgulho de ser antropólogo quando você tem ancestrais tão bons no que fizeram, mas ao mesmo tempo conseguem ser bastante divertidos e simpáticos, não? (Tudo bem, existem as exceções...) Talvez pela própria natureza da disciplina, do encontro, o antropólogo passe algo íntimo de si para aquele que lê seu trabalho. Pelo menos vários deles. E, como diz uma das únicas músicas do Chaetano que eu gosto, "de perto ninguém é normal".

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Conto também uma breve experiência, para falar sobre meu pavor de falar em público, ainda mais se é para uma tv.
Hoje, fazendo pausa nos trabalhos para comprar mantimentos no Pão de Açúcar local (esse mesmo do Cambuí), estava parado num farol vermelho do Centro de Convivência (aquele que dá pra Conceição) e vejo uma loira se aproximando, armada com um microfone e um cinegrafista a tira-colo. Gelei.
Quando cheguei o sinal já estava fechado, então sabia que iria abrir logo. Mas um medo automático me invadiu. "E se justo agora ele quebrou? E se o tempo resolver passar mais devagar justo neste momento?" Quem conhece um pouco sobre qual é a verdadeira natureza do destino, sabe que ter tais pensamentos negativos é mais do que justificado.
Com um canto do olho eu via a mulher se aproximar (estava no único carro na faixa da esquerda e ela estava na calçada do Centro de Convivência, seu território de caça) e ficava olhando, impaciente, o vermelho na minha frente, esperando que o verde do sinal dos pedestres começasse a piscar, o que indicaria que logo a cor mudaria e eu poderia fugir. Mas não piscava. Não abria. Pânico aumentando. Ela abriu a boca, empunhou o microfone ameaçadoramente e perguntou se poderia... O sinal de pedestres começou a piscar! Rápido, rápido! Abriu! Sorri pra moça, que viu o sinal abrir e voltou com seu microfone para a calçada, desapontada por não haver conseguido abocanhar sua presa. Acelerei e nem olhei para trás. Não soube nem que emissora era. Deveria ser uma dessas locais, porque não havia logo no microfone, como pude lembrar depois, já mais calmo e recomposto.
Relatado o caso, informo que minha experiência com a tv não é das melhores. Apareci no ar 4 vezes, que eu saiba. Uma delas foi quando era bem moleque, época que era viciado em histórias da Segunda Guerra Mundial (tenho parentes que morreram na Alemanha até). Sabia tudo sobre as principais batalhas, os comandantes e tal. Por muito tempo tive certeza que eu era um cientista austríaco que havia vivido nesta época, na minha encarnação passada. Acho que poderia ter sido meio estranho nesse ponto (depois que li o conto do Stephen King que originou aquele filme do menino que descobre um criminoso de guerra no seu bairro, fiquei ainda mais preocupado com isso - por um tempo), mas não é o caso de falar isso agora.
Enfim, nessa época descobriram que o Mengele, depois de ter fugido para a Argentina, havia vivido e morrido no Brasil. Afogado, mais precisamente. Em Bertioga. O Badan Palhares foi encarregado de fazer o laudo que confirmaria que a ossada exumada era do médico alemão. Meus pais, colegas do legista, contaram para o dito cujo do meu interesse pela Segunda Guerra e lá fui eu ver e tocar no crânio maldito. No mesmo dia ele apresentou o laudo, para várias tvs. Lá estou eu do seu lado. A primeira vez até que não teve nenhum trauma sério. Mas eu estava morrendo de vontade de ir no banheiro, e minha cara na tv é estranhíssima, no meio de toda aquela gente.
A segunda vez foi na MTV, em que apareço num show do Raimundos, no Junta Tribo, que aconteceu no observatório da Unicamp, totalmente coberto de pó (tirei terra de orifícios do meu corpo ao longo de toda aquela semana) e levando uma botinada de um punk que fazia mosh e pulou bem onde eu estava. O bico da bota acertou em cheio meu olho direito. Tive chance de rever isso outro dia, quando passou um especial de 10 anos (já?!) do Junta Tribo.
A terceira vez que apareci, foi um dia que estava na Unicamp nas férias. Quem foi pra Unicamp nas férias sabe como aquilo fica deserto. Bom, eu fui acompanhar meu amigo André, então estudante de arquitetura da PUCC, a filmar um projeto de urbanismo. Minha função era atirar uma bola de basquete, como se estivesse jogando boliche, através daqueles caminhos de pedrinha do ciclo básico enquanto ele filmava o trajeto da bola. Nunca entendi direito a proposta do filme. Acho que era algo sobre uma metáfora da circulação das pessoas. Bom, uma hora em que fui longe, quase na BC já, para pegar a bola depois de um arremesso muito eficaz, uma moça sorridente, seguida de um câmera carrancudo, se aproximou de mim e perguntou se eu não poderia dar uma entrevista sobre Viagra. Mal sabia o que era isso, o produto acabara de ser lançado. Disse isso aos dentes brancos, ao que estes me responderam que não tinha problema, eles me dariam uma pergunta para decorar e então fazer para a câmera. Não sei porque aceitei. Malditos dentes hipnóticos! Me posicionei frente à lente e disparei: "Gostaria de saber: Viagra vicia?" Deveria ser daqueles programas que aparece a pergunta do cidadão anônimo e preocupado e depois corta para a resposta do médico. A acionista da Colgate me disse em que canal e hora iria passar o negócio. Mas nessa altura já estava completamente arrependido. Nem quis assistir.
A quarta vez que apareci na tv, foi naquele canal 25 (quem tem net em Campinas sabe qual é: uma tv local que tem vários programas "jovens"). Tinha acabado de fazer tatuagem no Gatto e ele me falou que iria na tv falar sobre sua arte, perguntando para mim e para a Dani se não queríamos ir como clientes satisfeitos. Aceitamos. Lá estou eu, no canal 25, mostrando minha recém-feita tattoo e falando muita merda sobre período de cicatrização, como lidar com arrependimentos possíveis, sobre meu piercing e a Dani dando um fora na apresentadora imbecil que queria dar de feminista esclarecida, perguntando pra ela se não era verdade que as mulheres têm que bater nos homens (?!)...
Bom, desde a primeira tatuagem meu pai sempre brigou. Essa tinha feito sem falar nada. "Tudo bem" - pensei - "ninguém assiste essa porcaria mesmo". No dia seguinte meu pai, triste e bravo, me pergunta porque não contei que faria nova tatuagem. Não foi legal ele ter sabido por colegas no hospital! Fala sério, que médico fica assistindo canal 25 no meio da tarde, reconhece o filho do colega e no dia seguinte vai fofocar?
Agora não parece tão espantoso meu pavor do dia de hoje, quando vi aquela loira com o tailleurzinho preto de executiva-de-média-empresa se aproximando, não?

