quinta-feira, abril 26, 2007

Lembrança de uma decada

Quando eu entrei em Sociais, nos idos de 1997, já tinha feito 2 anos de economia, mas abandonei o curso em grande parte devido ao meu pífio desempenho em cálculo, por 3 semestres consecutivos. Na verdade, descobri, nunca gostei muito de economia (a única matéria que tive que fazer na área depois, obrigatória, de noite, me deixou poucas lembranças, nenhuma relacionada à disciplina: lembro que descobri nessa época que suco de embu da cantina do IE é bom pacas, e lembro que ficava conversando com a Dani e minha querida Ju sobre causos e shows).
A parte de economia que gostava era história (meu primeiro projeto de iniciação foi sobre a origem do crédito ultramarino, o que combinava bem com minha obsessão na época: templários e cruzadas) e ciências sociais. Então, antes de levar o strike out, quando vi que tinha que sair fora ou ser jubilado, resolvi fazer sociais mesmo. Lógico, não?
Bem, na verdade era meu enésimo vestibular. Havia entrado, vejam só, em Sociais. Depois resolvi prestar economia, porque achava mais glamouroso. Amarguei 1 ano naquele purgatório dos desesperados que é o cursinho. Prestei (e, pasmem, passei) em administração pública na GV, o último ano do curso pela fuvest. Mas resolvi que não queria ir pra SP. Daí entrei em economia, eventualmente saí, e entrei em sociais. O resto é, como dizem, história (não a matéria... bem, vocês entenderam).
Mas o ponto é que não foi de se estranhar que eu não tivesse muito saco pra trote nessa altura dos acontecimentos. Mesmo no trote da economia, depois de uma tarde escaldante no semáfaro na frente do Coração de Jesus, coletando dinheiro pra veterano encher a cara, completamente pintado e apenas com um sapato, afinal resolvi pegar um busão e ir pra casa, manquitola, e só voltar depois de 1 semana de aula.
No trote de Sociais, já me sentia veterano. Resolvi deixar passar. Lembro que, no primeiro dia de aula, eu fui convicto pra sala, no ciclo básico, esperando ter aula! Vejam só o nível caxias de comportamento...
Claro que não houve aula (seria antropologia I, com a professora Emília, então ainda doutoranda e a quem fiquei atormentando sobre Castañeda, minha única referência de antropologia na época, por várias aulas depois). Mas fiz amizade com uma espanhola e também com um rapaz que acabou não fazendo parte do meu círculo de amizades, mas que sempre me cumprimentava e dava um abraço quando nos encontrávamos. Ambos se juntaram à minha ignorância naquela manhã, também achando que haveria aula. Não sei o que foi feito do cara. Deve ter ido para a Alemanha, como planejava fazer. A espanhola hoje é mãe e está morando em algum acampamento sem-terra Brasil afora. Mas nada como compartilhar essa primeira experiência na faculdade, imagino. Os laços, com os que estavam presentes, de alguma maneira viram eternos.
Olhando para trás, acho que deveria ter participado do trote. De fato, como defendem os veteranos, talvez por motivos menos nobres, o trote é imprescindível para a socialização do calouro. Um ritual que não é exatamente para humilhar e demarcar os lugares de cada um (como eu imaginava então), mas que serve para forjar laços que dificilmente seriam tão fortes em outros contextos, no mesmo mínimo período de tempo.
E depois foi difícil correr atrás. Era incrível como as pessoas que se conheciam apenas a alguns dias e ainda nem haviam decorado os nomes uns dos outros, já andavam pra cima e pra baixo como amigos de longa data! Aconteceu muito rápido realmente. Fiquei abismado, e mais convicto ainda na minha condição de outsider. E, como eu nunca fui muito dotado de quesitos sociáveis e morava a 10 minutos da faculdade, não tive essa experiência de coavelness (e identificação) que apenas bixos e prisioneiros em campos de concentração estabelecem entre si. Eu não bandeijava, ia pra casa comer. Eu não ia conhecendo a universidade com os colegas, descobrindo suas peculiaridades, porque eu cresci ali. Apenas ia pra aula.
Claro, acabei fazendo amizades. Mas no primeiro ano, pelo que me lembre, foi apenas com dois cabeludos e um outro cara.
Daí arrumei um esquisito e inter-estadual namoro, que começou a me fazer deixar a faculdade em segundo plano. Depois um rolo, igualmente esquisito, mas dessa vez inter-municipal. Por um tempo realmente deixei a faculdade e os colegas nela, de lado. Ainda mais porque agora começávamos a fazer nossas escolhas: por sociologia, antropologia, política ou geral, bacharelado ou licenciatura, separando ainda mais alguns caminhos (outros iriam convergir, claro, mas na época eu não sabia disso). Cheguei a pensar em sair, depois que fui com minha prima no trote de medicina dela: "Isso sim é trote. Quero um desse pra mim. Além do mais, medicina tem mais futuro", pensei. Mas acabei desistindo de mais um vestibular.
Lá pelo terceiro ano, canabis e doces e álcool e festas depois, fiz amizade com três maravilhosas garotas e acabamos fazendo muita coisa juntos. Era época que o Karambar era bom, que a Cooperativa Brasil era interessante (olhem só, eu até comecei a gostar de forró), em que existiam boas festas na moradia e em repúblicas da região, em que íamos ao Cidade e Lírios antes da invasão surfista, no Coven ou no Tribo, ao Pantanal antes da reforma, ao Astagu jogar sinuca por horas a fio, e quando eu levava uma bendita máquina fotográfica pra todo lugar que ia. "Vamos tirar uma foto?"
Dessa época lembro das promessas de amizade e felicidade eternas. As coisas não saíram bem como imaginava, mas ainda sim bem o suficiente. Cada um foi para um canto, algumas amizades enfraqueceram. Mas outras apenas aumentaram. Viraram amor, daquele que não precisa de presença diária, porque é certo.
Bem, logo depois eu conheceria uma estonteante estudante de antropologia, que andava sempre de coturno e roupas pretas, e a quem ficava admirando na aula de metodologia e que, numa festa na casa de uma amiga blogueira (em que estava completamente chapado), me catou. Eu, pobre pato, sempre fui atormentado com a dúvida "será que ela tá a fim mesmo, ou é viagem minha?". Ela seria a mulher com quem eu quero passar o resto da vida com.
Mas uma das minhas mais queridas lembranças da graduação é bem singela e não tem nada demais. Era trocar halls preto e bilhetinhos no fundo da classe com minha linda xará...

terça-feira, abril 24, 2007

Os destruidores de predios novos


Ah, Neubauten! O show foi maravilhoso! O lugar, o Koko, onde assisti The Damned semana passada, não poderia ser palco melhor! E os caras realmente são bons no que fazem! E são únicos também. Definitivamente. Muitos tentam ser experimentais, mas normalmente fica uma coisa maçante, cabeça. Neubauten empolga!
Os instrumentos, feitos por eles mesmos (fora guitarra, baixo e teclado usuais), são incríveis, e fazem sons que sintetizador nenhum faz! E é lindo de ver... latões, tubos de pvc microfonados, serras industriais, garfos, canos, placas de aço, molas, bolinhas de isopor, mangueiras de ar, e o que mais você possa pensar que produza barulho, transformado em música de algum pesadelo modernista. Poderia ser a trilha de algum filme do Fritz Lang, sacou? Mas ao mesmo tempo é muito atual. O tal do "visceral" que 11 entre 10 críticos de música usaram alguma vez para descrever o som de alguma banda, não poderia ser mais apropriado aqui.
Acho o público engraçado também. É como uma versão crossover entre gótico, metal e industrial. Tem um quê de sujeira, mas é uma sujeira cuidadosamente planejada antes de sair de casa, entende? Bom, pelo menos alguns são assim, de qualquer maneira.
Sempre gostei dos caras. Mas você tem razão Dani, ao vivo é outra coisa! Ah, o show foi gravado por eles! Algum dia deve sair um cd ao vivo por aí.
E o Blixa realmente é carismático. Mas é perfeccionista até a medula...

