sexta-feira, junho 13, 2008

Jingle dos infernos

Não sei porque hoje me veio uma musiquinha irritante na mente (será a data tenebrosa?). Sabe daquela que gruda nos seus neurônios, vem das trevas do inconsciente e toma sua mente de assalto para não mais largar? E, como o soluço (esse outro fenômeno fisiológico misterioso), só se vai quando você desiste de tentar matar a dita cuja.
Pois é, dessa. Aliás, eu nunca vi nenhuma explicação sobre porque essas músicas surgem, ou porque elas persistem. Quer dizer, fora o Paulo Coelho, mas com o argumento extraordinário-psíquico-místico, em As Valquírias, ou em Diário de um Mago... um desses (sim, eu lia bastante o imortal da nova era). Algo como a mente em desequilíbrio, ou a mente desconcentrada.
De qualquer maneira, voltando à música. Não é um Bon Jovi, ou uma Bonnie Tyler, ou mesmo uma ABBA - alguns dos campeões do grude. Mas o jingle do Bom Dia São Paulo.
Era o "vamo embora, vamo embora, tá na hora, vamo embora, vamo embora"... que ouvi toda manhã por mais anos do que eu quero lembrar.

E junto com a lembrança do refrão, veio a memória de todos aqueles anos de escola ao raiar do dia.

Nunca gostei de acordar cedo, mas até o terceiro ano do colégio (com exceção do segundo, quando estudei à tarde - e dormia na aula, vai entender...), não tive muita escolha. Como se já não fosse bastante desagradável entrar na sala às 7:00 (os piores anos foram durante minha sétima e oitava séries, quando estudei num legítimo vale, ali perto da lagoa do Taquaral, onde até a segunda aula você não via mais que 10 metros à sua frente por conta da neblina), eu tinha que acordar especialmente cedo, porque desde que me conheço por gente, só fui para o colégio no esquema rodízio-de-pais (partilha da miséria), o que significava várias paradas nas casas de colegas antes de chegar na Bastilha.
E não sei porque cargas d'água, todo pai descontava a frustração de ter que cumprir com seu dever parental - numa hora em que nenhum ser vivo decente e temente à Deus deveria estar acordado - ouvindo o bendito programa, com as notícias que só interessam aos pais (partindo do pressuposto de que não nos faziam ouvir aquilo simplesmente como retaliação por todo o trabalho que lhes dávamos). Nada de The Cure, ou Smiths (em algum momento dos 80), ou U2, Information Society, Titãs ou Paralamas (em outros momentos), ou ainda Nirvana e Pearl Jam (sim, porque isso se arrastou até os 90). Não, eternamente minha trilha sonora para a escola foram as notícias sobre impostos, sobre corrupção na política e sobre os problemas da segurança pública. Invariavelmente e sem exceção.
Não fosse a CBN, ou coisa que o valha, bem poderia ser uma marcha qualquer de pelotão de fuzilamento. Não faria muita diferença.
Eu acho que minha ojeriza aos noticiários vem bastante daí.
E esse "vamo embora, tá na hora"... que desespero! Já está na hora de correr? Tão cedo? Que stress! "Vai vagabundo, faz alguma coisa que você já está atrasado, não importa o que você faça", poderia ser o segundo refrão.
Sempre aquele equilíbrio delicado entre o sair o mais tarde possível, dormir mais alguns poucos minutos (com seus pais ficando nervosos e já tirando o cobertor à força), e depois o correr, antes que o portão se fechasse. E que lógica horrorosa - me fazer ficar ansioso por chegar a tempo, quando o que eu mais queria era perder o sinal e jogar fliperama, ou voltar para a cama! Percebe o elemento esquizofrênico, percebe?
Sempre que ouvia o jingle infernal me sentia miserável, me dava uma sensação de sufocamento, de opressão, como se uma sentença me estivesse sendo anunciada. Seu dia nada mais será que um desdobramento de sua manhã. E nada mais.

E eu que pensava que essa neurose com o tempo fosse exclusivo dos meus anos de universidade...

5 comentários:

Waldemar disse...

Oi, Chris.
Li seu blog quando você escreveu sobre viver "de graça" em Londres. Achei muito legal e li de novo essa semana.

Vi minha infância quando você falava sobre a angústia de acordar cedo para ir à aula. Eu moro no Rio de Janeiro, o que facilitava um pouco, já que não faz tanto frio, mas também acho desumano cobrar lucidez de um ser humano às 7h.

A minha tortura e trauma que levarei para a vida era ouvir um programa de músicas do Roberto Carlos, o qual meu pai ouvia quando me levava ao colégio. Quando ouço alguma música do "rei" eu fico com uma aflição enorme, digna de Pavlov.