quinta-feira, outubro 20, 2005

Fatigatis sed non saciatis

Os dedos já estão ficando doloridos, os olhos irritados e lacrimejantes; nem falo sobre as condições das costas. Imerso completamente nos mistérios da maçonaria pra ganhar um troco e ajudar minha linda orientadora, começo a indagar se não estou acelerando o meu processo de evolução. Ou melhor, involução: rumo a uma forma medonha de cabelos desgrenhados e barba pinicante, eternamente envolto nas vestes de dormir - regado pela radiação maligna da tela do computador.
Antigos Espíritos do Mal, transformem esta forma decadente em... algo pior!
Tudo bem, impossível ficar o dia todo trabalhando no computador. Durmo um pouco, vou 2, 3 vezes no banheiro, faço muito café, assisto um pouco de tv e faço uns sanduíches também. O resto do tempo, computador. Claro, mesmo quando estou no computador não trabalho sempre. Tem paciência spider, que hoje passou de mil vitórias contabilizadas (?!) Tem joguinho de computador que brinco por meia hora de vez em quando. E tem os blogs. De amigos e de amigos de amigos. Estabeleci uma rede de blogs que venho lendo há um tempo já. E entro umas 2, 3 vezes por dia pra ver se algo mudou!! Um novo post, um novo comment. É o cúmulo...
Ainda bem que estou me divertindo pacas, a exemplo do que falou Manuel Antônio de Almeida! Mas não seria eu se não reclamasse também. Queria saber o que o Antônio de Almeida diria quando a fadiga, inevitavelmente, triunfasse...

quarta-feira, outubro 19, 2005

Álbum das palmeirinhas


Colocando a fotinho do Malinowski, achei umas outras imagens geniais de várias das palmeirinhas da disciplina. Poderia pôr umas aqui de vez em quando. É um projeto que já foi muito adiado por mim e pela Dani. Bom, essa é de um dos mais fotogênicos e performáticos dos antropólogos, "Papa Franz". Aqui em costumes esquimó. Fala a verdade, quem disse que fazer ciência (ou pelo menos estudá-la) não pode ser divertido?

terça-feira, outubro 18, 2005

Antropólogo em crise



Crise de pesquisa. Penso em mudar tudo, deixar a solidão dos livros e da companhia daninha do computador e partir para um campo "real". O Omar tinha me dito semana passada, de brincadeira, é claro, que enquanto alguns antroólogos pegam malária no campo, outros estudam Tintim. Tá, eu sei que não é o campo que define um antropólogo e qualquer tema pode ser antropologicamente relevante. Mas eu começo a sentir um incômodo e uma espécie de insatisfação e uma ansiedade que urge por pessoas, trocas de subjetividades, longe do arquivo - pelo menos por um tempo.

(Malinowski com trobriandeses)

domingo, outubro 16, 2005

Borratxo en Barça

Continuação da nova série Flushbacks from hell.