Curiosidades cinematograficas e o pensamento entre parentesis


Vou fazer uma pequena experiência neste post. Há algum tempo (muitos anos, na verdade) que percebo que sou meio hipertextual (e não que isso seja necessariamente bom). Tanto no que escrevo quanto no que falo. E especialmente quando o assunto é cinema. Eu vou abrindo parênteses e começo a falar sobre outras coisas, que vão suscitando outras coisas... Escrevi então um pequeno comentário sobre Conan, o personagem de inspiração celta criado por Robert E. Howard mais de 70 anos atrás. Daí vieram umas notinhas, com pensamentos que não necessariamente têm a ver com o texto. Poderia fazer isso indefinidamente, tipo uma wikipedia, mas peguei apenas alguns elementos, devidamente assinalados em maiúscula abaixo.

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Red Sonja, o que foi quase um terceiro filme da série Conan, nos anos 80, não teve a receptividade dos predecessores, ainda que contasse com alguns dos mesmos atores e tivesse o dedo de De Laurentis e música do genial Moricone.
"Quase" um terceiro filme porque Schwarzenegger, atual governador da Califórnia, não é Conan, mas Kalidor - ainda que essencialmente fosse Conan mesmo. Para o papel de Red Sonja, personagem com presença constante nas páginas da ESPADA SELVAGEM DE CONAN, e Conan o Bárbaro, foi contratada Brigitte Nielsen, a modelo dinamarquesa. Uma espécie de Jane Fonda durona vinda da terra dos vikings.
O filme tem um roteiro fraco, performances ruins e, mesmo no contexto dos inconstantes anos 80, produção pífia. Mas virou uma espécie de cult, como muita coisa trash da década perdida.
O primeiro filme, Conan o Bárbaro, esse sim foi um sucesso. Lançou de vez o agora (e provavelmente então também) mais famoso ator austríaco ao estrelato e ainda contou com a presença magistral de James Earl Jones. O roteiro, de John Millius e Oliver Stone (sim, o próprio), era simples, mas poderoso, pegando mesmo o espírito do Conan de Robert Howard: um bruto impiedoso que decepa membros alheios com a eficiência de um liquidificador humano, mas com um coração decente. O filme ainda contou com Gerry Lopez (havaiano conhecidíssimo entre os aficionados por surf), a linda Sandahl Bergman e Max Von Sydow - irreconhecível, ainda que sempre com a excelência de sempre.
E há algumas PÉROLAS DE CONHECIMENTO para o aventureiro comum que são de uma sabedoria assustadora.
O segundo filme, Conan o Destruidor, não repetiu o mesmo sucesso. Agora com a assustadora Grace Jones e o também irreconhecível Wilt Chamberlain - que ainda detém muitos dos recordes da NBA (que não parecem que serão quebrados tão cedo). Talvez o filme seja tão tosco quanto Red Sonja, ainda que eu o guarde com carinho na lembrança, por ter feito parte de minha infância.

A minha experiência com o universo Conan foi intensa nesses anos. Os filmes e os quadrinhos surgiram para mim, na mesma época, como uma avalanche viciante de horas de leitura, diárias de empréstimo na locadora ou atenção à programação da sessão da tarde. Tal se dava com os quadrinhos em especial (e dentre eles, especialmente o preto-e-branco Espada Selvagem de Conan); ficava esperando na banca o dia de uma nova edição sair. Até o número cento e tanto, tenho tudo. Incluindo os Conan o Bárbaro no não-tão-excitante formato disney de gibi em cores, os Conan Rei e as graphic novels do cimério.
E não era apenas esta criação de Howard que eu idolatrava. Acho que Howard foi a minha primeira leitura de um autor pulp. Eu ia atrás mesmo das informações de sua vida, em livrarias e sebos, ou simplesmente o velho "boca-a-boca", sem a facilidade da tecnologia atual. Diabos (ou, como diria capitão Haddock, por mil macacos e por milhões de raios e trovões), eu faço parte da última geração que conheceu a vida, tal como a conhecemos, sem internet ou celular. E às vezes é difícil lembrar disso. Encontrar informações sobre as coisas hoje em dia é tão fácil que não temos mais a satisfação de sabermos mais sobre tal coisa ou pessoa, que apenas a via crucis de "fazer com suas próprias mãos" proporcionava. E mesmo se potencialmente podemos saber tudo, como um oráculo estéril de saber, a grande parte desse saber ocupa um lugar fugaz na nossa memória de curta duração. Esquecemos logo daquilo, ou então vira apenas uma nota de rodapé na estrada do conhecimento pessoal. Como já profetizava Umberto Eco, décadas atrás, o excesso de informação pode virar ruído e barulho.
Divago, percebe?
Voltando ao Howard. De personalidade sombria, propenso a crises de depressão profundas, reza a lenda (uma das) que Howard teria deixado um final tétrico ao seu mais famoso personagem, encontrado escondido, junto com outros papéis, em um fundo falso de sua escrivaninha, comprada por um admirador muitos anos depois do SUICÍDIO de Howard, aos 30 anos de idade, em 1936. E ainda é mantido em segredo, sob a alegação que poderia horrorizar os fãs de Conan (seja lá o que for, o que pode ser tão terrível nessa época de Bushs e Bin Ladens? A história toda virou, pra mim, algo como saber o terceiro segredo de Fátima, ou saber o que raios havia dentro da maleta em Pulp Fiction; uma curiosidade quase insuportável).

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ESPADA SELVAGEM DE CONAN - Foi apenas há alguns anos, juro, que eu percebi como o nome dos quadrinhos parece um título de história gay barata. Algo como "A mangueira poderosa do bombeiro Bill", ou "A pistola certeira de Big John Silver". Toda a coisa, aliás, é meio homoerótica, a despeito de toda a virilidade hetero do guerreiro cimeriano. Como faziam questão de assinalar alguns colegas de infância, por sinal.

PÉROLAS DE CONHECIMENTO - Como o enigma do aço (que afinal, parece ser captado por Conan, na experiência de quase-morte e nos relances do futuro e do passado de uma vida). Ou como o famoso genghiskhaniano "What's best in life?" indagado pelo chefe dos gladiadores aos seus súditos. "To crush your enemies, to see them driven before you, and to hear the lamentations of their women", responde sem hesitação o sábio das ruas, Conan, depois de algumas tentativas fracassadas por seus colegas menos agraciados com a sabedoria da força bruta. E, o clímax para mim, quando Thulsa Doom está vindo com seus soldados, numa cavalgada da morte, atrás do enlutado cimério e seu silencioso amigo arqueiro: "Crom, I have never prayed to you before. I have no tongue for it. No one, not even you, will remember if we were good men or bad, why we fought or how we died. No, all that matters, is that two stood against many. That's what's important. Valour pleases you Crom. So grant me one request. Grant me revenge! And if you don't listen, then to hell with you!"

SUICÍDIO - Num mundo em que a regra parece ser a que um indivíduo faz de tudo para assegurar sua sobrevivência, um suicida causa certa intriga. Ou é um maldito estúpido que não entendeu nada, ou então é alguém que, ao contrário, está por demais ciente do que acontece ao seu redor; tem um conhecimento profundo do sentido de sua vida e seu papel no mundo (o que explicaria a áurea de fascínio que muitos suicidas exercem). E, acima de tudo, alguém que aprecia o bem-estar próprio de uma maneira extrema.

domingo, abril 22, 2007

Nota

Vários posts hoje. Desde que fiquei sem internet em casa (por diversos motivos), tenho ido de vez em quando a um café perto de casa, que tem wi fi. Para ver e-mails é mais do que suficiente, mas não fico mais navegando por horas a fio, vendo bobagens no mundo virtual.
O que me deu muito mais tempo livre agora, já que eu também não tenho tv! Então, de vez em quando eu fico no computador, escrevendo alguma coisa. Eu salvo e deixo para publicar em algum momento em que vou ao tal café.
Aí foram então alguns posts. Se você tiver paciência para ler, maravilha.

