Isso sempre acontece comigo com letra de música. Às vezes, depois de muito tocar e insistir, ela deixa de ser um mantra e vira algo de fato compreensível. E isso também acontece com a maioria das frases feitas.
Temos, por exemplo, o famoso "o inferno são os outros", aliás, título de música, meio existencialista. Quer dizer, nunca sei precisar muito bem o sentido destas frases célebres ou dos ditados populares (tenho uma amiga que conhece todos e os emprega em momentos bastante propícios, provando que de fato existe uma sabedoria popular por aí e que nenhum mal social já não foi notado e julgado por gerações anteriores). No caso eu acho que significa que os problemas só acontecem com os vizinhos (ou são apenas os vizinhos, em contraposição a si). Quer dizer, isso até a página dois, porque quando queremos reclamamos muito bem dos problemas que parecem ocorrer apenas com nós mesmos e podemos, então, invocar algum outro ditado igualmente lapidar.
Toda essa introdução meio inútil para falar de algo que já havia dito uma vez bem lá no começo do blog, três anos atrás, sobre meu medo de enfrentar a adolescência dos filhos e, pior, enfrentar os pais dos amigos dos filhos.
Algumas semanas atrás eu fui numa festinha de criança, como tem acontecido com assustadora regularidade ultimamente. Lendo alguns posts antigos vi que escrevi muita porcaria, mas algumas coisas ainda valem. Ao me deparar com essa minha confissão sobre meu receio de virar adulto percebi que esse medo continua me assombrando, ainda que eu tenha me acostumado um pouco mais com a idéia. Mas percebi hoje que nesta festinha se concretizaram vários de meus receios em relação aos pais das outras crianças (é bom que se diga que as festinhas dos filhos dos amigos são diferentes das festinhas em que a criança é parente).
Primeiro porque parece que devido ao fato dos filhos terem colegas está pressuposta uma relação entre os progenitores. Mesmo que sejam imbecis que não tenham nada a ver com você. Mesmo que tudo o que as outras crianças façam nunca seja tão bom quanto o que o filho deles realize (ok, isso é básico, mas odeio quem não faz questão de deixar sua opinião reservada). Mesmo que nunca tivessem a intenção de sequer se encontrar se não fosse preciso - e aparentar uma civilidade inexistente ou de mão única.
O estranho é que eu não vi isso chegando. Como se a idéia de existirem pais que educam mal seus filhos fosse algo apenas do noticiário. Como se esse meu medo fosse de alguma forma apenas uma possibilidade ideal - mas irreal. Como se não fosse possível ver tudo isso acontecendo ao seu redor e - pensamento horripilante - achar tudo normal, e entrar à revelia nesta vida de gente grande fazendo exatamente o mesmo que incontáveis outros pais fizeram e que causava apreensão.
E vejam só como são as coisas. Tudo isso porque me lembrei hoje de uma cena maravilhosa do Terra de Ninguém, por conta da última prisão anunciada!
Em plena guerra da Bósnia, um soldado bósnio, lendo um jornal, comenta com outro algo como "você viu que merda está acontecendo em Ruanda?", ao que o outro responde algo como "você está louco?"
Em plena guerra da Bósnia, um soldado bósnio, lendo um jornal, comenta com outro algo como "você viu que merda está acontecendo em Ruanda?", ao que o outro responde algo como "você está louco?"
Um comentário:
Olha, sobre pais e filhos e pais de filhos, não sei. Mas quanto a "inferno são os outros", eu sempre interpretei algo como "todo mundo é ruim menos eu, os problemas são culpa dos outros, não de mim, os outros enchem o saco". Acho que a interpretação diz algo sobre mim....Ainda assim, espero que se meus filhos forem amigos dos seus, nós possamos ser amigos por nós mesmos, e não por eles. Hehe!
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