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Resolvi contar agora uma história que se passou em Barcelona, no final da década de 90. Não lembro exatamente em que ano, mas foi no mês de julho, verão na Europa.
Eu fui meio deprimido pra essa viagem, porque tinha acabado de terminar com minha namorada maluca da época e ela estava me odiando. Eu sou muito bundão, fico realmente mal quando alguém fica com raiva de mim, e, apesar de ter sido eu a querer terminar e, portanto, ter que lidar com as devidas consequências, não esperava ficar tão chateado.
Bom, novamente fiquei na casa da Paula, que nessa época dividia um apartamento com 3 portugueses na calle Casanova, na Eixample, bem no coração de Barcelona e na frente de um hospital, que voltará a aparecer depois nesta história.
Durante as primeiras semanas eu tive certo sucesso em espairecer e me divertir. BCN no verão é demais, tem muita coisa pra fazer e ocupar a cabeça. Bom, antes de continuar o relato, é importante fornecer uma informação. A Paula, nesta época, ainda pensava em voltar para o Brasil, e tinha um namorado de não sei quantos anos, esperando por ela aqui. Mas o dito cujo morria de ciúmes de mim. Por este motivo, ele não poderia saber nem em sonho que eu estava na casa dela. A Paula nunca deixava que eu atendesse o telefone, para o caso de ser ele ligando, coisa que fazia constantemente. Passei o mês incólume, mas 5 dias antes de voltar ao Brasil e 2 antes da Paula se mudar (iria ajudar na mudança), não é que eu atendo o telefone e é o cara? (é o que dá baixar a guarda. O destino te lembra da crueldade do plano divino com um tapão doído na orelha). Pronto, fez-se a celeuma. A Paula ficou muito tempo tentando contemporizar (o cara era meio melodramático mesmo, não Pá?), e eu, contagiado pelo clima dramalhão, fiquei de bode e resolvi ser dramático também. Desci, fui para a rua e liguei para minha ex no Brasil. Ah, os mistérios do espírito humano...
Claro que foi uma péssima idéia. O que eu esperava? Impressioná-la, fazendo-a acreditar que ela ainda era importante para mim para eu ligar do nada do outro lado do oceano? Mas se fosse o caso, porque meu Deus, porque? E porque de forma tão ridícula e humilhante? Que eu soubesse, eu tinha terminado porque não queria mais nada com ela (depois conto outra história relacionada, em outro momento da série). Acho que foi minha maldita necessidade de agradar a todos e fazer todos gostarem de mim. Não suportava a idéia de que alguém me amaldiçoava em segredo (depois isso passou, como contarei nesta outra história).
Você vê que catzo de novela eu criei, não? Os mexicanos que me perdoem, mas era uma novela mexicana ainda por cima. O primeiro estágio pós-tragédia foi a choradeira. Eu no orelhão (bom, na Espanha não é exatamene orelhão) e a Paula no apartamento. Depois foi o abatimento (quando ambos fomos comer até explodir). E por fim a fase do foda-se. A Paula e os portugueses já tinham pensado em fazer uma festa "aberta ao público" para se despedir do apartamento, então nos concentramos no divertimento que teríamos. Ah, não contei, mas o apartamento era enorme! Tinha uma sala gigantesca, com um balcão maravilhoso!
Ficamos o dia seguinte inteiro preparando a festa. Uma parede decoramos com umas capas de revistas Time que o dono do apê tinha deixado lá. Em outra parede, colamos copinhos de pástico com pirulitos (vai visualizando). E em outra, as multas de trânsito do David, um dos portugueses - o mais estranho. Ele tinha um corsa proveniente da terrinha, mas por algum motivo as multas que recebia em BCN não chegavam pra ele. Então ele sempre estacionava em local proibido. Pelo menos umas 2, 3 multas por semana. Ele tinha guardado com certeza mais de 100, e quase conseguimos cobrir uma das paredes com elas. Caso tudo pareça meio inverossímel e fantástico, tenho fotos que comprovam o absurdo.
Bom, apareceram as figuras mais bizarras das ruas barcelonesas, como você poderia esperar de uma festa aberta. O apartamento ficou irreconhecível, mas foi muito divertido. Eu já tinha enchido a cara na festa, mas depois que esta acabou e eu fiquei sozinho (nem sei onde foram parar todos), encontrei uma garrafa de vodka praticamente intacta. Depois de uns goles do troço, achei uma garrafa de suco de laranja e fiz uns hi-fi improvisados. Bom, sabe aquele estado de espírito meio suicida, que no fundo é uma mistura de auto-comiseração e uma tentativa de fazer alguém te dar cafuné? Pois é. Depois da palhaçada dos telefonemas, estava exatamente assim. Bebi a garrafa inteira. Quer dizer, acho, porque em um certo momento só tenho flashbacks (esses realmente são flush). Lembro da Paula tentando me carregar, o David ligando pro hospital e mais nada.
Acordei com soro no braço, um médico com uma daquelas caneta-lanterninha dilatando minhas pupilas, e me perguntando (en català, claro) o que eu tinha tomado, se eu tinha tentado me matar, onde eu morava, etc. Eu estava descalço, sem camisa e com uma bermuda parcialmente vomitada. E nem sinal da Paula, que tinha ido trabalhar.
Me deram alta (mais me expulsaram na verdade) e me jogaram na rua com duas toucas de banho para eu pôr nos pés (ainda visualizando?!). Eu estava no hospital da frente da casa da Paula, mas estava tão desorientado que nem percebi isso. Sentei num banco da praça, na entrada do hospital, e fiquei. Não sei quanto tempo, no sol fritante da Catalunha. Até aparecer a Paula, eu me atirar nela e irmos cambaleando até o apartamento logo do outro lado da rua.
Fiquei todos os dias restantes da viagem enjoado. Por anos era só eu lembrar do gosto de vodka que logo me arrepiava e o meu estômago embrulhava.
Terrível? Sim. Mas foi também por causa desse coma alcólico que eu ganhei minhas primeiras flores. A Cláudia, a única portuguesa do trio que morava com a Paula, gostava de mim e ficou com pena do zumbi com imensas olheiras que voltou para casa naquele dia. Me deu um ramo de umas flores que desconheço o nome, mas foram as mais lindas que já vi. Deu também um beijo maravilhoso que, se não curou a ressaca, me ajudou a não amaldiçoar completamente o dia em que a causei. Ela foi muito legal comigo realmente. Ela era muito simpática e também linda - era modelo em BCN. Esqueci da maluca e voltei contente, borratxo, pro Brasil.

sábado, outubro 15, 2005

Phantom who?

Bom, não consegui começar a estudar, então voltei para bloggear.
Depois de pensar em contar a história do Fantasma da Ópera, resolvi criar uma nova série: Flushbacks. Finalmente para fazer juz ao nome do blog. Hoje mesmo estava falando para o Emiliano, que me contou uma história engraçadíssima (com um final não tão feliz), que é muito bom você rir de você mesmo, porque isso impede que os outros façam isso por você. Então fiquei com vontade de relatar uns fragmentos de histórias. Flashbacks, mas constrangedores e engraçados. Talvez às vezes até meio assustadores, que retornam para me assombrar de vez em quando. Não dizem que o melhor remédio é enfrentá-los? Pois então. Flush.