Um sonho

Hoje tive um sonho esquisito. Sonhei que era o Tatu, da Ilha da Fantasia. Quer dizer, no meu sonho eu era o dublador do Tatu no Brasil. E, talvez por motivos de autenticidade, por parte de quem foi responsável por minha contratação, eu era um anão.
Mas desde que a Ilha da Fantasia terminara, lá pelos idos de 1980 e bolinha, a vida boa também havia ido embora. Não que tivesse feito fortuna, mas ganhava bem e fazia um trabalho que amava.
Depois de dublar os últimos episódios da série, havia conseguido uns empreguinhos aqui, ali, uns bicos de animador de festa, nada mais com dublagem. E nada que durasse mais que alguns meses.
Comecei a encarar tudo como uma maldição. Porque a despeito do tamanho liliputiano similar, não era nada parecido com o ator que fez o Tatu. Ainda que quando abria a boca, as pessoas faziam aquela cara com a testa franzida, se perguntando de onde me reconheciam, mas sem conseguir exatamente me localizar. A voz não combinava com o pacote. Para sempre eu fui uma quase-celebridade nunca reconhecida.
Meu emprego atual, era me vestir de Tatu e fazer micagens em um programa de auditório estúpido, desses que existem de monte por aí, sempre acabando, sempre recomeçando, sempre com a mesma fórmula, com diferentes cenários. Se fosse há 20 anos, eu teria tentado o emprego do Praga no Xou da Xuxa.
Bom, este programa, na mtv, consistia de provas que os célebres participantes deveriam participar, no caso jogadores de futebol. Eles se juntavam a moleques do auditório para fazer corrida do saco e outras travessuras típicas dos feriados juninos.
Trabalhava comigo outro esquecido pela TV, que tinha que se sujeitar, como eu, a pequenos nichos na indústria do entretenimento brasileiro, quase nunca com o glamour normalmente associado ao mercado. Eram carregados de humilhação e decadência.
Este esquecido era o Bozo. Um deles, pelo menos. O que atendia o telefone e fazia a brincadeira da corrida de cavalos, nas tardes no sbt.
Em nossa comum desgraça, e pelo fato de termos tido nossos momentos de ouro aproximadamente na mesma época, fizemos amizade atrás das câmeras. Nos intervalos íamos fumar um cigarro no fundo do set, e as vezes saíamos para algum boteco no final do expediente, o que proporcionava uma visão engraçada para quem nos via sentados numa mesinha de ferro, bebendo kaiser em copinhos americanos e falando sobre os bons tempos, ainda em vestimenta de trabalho.
Nos queixávamos também. Ele por ninguém saber que se tratava do verdadeiro Bozo, já que a fantasia era até bem popular; sempre tem um bozo por aí. Eu, porque sempre vivi na sombra, ou melhor, no eco, do pequeno ator gringo. Por tantos anos eu trouxe voz àquele personagem, mas nunca o conheci. Sr. Roarke e Tatu eram parte indelével de quem eu era, do que tinha feito como ganha-pão por tanto tempo, minha profissão. Ainda sim, eu era um anônimo para as pessoas, tão acostumadas a ouvir minha voz nas manhãs de domingo e, claro, anônimo para meus heróis, que deveriam ter dezenas de duplos sonoros ao redor do mundo.
Bozo e eu não tínhamos muitos mais amigos, então fazíamos companhia um ao outro, muitas vezes silenciosa, sorumbática, fora do estúdio de gravação.
Seja como for, o trabalho era muito fácil. Ficávamos apenas pulando ao fundo, em nossas fantasias. Podíamos sair de fininho por alguns minutos que ninguém percebia.
Num desses dias, o Bozo demorava mais do que o normal para fumar um cigarro - fazíamos rodízio; quando um ficava com muita vontade de fumar, o outro tinha que redobrar a animação no palco.
Estava lá, pulando e me sentindo miserável, rodeado por escárnio televisivo, e eis que ouço alguém me chamando. Olho e é Bozo, com a cabeça pra fora da cortina, no fundo do set, me chamando. Aflito, faço um sinal negativo com a cabeça - estávamos filmando. O goleiro Rogério Ceni havia acabado de levar alguma bordoada com um cotonete gigante por um adolescente do auditório que participava da brincadeira e que certamente não era são-paulino. O goleiro-artilheiro estava agora com um maldoso olhar assassino, querendo descontar no pequeno filho da mãe em uma nova prova. Isso significava, claro, aumento de audiência. Tudo bem, acho que dá pra sair um pouco, neste momento de emoção, pensei. Diante da insistência de meu amigo circense, fui atrás dele.
Perguntei do que se travava. E ele me respondeu enigmaticamente "apenas me siga", me levando por um corredor escuro e cheio de equipamentos de filmagem para a saída dos fundos do estúdio.
Abriu a porta e saímos em uma pequena rua, sempre vazia, nos fundos do prédio, que era usada para descarregar material e para a saída de algum artista, que gostaria de ir embora sem a muvuca, tradicional e constante, da porta da frente.
Estacionada ali, apenas uma van, com vidros fumê levantados. Faço menção de perguntar algo e Bozo apenas abre a porta da van e me fala para entrar. Começo a ficar nervoso.
Ao entrar, vejo dois senhores, um muito velhinho mas ainda com um ar imponente estampado no semblante. O outro, de cara simpática e jovial a despeito da óbvia idade avançada, tinha meu tamanho.
Não acreditava, eram Sr. Roarke e Tatu! Comecei a gaguejar, tentar falar algo, o quanto eles eram meus heróis, tudo o que eles significavam para mim e nem sequer tinham idéia. Queria contar minha vida, minhas alegrias e frustrações construídas por uma carreira entregue ao show biz por conta de uma dublagem de um seriado de 30 anos.
Uma lágrima escorreu e rostos sorridentes e compreensíveis apertaram minha mão. Depois de alguns minutos desci da van, que arrancou e foi embora. Fiquei ali, vendo o carro dobrar a esquina, deixando minha vida com mais sentido. Bozo entrou, mas eu não voltaria mais ao set aquela noite. Sentei na sarjeta, com a lua como companheira e acendi um cigarro.

"Cortem-lhe a cabeça"

Me deixa com os cabelos em pé ler algumas notícias da imprensa londrina de pequena circulação. Mais do que os eventuais assassinatos, espancamentos e tentativas de explodir trens e metrôs que tanto dão dor de cabeça ao senhor Ken Livingstone, prefeito da cidade.
Manchete: "Asbo for racist drunk who ruined neighbours' lives"
O jornal do bairro anunciou a plenos pulmões, na primeira página da edição desta semana, que uma mulher de 28 anos, que nos últimos anos foi constantemente protagonista de escândalos em sua rua - apenas alguns quarteirões da minha - recebeu a notificação Asbo (Anti-social behaviour order, da headline acima). Depois de uma vida terrorizando os vizinhos, a infeliz alcólatra recebeu o cartão amarelo e foi oficial e socialmente lobotomizada. Ou a coisa mais próxima disso, de qualquer maneira.
Há tempos os bedéis do bairro tentavam imputar-lhe a tal ordem. Finalmente, depois de uma janela quebrada e abusos verbais racistas contra um cidadão etnicamente não-inglês-branco, eles puderam ter seu momento de júbilo e pregaram-lhe o carimbo de Asbo, que flerta perigosamente com alguma medida que pareceria razoável para Goebels ou para a Rainha de Copas.
Nada mais de carros danificados, gritos noturnos, ou medo de sair de casa - problemas atribuídos a jovem troublemaker.
Se tal ocorresse em outras circunstâncias, épocas ou lugares, ela seria levada pra algum paredão e fuzilada. Ora, há 400 anos ela seria queimada - o que parece irônico, já que uma das acusações que pesa sobre a bullie é de que aterrorizou uma menina de 13 anos ao dizer que era uma bruxa (outra acusação, que poderia contribuir para a sentença levada à cabo no fogo purificador, é de que costumava uivar como um cão).
Agora ela tem uma estrelinha vermelha no boletim, uma advertência. Mais um deslize, suspensão. Ou melhor, expulsão, que no caso significaria cadeia.
Aposto que tem muito neguinho que está pensando em deixar um pequeno presentinho grego na sua porta pela manhã - uma garrafa de gim, quem sabe, para acelerar a despedida da moça que, definitivamente não mudará tão rápido seu modo Whitney Houston de ser.

Lock her up and throw away the key, dispose her like you would flush down some foul-tasting old milk found inside the fridge.

