quinta-feira, julho 03, 2008

Um show. E sobre cigarro


Há cerca de um ano, fui no show desse cara aí.
Estranho, careca, de bigode. Mas extremamente carismático, e um músico apaixonante.
No show, em um clube perto de Camden, ele pulou, suou (e como), gritou, correu, e fumou.
E como fumou. Um cigarro depois do outro, cada vez que terminava uma música. Coisa, aliás, que ele fez nos comentários do The Proposition, filme com roteiro de sua autoria - ele não aguentou aqueles 100 minutos de filme sem um trago, e foi embora fumar.
Em meados de junho a Inglaterra estava prestes a entrar nessa onda de cerceamento politicamente correto anti-tabagista. E o senhor caverna fez questão de passar um sermão e se posicionar a respeito. A Europa (ok, como lembrou minha linda orientadora ainda hoje, Inglaterra não é Europa, mas enfim...) vem sendo palco desta discussão (e esperem só que isso ainda chega aqui!) sobre os direitos, os deveres, e a constituição de comportamentos públicos que, para quem lê Foucault, lembra demais o processo de disciplinarização dos sujeitos e seus corpos (e, claro, de uma certa doxa partilhada), no século passado.

Seja o ato de fumar, ou a criminalização dos sites pró-anorexia, parece haver a imposição de um modelo de cidadania e de normalidade que é pautado pelo argumento "o que é saudável" (veja a campanha Oswaldo Cruz), enfiado goela abaixo, em contraposição ao discurso da escolha e livre-arbítrio. E nem entro no mérito de se estas medidas são corretas (algumas vezes?). O fato é que estes desviantes são cada vez mais relacionados com certas características consideradas patológicas. São, neste sentido, considerados quase doentes (e então não-responsáveis por seu vício) e, o que talvez seja mais assustador, potencial fonte de contaminação de outrem e fardo para uma tal sociedade (e vão aí também os obesos e outros grupinhos mais - e o que dizer dessa lei seca?).
Agora, cigarro é um artefato cultural de extrema importância no cotidiano inglês - o que é considerado ser inglês. E talvez mais como no caso francês, e menos no caso alemão, essa proibição não vem sem questionamento (vi muita gente mandando às favas o controle e fumando mesmo). Bem, lá eles tendem a ser legalistas. Mas antes disso, eles acreditam em regras com que eles concordem. O certo e o legal não são conceitos que necessariamente se sobrepõem por lá. E isso é interessantíssimo. Claro que exagero, mas esse é o discurso êmico.

Aliás, questão interessante, nesta mesma lógica P.C. que eleva o multiculturalismo inglês (sobretudo londrino) a um patamar que deve ser defendido com unhas e dentes: gostaria de saber como se dão as negociações dessa disciplina quando tais pressupostos entram em choque com outros que teoricamente são igualmente soberanos. Pois, se não se pode impedir a prática de atividades culturais consideradas imprescindíveis de um grupo, como conciliar tais diretrizes? Há um debate sobre onde termina a liberdade de expressão e a incitação ao ódio, ou ainda sobre o uso da burka neste tempo de terrorismo. Falo tudo isso porque os londrinos donos de cafés árabes tentaram argumentar que a proibição da shisha fere uma das bases da sociabilidade mulçumana. E então, qual princípio sai vitorioso?
E não me acusem, por favor, de paladino da nicotina ou da bebedeira! Me preocupa apenas o que está por trás do processo.
Bem, viajei e não falei do show, que foi muito bom. Mas ficam fotos do líder das sementes maléficas.

Um comentário:

cris disse...

nossa, chris!
layout legal!