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Quando completei 15 anos, meu presente de debutante foi fazer um intercâmbio na Inglaterra. Mais especificamente em Oxford, nos idos anos de 1991. A viagem tem histórias engraçadíssimas e até bizarras, que depois poderei relatar aqui. Para se ter uma idéia, lembro que um dia antes da volta para o Brasil consegui gastar meu último dólar num bar perdido em algum lugar da Suíça - o último prego do meu caixão etílico. No avião de volta, no dia seguinte, tentava me controlar para não vomitar, devido à maratona alcólica e a um maldito charuto que me deram pra fumar (naquela santa época você podia fumar no avião. Não sei se podia fumar charuto, mas enfim, foi o que eu fiz). Então fui um dos únicos que não ficou babando em volta da Ana Paula Arósio, que voltava no mesmo vôo, depois de alguma turnê de modelo, sei lá.
Bom, mas voltando para a terra da guinness, sempre tinha várias excursões e coisas para fazer por lá. Em Oxford, nas cidades próximas e também no continente. Mas tudo tinha que pagar, lógico. Em libras, lógico.
Fiz um tour neo-new age (muito novo, como você pode ver) em Stonehenge que foi muito divertido. Perdi uma grana num cassino num navio e também fiz outras coisas divertidas. Mas economizei bastante com algumas coisas que, aos 15 anos, não via como muito interessantes. Teve um final de semana que os outros brasileiros que estavam por lá, escolheram entre ir assistir uma corrida de fórmula 1 em Silverstone ou ver o Fantasma da Ópera em Londres. Optei por ficar em Oxford, junto com outro bêbado sovina como eu, procurando algum pub que fosse podre o suficiente pra deixar dois moleques, claramente com menos de 21 anos (eles tendem a levar esse lance da idade a sério lá), beberem.
Bom, em algum momento nos anos que se seguiram, passei a gostar de musicais. Não me pergunte porque. Não tenho idéia. Dançando na Chuva me encantou. Adorei também Jesus Cristo Super Star, Hair, e por aí vai. Depois de assistir a uma versão em preto e branco do Fantasma da Ópera (mas não lembro nem do diretor nem dos atores) me arrependi de não ter gasto uma graninha para assistir a peça quando pude.
Enfim, anos depois, de volta ao velho continente, não lembro exatamente em que momento no final dos anos 90, estava em Barcelona visitando a Paula. Dessa viagem tenho pelo menos mais uma história para a série Flushbacks, mas por enquanto vou terminar de contar esta. Estava em Barcelona e resolvi ir para a Inglaterra assistir ao Fantasma da Ópera. Assim, sem mais nem menos. Frívolo? Pode ser. Eu acho que a causa foi de novo o velho amigo álcool. Bom, sempre fui um pouco impulsivo também. E pensei "já que estou por aqui, tenho mais é que chutar o balde", "quem está na chuva..." enfim, não quero ficar justificando muito também.
O fato é que eu comprei uma passagem para Londres para ver a bendita peça. Claro, fácil né? Desembarcando em Heatrow, a simpática policial da alfândega me pede o passaporte e me pergunta o motivo da viagem. Juro, foi somente nessa hora que eu percebi o absurdo da situação. Disse "vim assistir ao Fantasma da Ópera". Nem consegui mentir.
Ela me olhou como uma cara de quem entendeu, mas achou que não. Repeti. Ela sorriu e me perguntou se eu tinha um endereço de onde ia ficar. No, sorry. Tem o ingresso da peça? Nope. Aí ela me perguntou se eu sabia que a maioria das peças do West End têm os ingressos vendidos com meses de antecedência e que minha viagem com toda a certeza seria inútil.
Bom, presumindo que ela acreditou na minha história. Deve ter me achado imbecil demais pra mentir. Mas tudo bem, porque se ela achasse que eu era um maldito imigrante, teria me mandado de volta pro avião. Talvez fosse pena. Esse aí não é perigoso pra ninguém. Talvez para ele mesmo. Tudo bem, isso foi antes do 11 de setembro e antes das bombas no tube londrino. Hoje isso não seria assim.
Enfim, de novo na capital inglesa, escolhi um táxi que era uma mercedes datada de pelo menos a década de 60 (finalmente numa mercedes!) e pedi para o motorista me levar para algum hotel bacana e barato. Qualquer um. Você percebe a ingenuidade da criatura, não?
Dei sorte. Ele me deixou em um hotelzinho bacana, perto da estação de Knightsbridge, ao sul do Hyde Park. Lá a gerente, logo quando viu que eu era um brasileiro, se declarou como portuguesa de Coimbra e começou a soltar o verbo. Saudades de exercitar o idioma, creio. Ou era simplesmente bastante extrovertida. Vai saber. Bom, já tinha tido experiências com portugeses antes. Não fiquei exatamente feliz por praticar com ela nosso parentesco linguístico lusófono. Às vezes é melhor conversar em inglês do que em português com um patrício. Acredite em mim.
De qualquer maneira, ficamos conversando sobre nossas vidas e acabei relatando minha saga teatral que me levou até ali. Minha sorte é que a garota também trabalhava com ingressos de peças de teatro. Cambista. Mas uma cambista razoável, não tão mercenária.
Ingresso pro Fantasma da Ópera? Pra essa semana? Só desembolsando uma grana preta.
Raios. "Que mais tem?" "Bom, tem Oliver, Miss Saigon, Cats..." Minha santa ignorância me impediu de reconhecer a maioria das peças e musicais. Conhecia o Fantasma porque... enfim, tudo mundo já ouviu falar do Fantasma da Ópera.
"Ops, Cats!" Eu curto gatos! Vai um desse mesmo.
Foi o máximo. Apresentação no West End é demais! Bebi ginger ale, não entendi nem metade do que aconteceu, mas achei tudo muito bonito. No final comprei uma camiseta com dois olhinhos de gato atrás e esqueci do Fantasma.

sexta-feira, outubro 14, 2005

Ossos do ofício

Taí, problema de pesquisa: seu "projeto" não quer ser pesquisado.
Estava esperando para começar a defesa da Cris, ontem (queria ser como vc quando crescer, Cris!! Muito chique sua defesa, mesmo que talvez vc não acredite muito nisso), e a primeira coisa que meu "intermediador", que estava na banca dela, disse foi: "estive com sua ex-futura objeto de pesquisa".
Um balde de água fria seria até bom nesse calor, mas na hora eu não gostei não. Perguntei o porquê. Ele me disse que ela achava que não era relevante. Sei. Não sei realmente porque ela não quer, mas não consigo acreditar que ela ache isso... Eu falei "mas ela é relevante pra mim"! Um sorriso meio desconcertado e uma cara "pois é, mas o que eu posso fazer?"
Bom, a maioria dos conselhos que recebi são: vai lá assim mesmo.
Tudo bem, acho mesmo que vou fazer isso. E também acho que posso fazer o trabalho mesmo sem falar com ela, se realmente não der certo. Mas ao mesmo tempo deu uma desanimada... bom, na pior das hipóteses eu exprimento hagis, kidney pie e vejo se finalmente consigo assistir ao Fantasma da Ópera. Aliás, depois podia contar essa história aqui. É divertida.