A verdadeira questão, caro leitor, não é se você - não exatamente "você", mas o ser humano genérico - tem o direito de não ser acordado no meio da noite por sirenes de polícia porque alguém chamou os hómi pra controlar a despirocada. Tenho fantasias sombrias de jogar sacos de merda na janela da vizinha que deixaria uma gralha assustada, nas manhãs em que tem a dura missão de acordar e levar os filhos ao colégio (e antes disso, tinha a mesma gana com o vizinho espanhol da frente de casa, no Brasil, que gritava impropérios ininteligíveis e mandava seu poodle evacuar no nosso jardim apenas para irritar).
Mas a questão, deixando de divagar, é que tipo de sociedade doente e zumbificada é essa que parece nos fagocitar? Gramados doentiamente aparados, lixo orgânico separado do reciclável, vaquinha no final do ano pros prestadores de serviço, aparências mantidas e as mais distorcidas perversidades permitidas desde que em volume baixo. Sem gritaria, por obséquio. Solução? Cadeia.
Meu bairro é muito tranquilo, mas tem algo da paranóia dos subúrbios americanos que me deixa desconfortável às vezes. Aqui tem daquelas coisas como comitês para limpar calçada, ou para salvar algum pato com asa quebrada. Hoje mesmo, por exemplo, veio um comitê de campanha para representação do bairro, perguntar se tinha sugestões para o embelezamento das redondezas e me apresentar uma chapa de pessoinhas conscientes para a próxima eleição. Tenha dó. Domingo de manhã?! Em vários aspectos prefiro o caos, sujeira e a bizarrice de Camden. Mas a cidade parece ter, em graus maiores ou menores, esse tipo de patrulha ideológica (como diria uma amiga) em todos os cantos; o tipo de pessoa que adora se candidatar a síndico do prédio, manja?
Porra de ciborgues autômatos. Aqui o brother é ficou tão big que você (de novo, genérico) tem medo de tirar uma catuta do nariz, porque tem tanta câmera de vigilância que você se sente num Truman Show.
Que mané Nostradamus. Profeta foi Orwell.

Pingados

Alguns pensamentos avulsos. Sem a paciência para transformá-los, cada um, em um texto próprio...

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Os motoristas de ônibus daqui são frustados. Para não dizer sádicos. Principalmente os do turno noturno. Fazem questão de dar esperança aos que estão acenando aflitos e correndo para o ponto, apenas para arrancar quando o infeliz está a 10 metros da porta.

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Lembrei nesses dias de umas fotografias que vi no apartamento de minha orientadora, da época que era estudante na Europa. Agora sei com quem ela parece. Anouk Aimee! Linda, linda.

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Faster Pussycat... Kill! Kill! foi o filme que inaugurou todo um gênero de mulheres poderosas e, paradoxalmente em sua caricaturização, mais humanas; e deu o tom para todo um tipo Russ Meyer de volúpia.

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Estranho que os filmes de vigilantes, de justiceiros ou de policiais que se cansam da inépcia do sistema e fazem as vezes de juízes e executores tenha saído de moda. Justamente quando os tempos são mais propícios. De qualquer maneira, tipos mais esquisitos como Robert Forster, Charles Bronson e Fred Williamson não têm muito mais espaço, ainda que tenham sido devidamente resgatados por um público cult. Mas os filmes como os da série Dirty Harry ou Desejo de Matar caíram em um torpor reservado aos filmes considerados ruins, enterrados em sua época, ainda que sejam interessantíssimos em termos sociológicos, todos surgidos durante os anos do "fim da inocência" que foram os drogados anos 60, já no horror das selvas vietnamitas, no auge da guerra fria e com o aparecimento da aids. De 70 a 80, toda uma gama de filmes, de Steven Segal a Bruce Willis, beberam da fonte, alimentada por uma descrença profunda com o governo republicano - ainda na geração Reagan.

sexta-feira, abril 20, 2007

Sacodindo a poeira



Sacudindo a poeira, fui ontem no Camden Crawl, uma espécie de festival que acontece todo ano em Camden Town e reúne um monte de bandas novas. A fórmula funciona ao escalar algumas bandas mais fodonas, que este ano ficaram representadas por Ash, Black Rebel Motorcycle Club, The Damned e outras.
Não consegui ingresso para os dois dias, mas no final das contas deve até ter sido bom, porque eu tô quebrado! Meio-dia de ontem estava já torrando no sol, em uma fila enorme para trocar o ingresso por uma pulseira para entrar nos lugares e um monte de lembrancinhas, junto com a programação. Com mais de 100 bandas tocando em 20 lugares é bom se programar pra ver o que mais gosta. O bom é que a organização é decente e os shows começam na hora que deveriam, então deu mesmo pra sair correndo de um lugar pro outro e pegar várias bandinhas legais.
Duas e meia da tarde já estava no The Crescent, bebendo umas pints e ouvindo uma bandinha decente de ska. Não sei o nome, mas tirei umas fotinhos. Saindo de lá, fui ao The World's End, um dos meus pubs preferidos já. Lá assisti The Priscillas, que me surpreendeu! Muito divertida, era uma mistura de Siouxie com Joan Jett mais terror. A vocalista, toda de couro e vinil preto, dos pés às mãos, era muito carismática e linda. Resolvi comprar 1 single.
Depois, fui no The Spread Eagle, mas não gostei do dueto de violão que era a atração na hora. Voltei para o World's End e vi então Morton Valence, que me agradou bastante também. O vocalista, também trompetista e guitarrista, desfilava umas músicas que pareciam uma mistura de The Cure com Happy Mondays. Com dois teclados e sintetizadores (com uma chinesa muito figura também), o som era bem empolgante.
Saindo de lá, fui ao Tup, pub em que já tinha ido com a Camila, ver um jogo de futebol. Lá fui ouvir uma das bandas que realmente queria assistir. Shout Out Louds! Os suecos mandam bem pra caramba!
De lá fui dar um pulo no Underworld, onde tinha ido ver Brujeria, lembra? e vi Akala, um rap até interessante, que misturava um pouco de rock e eletrônico. Mas resolvi que queria mais era ver Envelopes mesmo, banda que já conhecia e sabia que era bom e estava tocando no Enterprise. Cheguei lá já tinha começado (a única banda que não vi o show inteiro; a minha programação até que deu bem certo), o lugar estava muito quente e não consegui pegar nenhuma cerveja. Mas foi bom.
Voltei correndo pra tentar pegar Air Traffic que tocaria no Eletric Ballroom, lugar aliás que queria conhecer faz tempo. Mas a fila estava muito longa, então resolvi que iria ao Koko, garantir um lugar pra ver The Damned. Lá vi uns MC ingleses que eram até bons e empolgaram o público, mas não é muito minha praia. Uns caras chamados Killa Kela.
Nota: o Koko é o lugar mais lindo que eu já vi para um pub/boite/casa de show aqui! Quatro andares com balcões, imagino que devia ser um antigo teatro, desses que vemos em filme de época!
Logo depois assisti Shakes, dueto de uns carinhas bons, mas que não saíam muito do esquema Prodigy de um eletrônico bem nervoso. E o público era mínimo.
Mas o melhor mesmo veio depois, The Damned! Só pelo valor histórico já valeria a pena, mas o show foi muito bom! Peguei um lugar na frente logo cedo e o lugar lotou! Os coroas ainda mandam bem o punk-horror deles! Engraçado ver os punks velhos, alguns já carecas mas ainda de mohawks em pé ou com camisetas do Clash, agitando e cantando junto!
Ainda teriam uns djs até umas 4 da manhã, mas resolvi voltar enquanto ainda conseguia andar, lá pela 1 da manhã! Mas com outro humor!
A única decepção foi não ter visto BRMC, a nova banda preferida dos motociclistas de plantão. Talvez eu conseguisse ver uma meia hora e depois sair correndo para ver Damned, mas resolvi não arriscar. No final das contas não poderia ter sido mais eclético, mas funcionou.

segunda-feira, abril 16, 2007

Whatever will be

Hoje almocei com o big kahuna da antropologia atual (tudo bem, um dos - mas um grande, nonetheless), num dos maiores centros de peregrinação dos necessitados de saber da capital da terra da chuva (digo, de passagem, que estou procurando saber se posso processar alguém por propaganda enganosa - cadê a porra da chuva e do fog?! Passo mais calor aqui do que no Brasil!), a biblioteca britânica - British Library para os familiarizados com a nobre língua de Shakespeare.
Como o resultado do encontro foi aquém do que esperava (pra não dizer até mesmo desesperador), resolvi adotar a tática do "rir da própria desgraça" e contar o ocorrido nesta segunda abafadíssima. Mesmo porque, pensando bem, há algo de hilário nele.