Gostei muito de seu blog. Parabéns!

Anônimo disse...

Oi Waldemar!
Como não consegui acessar seu perfil, ou blog, respondo aqui.
Eu não tenho lá boa auto-estima quando se trata do que escrevo (o que, como vc pode imaginar, causa dificuldades na manutenção de um espaço "público" de escrita e reflexão...), apesar que foi exatamente esse tempo que vivi em Londres que me fez relativizar um pouco isso. Lá as pessoas não costumam ter muitas papas na língua e, o que é fundamental, as pessoas não levam as críticas pro lado pessoal como ocorre por aqui. Mas eu ainda estou tentando me resolver com isso, então agradeço os elogios!
Puxa, mas fiquei pensando no seu trauma do rei... hoje em dia acontece um certo resgate da obra do Roberto (claro que ele sempre teve e sempre terá um fiel séquito, mas falo dos novos fãs), meio que na onda da renovação da black music e o ressurgimento de gente como Jorge Ben, Tim Maia, e por aí vai. Meio como uma coisa "de raiz", dos primórdios, da origem, que o pessoal hype acha cult gostar. E nem falo tanto como crítica, porque costuma ser música boa... mas é interessante pensar nessa revalorização.
Enfim, voltando ao RC: algumas músicas são realmente boas, mas ouvir todo dia de manhã, indo pro colégio não deve ser benéfico ao espírito!
Permita-me um pequeno causo... Semana passada fiquei vários dias num hotel em Porto Seguro. Vali-me da estratégia de comer como um boi no café da manhã incluso pra economizar no almoço, então posso dizer que passei certo tempo no restaurante do hotel (acordando extremamente cedo, aliás, pra ir para um congresso). E não é que eles colocavam o cd do "best of" do Roberto e deixavam tocando?! Alguns dias foi Ray Conniff (em algumas fases, irmão estrutural do Roberto) mas o que mais marcou e o que mais acompanhava esse momento esquisito, que é tomar café com pessoas que você não conhece, morrendo de sono e se preparando pra trabalhar, foi o RC mesmo.
E, olha, uma semana foi tempo suficiente, viu?!

mmm, acabei escrevendo um quase-post por aqui...

Abraço Waldemar! Apareça quando quiser!

Chris

Waldemar disse...

Oi, Chris!

Eu não tenho blog, por isso que você não achou.

Acho interessantes essas sensações que as pessoas apresentam quando estimuladas. O que mais me marca são os cheiros. Tenho reações das mais diferentes quando sinto cheiros que marcaram minha vida. Não obstante, o mesmo acontece com a música.

Esse "trauma" com o Roberto Carlos é muito engraçado, pois no começo eu passei a odiá-lo, já que fazia uma ligação direta daquela terrível sensação com suas músicas. Eu era pequeno e falava para o meu pai que odiava o Roberto Carlos. Ele não entendia como alguém pequeno e sem conhecimento musical poderia afirmar de forma tão veemente uma repulsa.

Outra música que me marcou negativamente foi a nefasta "morango do nordeste". Eu estava fazendo um processo seletivo e fiquei umas 4h sentado num banco de madeira, ao sol, esperando ser chamado para uma entrevista. A trilha sonora era essa música. Pelo menos ela não é tocada tanto quanto o Roberto Carlos.

Você é antropólogo, não é? Eu estudei Ciências Sociais, mas não terminei o curso. Acabei me formando em Publicidade, mas meus poucos trabalhos foram voltados para a Antropologia.

J. disse...

Chris, excelente! Eu me vi nesse relato. Já é uma violência contra um ser adulto ter de acordar sem que seus olhos se abram naturalmente, imagine fazer isso com criancinhas. Essa lógica disciplinante realmente cria/criava monstros. Beijo, querido!

Anônimo disse...

Waldemar,

Estranho, não? Todo mundo fala da associação do cheiro com a memória, mas pra mim isso acontece mais com música mesmo...
Agora, eu fui atrás da sua música, porque num primeiro momento não lembrava não! E é bem dessas que grudam, não?!
Música que atola na cabeça...
Mas ela não traz pra mim más lembranças não... eu associo com umas festas que aconteciam na moradia ou na universidade. Mas bem "pano de fundo", nada muito marcante (ainda bem).
E os adultos subestimam a capacidade de percepção do mundo das crianças mesmo. O que é estranho, porque desde Freud já se sabe que os piores traumas surgem bem cedo...
Abraço!

Querida Ju:
Sempre amo quando vc aparece por aqui!! E verdade, essa lógica só tende a criar pessoas frustradas...
Ah, a propósito de listas... eu sou maníaco por elas! Será que isso só, além das listas em si, é revelador de alguma coisa?
Beijos dear!