quinta-feira, outubro 13, 2005

A magia da carona

Fernando conheceu Michael na terceira série do ginásio. Michael era filho de americanos que vieram ao Brasil durante a ditadura. Seu pai trabalhava em uma multinacional automobilística e ocupava um alto cargo na filial tupiniquim. Sua mãe não trabalhava. Mesmo antes do pai morrer de um ataque fulminante do coração e deixar a família em condições precárias, Michael já tinha problemas de sociabilidade. Só não era um nerd porque era maior do que todos seus colegas e tinha um temperamento quase maníaco. Brigava quase toda a semana, pelos motivos mais risíveis. Apenas evitou de ser expulso porque seu pai, enquanto estava vivo, doou rios de dinheiro para a escola. Seu único amigo era Fernando.
Por ser amigo de Michael, Fernando evitava possíveis surras. Entretanto, a relação entre ambos não era equilibrada. Fernando tinha outros amigos, algumas amigas também, ainda que morresse de vergonha de conversar com a maioria das meninas. Andava bastante com Michael, e nestes momentos gozava de um poder embriagante. Gostava de olhar as expressões de medo endereçadas para ambos, mesmo que não compatilhasse o espírito espartano de seu amigo e se metesse em confusões. Mas tinha a opção de levar uma vida mais tranquila também. Às vezes passava dias evitando Michael, que, sem ter com quem conversar sobre alguma coisa amena, como os resultados dos jogos de futebol, ou um novo desenho animado, mergulhava em um humor quase assassino, recheado de inveja azeda quando via Fernando com outras pessoas. Piorava o fato de Michael ter uma consciência bastante clara sobre as razões cruéis para o comportamento de Fernando. No entanto, não conseguia deixar de ansiar para que voltassem a se falar quando aconteciam estes períodos de abandono. Era Fernando que não conhecia de fato seu amigo gringo. Para os demais, era um demente estranho. Para ele, Mike no fundo era quase isso mesmo. Apenas vangloriava-se de saber de algumas coisas mais íntimas do menino, como a paixão de Mike por Clara, uma menina um ano mais velha.
Por um ano depois da morte do pai, a mãe de Mike conseguiu manter o filho na cara escola. Mas depois teve de mandá-lo para um colégio público. Ele e Fernando ficaram 7 anos sem se ver.
Quando se encontraram, por acaso, no cursinho preparatório para o vestibular, cumprimentaram-se timidamente, mas no decorrer das semanas seguintes, voltaram a andar juntos. Michael ainda tinha fama de maluco, e as pessoas ainda sentiam medo quando o viam.
Fernando não sabia porque, mas no pouco tempo que passou junto com seu antigo colega, percebeu o quanto passou a conhecer sua personalidade fascinante, e o quanto dela desconhecia no período da infância. Viu que Mike não era apenas uma bomba relógio, pronto para assassinar um colega no intervalo, quando o infeliz gozasse de seu andar de pato ou de seus óculos vermelhos de aros grossos. Na verdade, achava exatamente isso, mas agora também outras coisas. O glamour da demência de seu amigo ganhava matizes complexas, de alguém sensível. Mais sensível do que ele, concluiu. Mais do que isso, percebeu também que não gostava de fato de Mike. E nunca tinha gostado.
Quando se deu conta disto, ficou horrorizado. Consigo mesmo. Percebeu que pulava de uma pedra para outra como um sapo que fugia de um perigo maior que nunca vinha de fato, sem ligar verdadeiramente se a pedra afundasse depois que saísse de cima dela. Não conseguia assumir uma posição sua. Tinha amizades que não passavam de rotas de escape para o caso de aparecer um obstáculo em seu caminho. Era bom ter boas relações com o maníaco local. Pensou que não passava de uma rêmora, um peixe-piolho. Aquele que nada na barriga dos grandes tubarões. Intocável. Mas sempre pegando sobras.
Mudou-se de cursinho no dia seguinte. Depois de arranjar desculpas para não atender os telefonemas de Mike, este sumiu novamente de sua vida. Imaginava que da próxima vez que o visse seria nas páginas de um jornal. Isso fez com que visse definitivamente que não era diferente de nenhum outro fofoqueiro que acreditava na inevitabilidade de um assassinato em massa proporcionado pelo garoto. Entretanto, nunca mais viu ou ouviu falar de Mike.

quarta-feira, outubro 12, 2005

A Sicília é aqui

A Paula que foi para a terra dos gângsters, mas o que acontece aqui é um verdadeiro pulp fiction de máfia da mais típica e assustadora qualidade. Não fica devendo pra nenhuma Cosa Nostra por aí. Já tinha ouvido falar, por fontes seguras, da coerção que outro famoso legista sofreu. Ele ficou desgraçado e desmoralizado depois da investigação de outro famoso crime ocorrido na última grande crise que aconteceu neste velho oeste que chamamos de Brasil (nesse sentido demorou pra ter uma novela chamada Bang Bang), a anterior desta palhaçada atual. Agora outro foi morto depois que disse que o prefeito foi torturado antes de ser assassinado.
Teve também outro moço que foi morto esses dias por sua opção sexual. A outra foi dopada, estuprada e teve o vídeo do crime, feito pelos dementes, baixado na internet. Aqui mesmo nesta gloriosa cidade. Toda hora. Não no Afeganistão ou nos EUA. E existem, infelizmente, as aves de rapina, os peixes-piolho, que dizem que a culpa foi deles. Eles que provocaram. Quem mandou ser gay, quem mandou ser gostosa e extrovertida (a famosa "fácil")? A falácia de um país que se pretende democrático, em que você pode ser quem quiser, se revela como uma bofetada quente na cara nessas horas.
Político que renuncia porque sabe que vai ter neguinho que vai votar nele de novo nas próximas eleições, imbecil que acha que está sendo original e contra-corrente ao defender o tadinho do Maluf (procure comunidades disso no orkut, você vai achar). É, assim é a democracia. Ou assim é o mundo. Não sei, acho que a quantidade das pessoas que perderam feio o rumo na vida está aumentando exponencialmente.