Por motivos que fogem do âmbito desta história, mas ainda sim relacionados ao objetivo do encontro, andava esses dias... como direi... angustiado... atormentado talvez, com as perspectivas do trabalho que você me paga para fazer. Sim, porque, como bem me lembraram ontem (em um rompante de delicadeza normalmente exclusiva dos grandes paquidermes), minhas deseventuras londrinas estão sendo subsidiadas por uma instituição do Ministério da Educação, de logradouro situado na capital da República, planalto central. Logo, se você ainda não está completamente desiludido e resolveu virar anarquista ou vendedor de sanduíche na praia, e paga impostos, sou financiado por você, cidadão.
O que me deixa na obrigação de reservar pelo menos parte de meus esforços à elaboração de labuta relevante, e não apenas uma etnografia da vida noturna e de suas particularidades assaz atraentes. Portanto, quando tudo parece não funcionar, não é por demais estranho se ter eventualmente alguns pensamentos nefastos e vontade de sair gritando pelas limpas e tranquilas ruas de St. Johns Wood, meu local de morada atual.
Mas voltemos à vaca fria, como diria meu avô. Bom, não meu avô porque ele não usa essa expressão. Mas parece coisa que algum avô diria.

Já estava um pouco irritado com o fato de que hoje o landlord viria fazer uma inspeção nos apês (pra ver se ninguém resolveu criar uma plantação de canabis ou se não estão usando a banheira pra preparar nitroglicerina, imagino). Seria entre as 10 e 12. Onze e quarenta, cansado de esperar, tive que sair, porque havia combinado o almoço meio-dia e meio.
Na estação de metrô, fico esperando no vagão parado, ao lado de uma criança que, por minutos que atingiam a envergadura de eras, perguntava a mãe, com um fôlego e entusiasmo louváveis, por que o trem não andava, qual era o problema com o trem, se não havia problema com o trem por que ficavam ali parados como imbecis (visto que a mãe tentava dizer que não havia problema, mas como criança é ignorante, mas não é burra, era logo confrontada com a lógica elementar de que "se não tem problema, porque então não anda?"), qual era o problema novamente, por que tudo estava parado e por aí ia, numa ladainha sem fim. Diliça.
Até que ouço o anúncio de que não havia previsão de quando o tube voltaria ao funcionamento. Desço, pego o trem do sentido oposto, pra trocar duas estações acima por outra linha, que me levará ao baldeamento que no fundo está apenas a uma estação da minha casa e onde eu tenho que trocar por outra linha, para ir a biblioteca. Atrasos e olhadas no relógio constantes. Mas tudo bem, pelo menos já estava na linha que deveria pegar.
Mas quando passo pela dita estação, novo anúncio. O trem não continuará e todos devem descer. Claro, típico. Saio correndo pra pegar outra linha pra conseguir chegar onde quero.
Entre mortos e feridos, cheguei a tempo, encontrei com buana - hau - e fomos ao comedor do estabelecimento. Nada muito diferente do bandeijão, devo salientar (mas com preço inglês). Umas comidas meio estranhas adornavam os panelões. Resolvi pegar uns bolinhos com queijo e rúcula, que no final das contas acabaram sendo meio estranhos e muito fortes pro meu gosto.
Ficamos lá, comendo nossas gororobas, até que me perguntou como estava tudo. Contei das minhas desventuras com minha pesquisada e minha impossibilidade de retomar as conversações, por motivos de força maior. Ele ouvia e pedia para ser mais específico nas minhas idéias. Mas não conseguia, porque após um ótimo primeiro encontro, em que imaginei que os rumos da pesquisa apareceriam por conta própria, não tive outro e fiquei mais perdido que cego em... bom, você sabe. Não sabia direito o que fazer agora que meus planos pareciam que teriam que ser cruelmente alterados. E ele me olhava, com olhos escrutinizadores. "Se você não pode ser mais concreto, não posso te ajudar", categórico.
Tentei, engasguei, sou brasileiro e não desisto e tudo mais, mas não rolou. Falava sempre as mesmas coisas bobas. Ele, claro, percebeu. Silêncio constrangedor. Alguns conselhos por cima, uma indicação. Tentei perguntar sobre a possibilidade de ser um assistente de pesquisa, para ter mais o que fazer. Nope, já elvis, a pesquisa tá na parte de escrever mesmo, ele disse. Tentei falar sobre sua pesquisa atual então. Meia dúzia de palavras.
Comecei a achar que ele começava a ficar impaciente, depois de ter devorado em minutos o seu salmão defumado. Comecei a comer mais rápido. Falava de boca cheia, o que deveria estar parecendo grotesco. Ocasionais babadas não ajudaram. Queria pegar um copo d`água, pra ajudar a empurrar a comida goela abaixo, mas achei que demoraria muito. Eventualmente desisti e resolvi deixar o resto de lado e partir logo para a salada de frutas.
Certa hora chegou um antropólogo, na mesa ao lado, que fazia pesquisa sobre Amazônia. Fomos apresentados. "ah, faço pesquisa no Peru, nem conheço o Brasil". Pausa. Falou da região que estuda e que índios - apenas para ver minha cara de "nunca ouvi falar desses negos". Depois que descobriu que não sou um amazonista, nem sequer um etnólogo, novo silêncio. Foi embora, desculpando-se porque tinha de voltar ao trabalho. Yeah, run from the zone where time stands still, maldito gilipollas!
O silêncio começou a ficar espesso. Perguntei sobre a biblioteca do Rei, ali do lado, me agarrando em qualquer oportunidade de assunto. Comentamos sobre os tesouros do lugar. Mais um pouco de conversa amena, até ele pedir licença e acabar com o suplício. Acho que no fundo esperava que ele me salvasse, mas ele não tinha a intenção de fazer isso, claro.
Voltei pra casa com o peso do mundo. E suando bicas, pra piorar a situação. Resolvi não pegar o tube pra voltar e acabei andando, sob um sol carioca de rachar côco.
Na cabeça, alguns planos sobre o que fazer, tentando me confortar com o fato de que ainda tenho tempo, mas basicamente um grande MERDA em letras garrafais e luzes neon piscava e ocupava o espaço ali, entre a parte da memória de curta duração e o setor responsável pelos cheiros.

domingo, abril 15, 2007

London diary - genesis

10 AM on a friday morning, walking towards Hampstead Heath, north of London. Talking with Mila about characters of Lost and the benefits of watercress to prevent cancer (besides complaining about life).
We are cut by a motorcyclist who stopped and started shouting inside the helmet, very, very angry. Don't have a clue in which language. Not even if it was oriental, slav or what. We went on our way, resuming the talking. We thought "hey, why don't we start a diary?"

sábado, abril 14, 2007

Friday the 13th

Ontem fui assistir o show do Billy, novamente. De novo, muito bom, mas dessa vez bem lotado! E muito quente! Quase que troquei minha guinness por uma água ou uma coca... quase, porque ontem conheci dois very good blokes from Essex, que tinham vindo apenas para assistir Les Dadds, banda que eles encontraram em uma viagem de carro pela França e fizeram amizade. Os dois, que se recusaram que eu pagasse qualquer coisa (nem insisti muito, claro), me passavam pint atrás de pint. Olha, eu bebo rápido, mas tive que me esmerar mesmo pra acompanhar os dois...
Les Dadds, aliás, era uma bandinha bem divertida, estilo Franz Ferdinand, mas com algo de muito velho também.
Mas até o show do Billy basicamente fiquei conversando com Ian e David sobre Deus, religiões em geral, quem você seria numa banda, rain forest tribes, hagis, black pudding (procure depois pra saber do que se trata...) e cores bizarras de bebidas.
Por mais divertido que estivesse, dessa vez voltei um pouco mais cedo, pra pegar o último metrô. Não tava a fim de voltar andando de novo ontem...

quarta-feira, abril 11, 2007

"A life less ordinary"

