quarta-feira, abril 11, 2007

"A life less ordinary"

Ultimamente tenho assistido bastante os seriados britânicos, excelentes. Depois que você se acostuma com o ritmo e o humor diferentes, não há como não admirar algumas séries, brilhantemente escritas, dirigidas, editadas e conduzidas. E claramente com um orçamento muito pequeno.
Super produções aqui não são comuns. Então pra vender uma idéia... bem, ela tem que ser boa mesmo.
Peep show é muito bom, com atores fantásticos. Já falei um pouco dele. E agora estou viciado em The Office. Nada da besteira americana homônima pela NBC. O britânico foi o The Office original, produzido no começo de 2001 pela BBC e depois ridicularizado pelos anglo-saxões do Novo Mundo (e adaptado na França, na Alemanha, no Canadá e no Brasil - os aspones). O seriado é basicamente sobre o dia-a-dia nada glamouroso (e nada interessante) de um típico escritório 9-to-5. Uma empresa de papel, pra ser mais preciso.
As pequenas coisas irritantes que o seu companheiro de cubículo faz, as piadas sem graça que devem ser escutadas, as saídas totalmente embaraçosas com o “pessoal do trabalho” no final do expediente, em nome de uma camaradagem fabricada, quando no fundo você simplesmente quer voltar pra casa e assistir tv e ficar com sua família... tudo isso é contado de uma maneira muito sutil, mas nada sensível.
As coisas que a pessoa sabe que o outro sabe, mas permanece não dito, porque "quem sabe não são assim de verdade?" O cara que é apaixonado pela colega, que tem um namorado que claramente não a merece; as situações desconfortáveis geradas, os silêncios pesados que te fazem ter vontade de falar qualquer besteira ou sair correndo desesperado; a moça que é comprometida, mas não gosta que o seu admirador finalmente se resolva com uma outra mulher porque finalmente descobriu que ele é um bom partido justo quando não está mais disponível (e não pode fazer nada, porque afinal ela é sua amiga e tem que deixá-lo ficar com alguém que o faça feliz)... e principalmente, aquele seu chefe que pensa que é um grande motivador e camarada, mas que pode ser uma figura de autoridade quando necessário; que acha que é engraçadíssimo, é extremamente convencido e egocentrado e usa seu poder para impedir as pessoas de discordar, e acha que é seu amigo porque uma vez por bimestre sai com todo mundo pra tomar um chope e contar piadas sobre sexo, mas não sabe quando foi longe demais com a baixaria. Sempre preocupado em ser politicamente correto, até soltar alguma pérola e ficar claro que é tremendamente reacionário - e ao tentar consertar apenas piora as coisas.
Tem tudo isso (incrível como meio disso, amizades são feitas). E sempre contado de uma maneira que parece muito com o que realmente deve ser a vida maçante em um escritório. E de uma maneira que as pequenas coisas fiquem muito engraçadas em sua vergonha.
O dvd tem extras com as usuais cenas deletadas e algumas entrevistas. Adoro quando os diretores (Ricky Gervais, um deles, é o chefe), ao serem perguntados por quê alguém tão tosco e incompetente não é despedido eventualmente, falam “se você for no estúdio da BBC você vai ver dezenas de pessoas que não sabem o que fazem e não são despedidas”; acho que esse mito da eficiência privada em contraposição ao funcionalismo público é besteira. As decisões são muito mais arbitrárias e decorrentes de alguns caprichos do que se admite.
Mas o seriado é muito consciente da critica que faz através de seus personagens.
E, pra meu desespero, me identifiquei com todos. Com o apaixonado platônico que sempre tenta agradar, com o neurótico obsessivo com pequenas coisas, com a controladora, com o maluco, com o cara que simplesmente acha que está pouco se ferrando com toda essa besteira e um dia irá mandar todos à merda e que não pertence ao “sistema” mas continua indo ao trabalho todo dia, e principalmente com o chefe que acha que é mais do que é, invariavelmente se colocando em situações ridículas e patéticas.
Mas acho que aí está o grande mérito do seriado, muito filosófico se for ver bem. Acho que todos são um pouco essas coisas. Eu tento me sentir mais confortável pensando que sou assim apenas part-time.

Um comentário:

Anônimo disse...

Escuta, não ficou claro: você comprou o DVD? Se a resposta for "sim", já aviso que sou a primeira da fila do empréstimo! Se a resposta for "não", mando você praquele lugar (não vale deixar os amigos com água na boca...)!
Saudades de você, Xris. Saudades de tomar cerveja e ver seus olhos ficarem vermelhinhos.
Beijim, Cris
PS1: Adorei o texto sobre o primão Altman.
PS2: Já parou de nevar? Ainda estou esperando a foto.