Apenas para não ser muito down (eu que não quero ficar deprimido): mais uma amiga vai ser mãe!!! Parabéns Lu! E para a Cris: Ráááááááááááááá!

terça-feira, outubro 11, 2005

Crônica existencial?

Ivich corria ofegante. Tropeçava em galhos velhos espalhados no chão, em pedras, em pequenos montinhos de terra, sempre olhando por sobre o ombro esquerdo. Seu pescoço inexplicavelmente doía quando tentava virar a cabeça para o outro lado.

Sentia que algo estava cada vez mais perto. Mas o pouco que lhe restava de raciocínio fazia com que percebesse que se esse algo ou esse alguém quisesse realmente alcançá-la, certamente o faria. Apenas a provocava, caçoava sadicamente de sua inútil tentativa de fugir. Como se fosse um jogo cujo resultado não poderia ser outro que não o já estabelecido por seu perseguidor - o que, evidentemente, não impediria qualquer um na sua posição de tentar evitar.

Ou talvez não fosse assim. Talvez já estivesse alucinada e pensasse que raciocinava, mas na verdade era apenas um recurso desesperado de buscar esperança. Ele podia de fato não estar brincando com "sua comida", mas avançando inexoravelmente, devorando lentamente a distância que os separava para apanhá-la e então fazer não se sabe que horrores.

Este último pensamento fez com que se desse conta que de fato raciocinava. Mesmo com a possibilidade de estar equivocada.

"Pelo menos isso", disse para si mesma baixinho. O que não melhorava muito as coisas. Talvez fosse até melhor estar completamente anestesiada pelo pavor, reavaliou um instante depois.

Este mesmo fiapo de raciocínio, o que não era usado para mexer as pernas, desviar das árvores no caminho e tentar resistir à tentação de se encolher e chorar, teimava em evocar as memórias mais disparatadas. Ficou horrorizada quando se viu pensando em sorvete de macadamia da Häagen-Dazs e de uma viagem que fez a Barcelona há alguns anos. Estupidamente bizarro, nas atuais circunstâncias. Dentre as imagens estapafúrdias que desfilaram em sua mente naquele momento, lembrou de quando tudo começou. Ou pelo menos de quando percebeu que algo de ruim havia começado.

No que acreditava ter acontecido dois dias atrás, recebeu uma carta no seu apartamento. No remetente, estava escrito apenas "Boris". Seu próprio nome aparecia como a única informação no verso. Dentro do envelope havia apenas uma folha amarela com uma marca d'água de um sobrenome que não conhecia. Eslavo, pensou.

Antes mesmo de ler a mensagem, já havia evocado o romance de Sartre na sua cabeça. Afinal, nunca conheceu outra Ivich antes, nem mesmo um Boris. A reunião de ambos os nomes no misterioso envelope era por demais significativo para que deixasse de evocar o livro, que evidentemente conhecia bem. Afinal, era quase uma obrigação conhecê-lo.

Seus pais moraram na França durante a década de 1960 e Jean-Paul Sartre era um verdadeiro herói para ambos. Seu nome, Ivich, era uma referência à um dos mais conhecidos romances do francês, o primeiro da trilogia dos caminhos da liberdade.

Não poderia ser apenas coincidência receber uma carta de um Boris, desconhecido, também nome de outro protagonista do livro. Parou por um instante antes de começar a ler e se pôs a divagar sobre o estranho fato. Sentia-se ela mesma num romance, mas um do Umberto Eco. Será que o remetente se chamava mesmo Boris? Acaso seria alguma brincadeira? Duvidava que se tratasse de algo fortuito. As pessoas não associavam seu nome com um personagem literário. Apenas o achavam diferente. Nunca encontrou alguém que, ao saber como se chamava, perguntasse "como a do livro?"

As únicas linhas no papel eram apenas uma citação do romance: "o perfume de Ivich ainda flutuava. Respirou-o e reviu aquele dia tumultuoso. Pensou: 'Muito barulho à toa, por nada'. Por nada. Essa vida era-lhe dada à toa, ele não era nada e no entanto não mudaria mais. Estava formado".


Abaixo uns rabiscos incompreensíveis e outro nome: Daniel. Por algum motivo sua nuca arrepiou completamente ao terminar de ler a carta. Amassou-a e jogou no lixo da cozinha.

O dia seguinte passou lento. Não fez nada que fugisse de sua rotina programada de trabalho, mas uma sensação de incômodo a acompanhou por quase todo o tempo.

Depois dessa noite, quando cumpriu seu ritual de checar e-mails, tomar uma ducha rápida, despir-se e deitar, não se lembrou mais de nada. Acordou numa clareira, não mais nua como foi dormir. Vestia roupas que não conhecia. Logo sentiu que alguém ou alguma coisa a espreitava. Um senso de perigo iminente aflorou na mesma hora, na forma de uma descarga de adrenalina e um suor acre, frio e abundante. Sentiu-se como melecada com algo viscoso, ainda que estivesse limpa. A consciência de seu próprio cheiro seria curiosíssima se não fosse também apavorante. Foi quando começou a correr.

Mal terminou de relembrar das coisas que antecederam sua corrida sem direção, encontrou uma casa. Perdida e solitária entre árvores enormes, escuras e ameaçadoras. Na soleira da porta, um tapete personalizado: "Mathieu".