Ultimamente tenho assistido bastante os seriados britânicos, excelentes. Depois que você se acostuma com o ritmo e o humor diferentes, não há como não admirar algumas séries, brilhantemente escritas, dirigidas, editadas e conduzidas. E claramente com um orçamento muito pequeno.
Super produções aqui não são comuns. Então pra vender uma idéia... bem, ela tem que ser boa mesmo.
Peep show é muito bom, com atores fantásticos. Já falei um pouco dele. E agora estou viciado em The Office. Nada da besteira americana homônima pela NBC. O britânico foi o The Office original, produzido no começo de 2001 pela BBC e depois ridicularizado pelos anglo-saxões do Novo Mundo (e adaptado na França, na Alemanha, no Canadá e no Brasil - os aspones). O seriado é basicamente sobre o dia-a-dia nada glamouroso (e nada interessante) de um típico escritório 9-to-5. Uma empresa de papel, pra ser mais preciso.
As pequenas coisas irritantes que o seu companheiro de cubículo faz, as piadas sem graça que devem ser escutadas, as saídas totalmente embaraçosas com o “pessoal do trabalho” no final do expediente, em nome de uma camaradagem fabricada, quando no fundo você simplesmente quer voltar pra casa e assistir tv e ficar com sua família... tudo isso é contado de uma maneira muito sutil, mas nada sensível.
As coisas que a pessoa sabe que o outro sabe, mas permanece não dito, porque "quem sabe não são assim de verdade?" O cara que é apaixonado pela colega, que tem um namorado que claramente não a merece; as situações desconfortáveis geradas, os silêncios pesados que te fazem ter vontade de falar qualquer besteira ou sair correndo desesperado; a moça que é comprometida, mas não gosta que o seu admirador finalmente se resolva com uma outra mulher porque finalmente descobriu que ele é um bom partido justo quando não está mais disponível (e não pode fazer nada, porque afinal ela é sua amiga e tem que deixá-lo ficar com alguém que o faça feliz)... e principalmente, aquele seu chefe que pensa que é um grande motivador e camarada, mas que pode ser uma figura de autoridade quando necessário; que acha que é engraçadíssimo, é extremamente convencido e egocentrado e usa seu poder para impedir as pessoas de discordar, e acha que é seu amigo porque uma vez por bimestre sai com todo mundo pra tomar um chope e contar piadas sobre sexo, mas não sabe quando foi longe demais com a baixaria. Sempre preocupado em ser politicamente correto, até soltar alguma pérola e ficar claro que é tremendamente reacionário - e ao tentar consertar apenas piora as coisas.
Tem tudo isso (incrível como meio disso, amizades são feitas). E sempre contado de uma maneira que parece muito com o que realmente deve ser a vida maçante em um escritório. E de uma maneira que as pequenas coisas fiquem muito engraçadas em sua vergonha.
O dvd tem extras com as usuais cenas deletadas e algumas entrevistas. Adoro quando os diretores (Ricky Gervais, um deles, é o chefe), ao serem perguntados por quê alguém tão tosco e incompetente não é despedido eventualmente, falam “se você for no estúdio da BBC você vai ver dezenas de pessoas que não sabem o que fazem e não são despedidas”; acho que esse mito da eficiência privada em contraposição ao funcionalismo público é besteira. As decisões são muito mais arbitrárias e decorrentes de alguns caprichos do que se admite.
Mas o seriado é muito consciente da critica que faz através de seus personagens.
E, pra meu desespero, me identifiquei com todos. Com o apaixonado platônico que sempre tenta agradar, com o neurótico obsessivo com pequenas coisas, com a controladora, com o maluco, com o cara que simplesmente acha que está pouco se ferrando com toda essa besteira e um dia irá mandar todos à merda e que não pertence ao “sistema” mas continua indo ao trabalho todo dia, e principalmente com o chefe que acha que é mais do que é, invariavelmente se colocando em situações ridículas e patéticas.
Mas acho que aí está o grande mérito do seriado, muito filosófico se for ver bem. Acho que todos são um pouco essas coisas. Eu tento me sentir mais confortável pensando que sou assim apenas part-time.

terça-feira, abril 10, 2007

Missing things

Ando devagar aqui. Não apenas em termos produtivos, mas em conseguir ingressos pros shows legais daqui! Esgotou Charlatans, Chemical Brothers. Tudo bem. Mas aí esgotou ingresso pro Heavy Trash (a banda nova do Jon Spencer!), esgotou ingresso pra Holly!! Cacilda!
Amanhã vou urgente comprar o meu do Neubauten, mesmo que seja mais de duas semanas de hoje ainda, pra não correr risco nenhum!!

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Pra minha linda amiga com quem conversava ontem:
Hoje vi umas cenas que ilustram muito bem toda a história tédio mal escondido pela balada goela abaixo... uns ingleses completamente desiludidos com a vida, se encontrando, interagindo, se catando e tentando se convencer de que são momentos de redenção dos seus problemas. Parecia documentário de bicho...

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Momento chique: almoço com A. K., na British Library!

sábado, abril 07, 2007

Uma sexta

Fui ontem ver umas bandinhas muito boas no Dirty Water, um dos meus lugares preferidos aqui! Tinha resolvido que iria fazer alguma espécie de gravação com minha câmera nova, pra aprender a usar e principalmente pra tentar brincar de editar depois. Descobri que edição é divertidíssimo! A Dani sugeriu um documentário sobre bandas em Londres e adorei a idéia.
Cheguei, falei com o dono, PJ, cara muito gente boa, que ataca de DJ entre as apresentações. Depois falei com o pessoal das bandas, recebi o ok e prometi mandar algum material pra eles.
A primeira banda, Los Cretinos, era basca, um garage bem feito, com um toque de blues e country junto a espinha dorsal punk. O vocalista foi muito legal e gostei bastante, mas eu era o único na frente do palco. O pessoal, ainda chegando, ficou olhando de longe. Foi meio chato isso, mas na verdade eu não tava nem aí.
Depois veio uma banda catalã, Suzy y los quattro, mais pra punk felizinho, ainda que com doses de ferocidade em alguns momentos. A Suzy, a vocalista, tinha uma voz meio de menina, tamanho e aparência de menina, mas usava um coturnão, mini saia de vinil e meias fishnet. Bem divertido. Lembra um pouco Liz Phair.
A terceira, uma banda quebecois, The Demon'S Claw, empolgou mais. Os caras adoravam cuspir e jogar cerveja uns nos outros, o que pareceu um pouco forçado, como também a imagem meio "sou podre sim, tocando com bituca pendurada na boca". Mas gostei bastante do som, mais nervoso.
Daí a quarta foi demais! Hollywood Sinners, a única banda realmente espanhola da noite, de Toledo. O baixista estava completamente alucinado, em transe, pulando e quebrando tudo no palco! E o som era bom, punk meio velhão com umas misturebas que depois tenho que rever na fita pra entender melhor. No final, confete e público invadindo! Pena que nessa hora já havia acabado a fita e perdi a parte mais bacana.
Mas valeu. Mesmo tendo que voltar a pé, porque o tube já tinha fechado, com meia dúzia de guinness na cachola.
Agora é só ver o que faço com as imagens...

sexta-feira, abril 06, 2007

Alguém

A pedidos da Eziza, aí vai...

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Ela tem lindos olhos inocentes, que contradizem toda a idéia de olhos - espelho/janela da alma corrente por aí. Claros, angelicais, de um azul indefinido, resistem, depois do primeiro instante, à tentação de definir uma personalidade. Após alguns momentos fica claro que não é inocente. Não que seja depravada – ainda que o seja durante certas luas. Mas não é inocente, isso não... ou talvez sim, às vezes... nem sempre, quando menos se espera. Talvez. Talvez ela queira parecer inocente, o que seria a prova inegável de que não é. Mas não, tenho certeza, agora, de que por vezes é inocente. Sim.
Poderia ser, também, uma devoradora – uma luz demasiada forte para abraçar. Mas também não, transborda meiguice a despeito do evidente conhecimento do mundo e suas doenças – ela conhece o wild side of life, mas não sucumbe.
Prevalece por uma força interior, geradora daquela luz de que falei. Mas não passa incólume. E aí sua beleza multiplica-se. As feridas, abertas, esperando redenção. Esperando que alguém se apaixone por elas e tente curá-las. Pelo menos aliviá-las, oferecendo um copo de água durante o percurso (rumo ao Gólgota?).
Mas se recusa a perder a altivez, a independência. Entretanto a vontade de confortá-la, abraçar forte, escondendo-a do universo, protegendo e adotando, é grande. E, prazer egoísta, ela deixa. Há algo de divino em ajudar criatura tão soberba. Receber uma lágrima tão difícil.
Mas a verdade é que a fragilidade está lá. Não me entenda mal. Ela ainda é um brilho incomum, um som distinto. A guarda abaixa por um pequeno momento. Depois, algo maior que ela, volta majestosa.
E não sei se os gregos tinham uma categoria para ela. Em certos aspectos parece terrível como uma górgona. Mas há algo de cristão também. O que invalida tudo. Ela guarda uma similaridade, no entanto, com as personagens ctônicas: desafia classificações.
Quem viu Emily Watson em Gosford Park (não falei que iria voltar a ela?) sabe que tipo de pessoa ela é. Cigarro na boca, perfeitamente imperfeita, resplandecente em seu lugar, cai na escuridão por culpa de sua própria virtude, chora, mas você sabe que ela se recuperará e não pode deixar de sentir amor e admiração.