Decidiu que não queria ter razão. Não entrou na casa. Há muito que aprendeu a desconfiar do existencialismo.


domingo, outubro 09, 2005

Boas novas

Ingresso comprado, passagem reservada, esse final/começo de ano promete!!! Pregos de 9 polegadas (como vi uma vez numa tradução de um livro gringo! Conhece essa banda? Não sei o que é pior: tradutor que parece que põe tudo em um programa de tradução, ou revisor que não manja nada da cultura de onde saiu o livro), Iggy Pop, Sonic Youth!! Ardeu e estou sem olhos, mas vale a pena! E vamos Dani e eu pro velho continente depois! Visitar pessoas queridas que há muito não vemos.
Agora tenho que deixar tudo nos trinques, certinho e arrumado. Gosto de viajar sem nenhuma preocupação. Ou seja, acho que terei que sumir por um tempo. Quer dizer, sumir de lá de fora = ficar mais tempo no computador. Então devo aparecer mais por aqui na forma de ermitão. Sorte (ou azar, vai saber) de você...

quinta-feira, outubro 06, 2005

Cruz, espada e nada in between

Bom, greve de fome bem sucedida, que pôde trazer de volta uma discussão que desde quando eu estava no colégio lembro de existir, mas que parecia meio morta fora da região nordeste: a transposição do Velho Chico.
Quando surgem essas questões polêmicas, fico em parafuso, porque tenho receio de tomar posição partidária e procuro "ir pela lógica" ou pelo razoável. Aí me ferro, porque fazendo uma limpeza dos argumentos imbecis que existem de ambos os lados, fico com uma série de questões que em princípio são legítimas. Às vezes parece que tudo se resume em pesar tudo na balança. Claro, para mim é mais fácil ver as coisas assim. Não passo sede e, apesar de pagar uma nota todo mês, não me falta energia elétrica. Tudo bem, passar sede é pior que não ter luz. Mas há de fato garantia de que desviando o rio acabará a sede? Desviando, o suprimento de eletricidade pode ser conseguido por outros meios? A Escolha de Sofia ganha carne aqui em terras brazucas nos termos de "se correr o bicho pega, se ficar o bicho come", ou então a metáfora da panela e do fogo e por aí vai. E nem sei se as equações ter luz = ter sede; não ter sede = não ter luz, são reais.
O que me dá medo é que algumas dessas reinvidicações legítimas não encontram respaldo na possibilidade ou na intenção e no comprometimento sérios em realizá-las. Ou são tomadas sem nem sequer levar em consideração o que dizem seus adversários. Ah, eles eles ouvem sim, mas não escutam.
Isso fica claro na campanha do desarmamento. Ontem mesmo assisti o Jô Soares e lá falaram sobre isso (foi quarta, então era dia da mesa redonda com as 4 mulheres). Havia 3 a favor do desarmamento, 1 em dúvida e ele era contra. O que me intrigava era que eu tinha a impressão que o debate entre o sim e o não parecia operar em níveis diferentes de argumentação. Não sei se havia uma comunicação de fato entre eles. Sei de cor os argumentos a favor e os contra. Cada um elencava-os usque ad nauseam, bem como utilizava os contra-argumentos, também já canonizados e repetidos à exaustão, para se contrapor ao outro (o Jô Soares ainda tinha um forte trunfo: os macaquinhos de auditório que aplaudiam tudo o que ele falava, como se fosse muito corajoso em falar o que ninguém fala, mas pensa, e ser a princípio contra qualquer proibição - o que num país ainda cicatrizando as feridas de uma ditadura que estava aí até ontem, ganha um peso enorme; é chique até. O que para mim é equivalente ao mecanismo de dar um murro na mesa. Você vence o outro por não deixá-lo falar, ou deixá-lo constrangido ou coagido). De maneira geral, correndo o risco de simplificar algo que não é de maneira nenhuma simples, o argumento a favor do desarmamento parece basear-se em questões de princípio pacifistas ou em estatísticas do tipo "morre muito mais gente e há muito mais acidentes com a posse de arma por pessoas não capacitadas e você não pode competir com o bandido treinado"; o argumento contra parece vir no sentido do princípio do direito individual, respaldado pelo argumento de que a proibição não coibe o comércio ilegal de quem quer ter uma arma de qualquer jeito (e a perigosa analogia com a revolução russa e o nazismo, que desarmaram a população antes de criar gulags ou auschwitz por lá, com o governo Lula - como se fosse um partido aspirante ao totalitarismo que quer o poder por 1000 anos. Ainda que todo partido queira a reeleição, não vejo qualquer cabimento nessa comparação. Mesmo porque não acho que o PT tenha qualquer força para tanto).
Por um lado o seu direito de ter uma arma e exercer sua condição de indivíduo soberano e responsável. Por outro a "realidade" do "não é bem assim, seu direito alimenta o arsenal do bandido e você pode matar sem querer seu filho que chegou em casa bêbado de madrugada". Ambos lados têm dois argumentos: o teórico e o prático. Porque se é a favor ou contra de acordo com algum princípio e como justificá-los com exemplos concretos. Repertório para tal não falta. Só que tais argumentos são contrapostos em uma salada maluca. Além disso, o que se espera ao votar sim ao desarmamento? Que seja menos pior que haja proibição do comercio legal do que o contrário, ou porque idealmente se espera uma sociedade desarmada, ou porque quer dormir de consciência tranquila com o discurso do "fiz minha parte"? Vota por princípio ou porque se tem convicção de que as coisas melhorarão? Você vota porque a outra opção representa pouco em mudança real? Às vezes sou um tanto pessimista. Por vezes acho que não muda muita coisa na prática, mesmo querendo acreditar no contrário. Talvez na sua consciência mude, sei lá. Outra coisa é que também se constrói uma dicotomia tão irreconciliável, mas que curiosamente se expressa em níveis diferentes (me pergunto até se eles podem de fato ser contrapostos), que você não pode ficar no meio termo. No mínimo parece um diálogo de surdos (bom, diálogo é eufemismo).
No caso do São Francisco, porque a reivindicação de ter água para beber deve passar necessariamente por cima de talvez (porque nem isso é muito debatido) matar o rio? Não se pode discutir outras opções? Afinal, apenas para citar uma alternativa, se não tivesse tanta roubalheira na sudene com o lance das águas subterrâneas (ou na manipulação de outras fontes hidrográficas), talvez houvesse mais água pra galera. Se alguém diz que é contra a transposição já é reacionário ou então cruel. Se alguém é a favor, é iludido ou um latifundiário wanna be. O que não pode é ter que haver um bispo passando fome para somente então parar e discutir algo que se não for feito com cuidado pode criar mais um gigantesco elefante branco - sedento e no escuro.

domingo, outubro 02, 2005

A vida imita a arte, vice versa e outras

Assisti hoje o Madame Lee, o programa da Rita Lee com o Roberto de Carvalho. O que a fama não é capaz de fazer, não? Duvido que dessem um talk show pra outra pessoa que não ela nas mesmas CNTP. Estava completamente estriquinada! Andando de um lado pro outro, mexendo e fungando o nariz toda hora, falando coisas non sense... o marido só olhando e tentando disfarçar, como se não houvesse nada de mais, de vez em quando soltando um "Madame Lee está agitadinha hoje, não?". A Fernanda Torres (a convidada) só ficou dando risada, meio sem jeito. Tudo bem, não é só a Rita Lee que apresenta programa assim na tv. Lembro dos Contos de Thunder que o cara não dizia nada com nada. Engraçadíssimo! "No drugs, no money"! Só que hoje estava muito na cara! Até achei que era onda dela, tirando sarro disso. Mas não era.
E o Roberto de Carvalho parecia um cara que morou na república com a Dani, o Israel. Idêntico até mesmo na aparência! Meio patolinha, baby look outfit, falando devagar e calmo, papos esotéricos...
Mas o engraçado mesmo era a Rita Lee. E ela também parecia com alguém. Estava igualzinha ao Ozzy naquele programa dele com a família!

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Deixo também uma dica de um blog interessante. Sobre vários assuntos. Há um artigo sobre precauções contra possíveis processos judiciais na net que é legal. Em um primeiro momento fiquei meio receoso com o assunto. Se há discussão sobre isso, logicamente é porque há precedentes para tanto. Isso parece óbvio, mas quando se trata da net, as pessoas facilmente esquecem dessas coisas e às vezes parece que vale tudo por aqui: terra de ninguém.
Entretanto, depois pensei melhor e vi que não adianta fingir que isso não te diz respeito e acontece só com os outros ou é lenda (pouco provável que aconteça algo, ainda mais se o site é gringo; em todo caso...). Além disso, nada mais razoável do que você ser tão responsável por seus atos e opiniões no mundo virtual quanto em qualquer outro veículo de comunicação. O que não é exatamente ser a favor de censura. Há que se ter em mente que há uma legislação a respeito de casos de injúria, calúnia, difamação e direitos autorais que vale também pra net. De qualquer maneira, vale uma olhada.

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Ah, finalmente descobri como acabar com spam de comentário! Na verdade é muito simples. É só modificar uma opção. Agora quero descobrir como apagar os spams já existentes...

Clarim Diário

Algo muito estranho aconteceu.
Tenho essas neuras de fazer backup de tudo de vez em quando (neuras saudáveis, como já tive oportunidade de perceber diversas vezes). Só que eu faço backup (antes naqueles disquetes quadradinhos que agora só juntam poeira e agora em cd e daqui a pouco em dvd) e nunca mais vejo o que salvei. Bom, umas 2 ou 3 vezes eu precisei procurar uns textos meio antigos pra pegar umas citações ou alguma bibliografia. Mas via de regra tudo vai se acumulando em um cantinho de reminiscências praticamente apenas ornamentais.
Na verdade eu sempre fiz esse tipo de coisa. Mesmo antes de ter computador em casa. Guardava trocentos papeizinhos com anotações as mais variadas, minhas e dos outros, sem ter coragem de jogar nada fora. A grande maioria desse material ainda está guardado. "Quem sabe um dia posso reaproveitar alguma coisa?" Era o que pensava.
Bom, mas estava olhando uns disquetes do período musteriano e achei uns textos escritos há muito tempo atrás. Acho que ainda da época em que derivadas e integrais ainda não tinham me vencido completamente e teimava em pensar que seria um economista rico. Achei uma idéia para um livro (?!) e também uns ensaios. "Porcaria", foi o primeiro pensamento. Afinal, normalmente eu mal termino de escrever um trabalho e já acho tudo um lixo! Minha dissertação está lá fechadinha. Não tenho nem coragem de ver as barbaridades que tenho certeza que escrevi. Acho que é um dos motivos porque meu currículo não deveria ter o "rrículo" nele. Acho que um artigo nunca está bom o suficiente e não o mando pra lugar nenhum. Nesse sentido, algo decenário deveria ser pior ainda...
Até me arrepiei quando vi os títulos de alguns dos ensaios (não feitos para a faculdade): "Deus e a racionalização do divino", "A ironia do destino e a problemática do fundamentalismo ético", um sobre pensamento científico e RPG. E por aí vai. Naquela época eu gostava de títulos imponentes. Hoje prefiro os bem humorados ou de duplo sentido. Ou então algum metafórico. Por isso já fiquei com medo até de dar uma olhada nos tais ensaios.
Mas eu li. E não é que tem coisas legais? O interessante é que não me lembro deles!! Quer dizer, sei que os escrevi, mas parecem que nem são meus, são de outro/outros. Na medida que ia lendo, não lembrava do texto, mas reconhecia minha linha de pensamento. Claro que tem muita besteira. Mas tem também algumas coisas que eu escreveria novamente se já não o tivesse feito.
Quem sabe um dia não os posto aqui? Me sentiria como um editor que estivesse publicando textos de outra pessoa. Um outro eu que colhe os frutos de um eu mais antigo; nenhum dos dois sendo este eu. Tipo Spider/Parker.
O que me faz pensar: será que gostei dos textos porque são legais mesmo, porque são testemunho da existência de uma inteligência de um eu imobilizado em sépia, ou porque eu apenas consigo apreciar algo que escrevi com muito, mas muito distanciamento? Se for o caso, talvez outros fósseis ainda tenham salvação. Daqui a um tempo.