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Qualquer semelhança com personagens históricos reais é mera coincidência. Ela não é uma alegoria de qualquer figura cristã ou mitológica que você está imaginando.

quinta-feira, abril 05, 2007

O estilista

Hoje fui assistir Sunshine, o novo filme do Danny Boyle. Estava meio receoso, porque apesar de gostar muito dos filmes dele, a idéia me parecia evocar a modinha de filmes-catástrofe de uns anos atrás. A terra ou é ameaçada por um cometa, ou por uma era glacial, ou um terremoto, ou então lagartos gigantes, além, claro, dos aliens velhos conhecidos. Isso porque Sunshine é sobre um grupo de astronautas-heróis que vão em uma missão para tentar dar um tranco no sol, que está morrendo. Um charge, por assim dizer.
Mas tudo bem, eu fui e dei uma colher de chá.
A história, como esperava, não tinha nada demais. Bom, não é como os primos hollywoodianos, que fique claro. Está mais pra Alien do que pra Armageddon (inclusive Boyle até tira sarro com isso; aliás, as pitadas de humor que ele põe só deixam tudo mais enervante). O que é excelente (só o fato de não ter Ben Affleck também conta. Aliás, acho que foi isso que não gostei no The Beach, porque tinha o Dicaprio).
Danny Boyle pra mim é o melhor diretor contemporâneo pra suspense. Ele sabe como deixar o espectador tenso durante o filme inteiro, sempre esperando por alguma coisa assustadora. Ser deixado sozinho no desconhecido.
Dizem que o Tarantino estilizou a violência. Pra mim Danny Boyle poetisou a violência no cinema. E sem usar o recurso do susto, como fazem a maioria dos diretores (ainda que algumas vezes seja necessário).
Agora, o que eu mais gosto é o visual. Pra mim os filmes dele são pinturas. Até acho que ele filma como um exercício de estilo. Mais do que o enredo, que mais parece apenas a premissa pra começar o projeto, o importante é o colírio, a sensação imagética. Como quando usa câmeras digitais, que dão uma imagem completamente diferente da película usual, uma cor diferente, que se soma ao elemento assustador do suspense.
E outra coisa boa dele são as atuações que consegue extrair dos atores. Sempre muito boas.
Com exceção de umas cenas previsíveis, o filme é muito bom. O melhor que vi no ano, com certeza.
Agora é esperar a continuação de 24 hs Later e a trilogia baseada nos livros do Pratchett!!

Uma outra globalizaçao

Desde a criação, no século XVII, da Companhia das Índias Orientais, os ingleses se transformaram em uma das principais nações controladoras do comércio do que então era o mundo colonizável (ainda que a unificação das sociedades majestáticas só tenha se dado 100 anos depois). De fato foi a Cia que avalancou os alicerces do império britânico, atuando em volta do parlamento e do governo, transformando-se em uma potência militar, além de comercial, que ditou em muito os rumos do colonialismo posterior. Era realmente o centro do mundo.
Lembro das histórias que ouvimos de nossos professores de história, sobre as rotas de navegação para o tráfico de produtos, numa tentativa de suplantar o já decadente pólo ibérico, que levaram a um intercâmbio de produtos nunca existentes antes nas ilhas pictas, bem como a toda uma economia de alianças e concorrências pecuniárias, atreladas, indelevelmente, à política internacional.
Os migrantes vieram muitos séculos depois, mas as mais diversas especiarias, temperos e produtos, já flutuavam pelos canais londrinhos na época de Cromwell.

Tudo isso pra falar que adoro poder ir no supermercado e encontrar comida tailandesa. Vietnamita. Indiana. Encontrar temperos e pimentas lindas.
E comprar café do Quênia, do Panamá, de El Salvador, da Colômbia (minha última aquisição, delicioso), da Jamaica, da Etiópia, da Somália, da Nicarágua, da Guatemala, do Peru, de Java, da República Dominicana, da Costa Rica e, eventualmente, até um brasileiro! É só esquecer por um momento a exploração neo-colonial e sentir o cheirinho de um café bom...

No drugs, no money

Infelizmente para a Eziza, vem um post antes daquele prometido anteriormente. Mas juro que não é por maldade... queria deixar aquele bonitinho primeiro. Então vem um inspirado numa conversa ontem com uma amiga.

A 20 minutos andando de casa tem o bairro mais bacana da capital inglesa, Camden Town. Bom, na verdade é um borough, não exatamente um bairro. Londres tem dessas coisas estranhas, que datam da época que a City era realmente Londres e Westminster, Camden, Chelsea, etc, ficavam fora da jurisdição da cidade. Uma vez vi uma teoria de que não pegaram o Jack the Ripper porque houve uma confusão entre a policia da City e a policia metropolitana, que não pôde fazer a prisão, depois de perseguir o sujeito, por estar nos domínios de Whitechapel. Não sei se é verdade, como muita coisa que li sobre o célebre assassino. Mas ainda hoje existem duas policias, sub-administradores com bastante autonomia de decisão, serviços de lixo distintos... Vai entender.
Bom, voltando a Camden Town. Camden é o lugar dos moderninhos, baladeiros, esquisitos e freaks de plantão. Você pode sair com uma melancia pendurada que ninguém vai te achar estranho. Sempre tem alguém com uma roupa mais bizarra, um cabelo mais maluco, o coturno mais malvado, com mais tatuagens, mais piercings que você. E é maravilhoso! Milhões de lojinhas e barraquinhas que vendem de tudo e se espalham pelas ruas e pelo grande mercado de Camden, pra mim o melhor de Londres.
Tattoo parlours, lojas de botas, jaquetas, bugigangas orientalistas, lojas de discos, quadrinhos, livros, bares, boates punk, góticas ou indie, pubs lindos, casas de show... tem de tudo. Sempre vou pra lá, quase todo dia.
De noite é a ferveção. As barraquinhas de verduras e comida vietnamita fecham, os bares e boates abrem. O numero de gente esquisita na rua aumenta. E aparecem os traficantes. De monte, sempre nos mesmos lugares. Incrível que sempre vejo prisões sendo feitas, mas no dia seguinte, lá estão eles de volta. Ou gente igual, sei lá. Porque não entendo como não são deportados, já que isso é comum aqui.
E te oferecem de tudo na rua. Maconha, haxixe, crack, pó, doce, skunk... não tem o comodismo de um cardápio num coffee shop em Amsterdã, mas mesmo assim é bem acessível.
Felizmente tô careta. Lembranças confusas de baladas holandesas regadas com muito excesso sem noção, com amigos, uns anos atrás, me deixaram mais receoso na experimentação da alteração de consciência. Fico apenas no bom e velho álcool hoje em dia.
Mas acho perfeitamente compreensível os casos dos que se perdem aqui.
E existem muitos.

(O título vem da época de Contos de Thunder, pra quem se lembra. An zwei e eu temos algumas citações que surgem em momentos propícios, mas inexplicáveis. Como “gimme the motherfucker videotape bitch” (alguém sabe de onde vem?), ou “call 15287278 400 and hear the latest information in English about major world sport events” (esse meu amigo viking que sabe direito. Tá certo An zwei?)).

quarta-feira, abril 04, 2007

O diretor interacionista

Robert Altman faleceu no final do ano passado, mas fiquei sabendo apenas esta semana. Resolvi fazer um post, falando um pouco sobre o diretor que, tenho quase certeza, é o meu preferido e um dos melhores que já existiram.
O primeiro filme do Altman que assisti, me deixou fascinado, ainda moleque, em uma época em que não tinha o mínimo interesse em saber que havia alguém por trás de um filme maravilhoso. Minha relação com o cinema nessa época era inteiramente desprovida de pré-conceitos, imagino. Não ia assistir um filme por ter certo diretor, ou certo ator envolvido na produção. Eu assistia, gostava ou não. Devo dizer que tal se dava por uma completa ignorância, claro. Bom, já começava, na primeira década da minha vida, a eleger alguns heróis. Eram os atores dos Spaghetti Western, eram os atores dos filmes de guerra dos anos 60 e 70, eram os atores dos grandes épicos dos 50. Clint Eastwood, Lee Van Cleef, Telly Savalas, Yul Brynner, Richard Burton, Donald Sutherland (só homem?!) e por aí vai. Mas nunca diretores. Acho que, de maneira geral, era a época de formação do meu gosto cinematográfico. Bom, tudo isso para falar que o filme era M.A.S.H. Brilhante, achei. Mesmo sem saber porque, ou quem fez.
Ainda hoje não tenho muita certeza sobre o que me atrai tanto nos filmes de Altman. Claro, ele tem tomadas espetaculares, um movimento de câmera que você logo reconhece como sendo de alguém que sabe o que está fazendo. Mas ele não foi um estilista como o Leone foi. Não é isso que o faz sobressair. Um diretor não é responsável apenas pelo visual. Mas também pela cadência da história, a orquestração de performance e som, fotografia e desenvolvimento do script. E a amarração do conjunto é feita com maestria pelo Altman.
Os meus filmes preferidos são os que essa amarração é feita com uma sutil e hecatômbica análise sociológica. Sim, acho que o Altman é mais sociólogo do que muitos aí na academia. E mais influente e eficaz também.
Uma das minhas melhores professoras uma vez disse que o Altman é o mais interacionista dos diretores. Ela está certa. Os personagens – e acima de tudo, os grupos sociais – retratados no filme, têm uma relação de interdependência sistêmica irresistível, mesmo quando não têm qualquer relação entre si. Algo como, para quem tem certa familiaridade, o sistema colonial sul-africano analisado por Gluckman. Celebrado como o primeiro antropólogo a compreender que uma sociologia sul-africana tem necessariamente que lidar com brancos E negros em um sistema de dominação, o desafeto de Mary utilizou o recurso da análise situacional para perceber e descrever esta dinâmica relação social.
Pois é exatamente o que faz Altman. Short Cuts ou Prêt à Porter, por exemplo. Toda uma análise (e uma critica velada, que pode ser percebida em alguns detalhes, mas que quando compreendida pesa uma tonelada) sociológica é feita em um acontecimento, um pequeno recorte de um universo maior. Mas é a porta de entrada.
As pessoas, os grupos transitam nos filmes e são ligados por alguns marcadores deliberadamente introduzidos para que o espectador tenha a sensação de interação (essa mesma professora, acertadamente, percebeu que em Prêt à Porter, é o cocô do cachorro). Mas não são exatamente tipos sociais. A pretensão sociológica de Altman não é de um nível geral, mas de grupos específicos. Ainda que a técnica seja generalizável.
Não digo que o Altman inventou o recurso. Mas sua influência no cinema é notória. Para mim, o grande mérito do Tarantino, por exemplo, foi ter aprendido a lição – que aplicou em Cães de Aluguel, mas principalmente em Pulp Fiction. As tomadas – senão as histórias que compõem o mosaico da película – de alguma maneira são organicamente ligadas, mesmo que não cronologicamente. O tempo não tem importância aqui (ou melhor, a linearidade), porque a ação, à la Flaubert, o espectador descobre, quando a história é bem contada, possui um certo cordão umbilical que sustenta toda a obra – uma certa ligação lógica episódica que torna tudo inteligível. Mais ainda, inevitável. Mesmo indo pra frente, pra trás, permeado de flashbacks (eis aí o segredo do sucesso de Lost).
Agora, sobre um dos melhores filmes que já assisti (e só descobri isso depois de ter assistido umas 3 ou 4 vezes), Gosford Park: Acho que é o expoente máximo do trabalho de Altman. Muito se deve aos maravilhosos atores, claro. Mas você não pode deixar de admirar a fina análise de uma sociedade inglesa extremamente hierarquizada dos anos 30. Acho que é o filme que ilustra a tal da Nova História. Tudo bem, você não pode deixar de lado a nobreza e a riqueza, mas a perspectiva não é mais exclusivamente deles. Mais ainda, a perspectiva é essencialmente dos criados, dos habitantes “downstairs”. Não é necessariamente a correta, mas demonstra que é tão válida quanto outra.
Nunca há uma cena em que não exista um criado, ignorado e subestimado, mas que está atento, tanto às regras de comportamento dos patrões como aos deslizes que apenas confirmam as regras (e que também existem na cozinha e nos aposentos de baixo, evidentemente).
Há uma etiqueta, uma conduta. Ou melhor, uma moralidade silenciada, mas partilhada e reconhecida por todos. Os criados são os que fazem tudo funcionar. Dentro de seu reino, eles têm suas próprias distinções (adoro quando a governanta entra em conflito com a cozinheira, quando as fronteiras e as jurisdições são testadas e reafirmadas: na cozinha, manda a cozinheira). E é interessante ver como a autoridade não reside necessariamente onde deveria estar, onde nominalmente seria lógico encontrar, em uma casa altamente hierarquizada. O senhor assassinado é o chefe nominal, mas quem governa de fato em certas situações são os criados, ou é sua esposa (a linda Kristin Scott Thomas). Como os Lele do Kasai, na distante África Central, perto do rio Loange. Há todo um desenrolar simbólico que garante que o sistema funcione, fique em equilíbrio, que as autoridades não se excedam.
E os criados se alimentam dos acontecimentos “de cima”, na forma de fofoca (já alertava Norbert Elias para o valor da fofoca na sociedade inglesa), reproduzem hierarquias (a cena em que a criada da baronesa tem que mudar de lugar na mesa, porque desde-quando-o-titulo-de-barão-é-mais-importante-que-o-de-conde, é magnífica) e alimentam (literal e metaforicamente) por sua vez os "de cima”.
Alguns detalhes são preciosos, como quando Altman nos mostra que os criados convidados não têm nomes. São referidos pelo nome de seus patrões.
E quem, ou o quê faz a ligação entre os dois mundos? Acho que é o personagem de Ryan Phillippe, o ator que se finge de criado para pesquisar sobre seu novo papel no cinema. Ele, de alguma maneira, não pertence. Sobressai. Mesmo antes de sabermos que ele é um ator, há algo de errado, algo de misterioso. Tenta se comportar como um criado, mas não tem o hábitus; em alguns momentos interage como um igual “aos de cima”, mas não tem o capital simbólico (estou sendo bem Bourdieu, mas acho que cai como uma luva aqui). Ele é o trickster de que fala Lévi-Strauss e Leach. A figura anômala que desafia as classificações, apenas para unir os pólos. Ele é a impureza que explicita a regra, para lembrar também da minha pesquisada.
Quando o personagem se revela quem ele de fato é, o mal-estar não é superado. Pelo contrário, é exacerbado. Ele participou de coisas que não deveria. Ele esteve no âmago da regra – que deve ser partilhada, mas nunca expressada explicitamente. Altman, claro, sabe disso, como vemos na fala de uma criada, quando o ator-antes-criado reclama do tratamento que passa a receber: “você não pode pertencer a ambos os lados”. Mas ambos os lados fazem parte de um sistema. Entretanto, os segredos não podem ser pronunciados, tornados públicos. Eles têm que ser descobertos, desvendados, fofocados.

O filme é espetacular. O que o Altman faz com as câmeras, que não seguem os diálogos, transmite uma sensação de espontaneidade que deveria - mas não é - desconfortável. O que é verossímil.
No próximo post vou usar como ponto de partida a personagem Elsie, a criada que tem um caso com o senhor da casa e é protagonizada por Emily Watson, para falar de outra coisa. Ou melhor, sobre uma pessoa.

segunda-feira, abril 02, 2007

Orkutcidio

Caralho, como tem maluco nessa porcaria de orkut...
Malucos conhecidos e comprovados, que agora podem dar vazão ao voyerismo esquisito deles.

Curtas da setima arte

Agora tenho os meios de fazer meu curta!! Ela é linda, pequena e levinha - tô adorando!
Por falar em curta, arrumei um trampo de runner num aqui! Vamos ver do que se trata... estou entusiasmado!

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Assisti hoje, na casa da Mila, Napoleon Dynamite, filme estranho, mas que me deu tanta nostalgia dos anos 80... principalmente da parte triste. A trilha é ótima também, com músicas que não ouvia há uns 15 anos! Recomendado.

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Apenas hoje descobri que o Altman não está mais entre nós... que tristeza.