Continuação da nova série Flushbacks from hell.
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Resolvi contar agora uma história que se passou em Barcelona, no final da década de 90. Não lembro exatamente em que ano, mas foi no mês de julho, verão na Europa.
Eu fui meio deprimido pra essa viagem, porque tinha acabado de terminar com minha namorada maluca da época e ela estava me odiando. Eu sou muito bundão, fico realmente mal quando alguém fica com raiva de mim, e, apesar de ter sido eu a querer terminar e, portanto, ter que lidar com as devidas consequências, não esperava ficar tão chateado.
Bom, novamente fiquei na casa da Paula, que nessa época dividia um apartamento com 3 portugueses na calle Casanova, na Eixample, bem no coração de Barcelona e na frente de um hospital, que voltará a aparecer depois nesta história.
Durante as primeiras semanas eu tive certo sucesso em espairecer e me divertir. BCN no verão é demais, tem muita coisa pra fazer e ocupar a cabeça. Bom, antes de continuar o relato, é importante fornecer uma informação. A Paula, nesta época, ainda pensava em voltar para o Brasil, e tinha um namorado de não sei quantos anos, esperando por ela aqui. Mas o dito cujo morria de ciúmes de mim. Por este motivo, ele não poderia saber nem em sonho que eu estava na casa dela. A Paula nunca deixava que eu atendesse o telefone, para o caso de ser ele ligando, coisa que fazia constantemente. Passei o mês incólume, mas 5 dias antes de voltar ao Brasil e 2 antes da Paula se mudar (iria ajudar na mudança), não é que eu atendo o telefone e é o cara? (é o que dá baixar a guarda. O destino te lembra da crueldade do plano divino com um tapão doído na orelha). Pronto, fez-se a celeuma. A Paula ficou muito tempo tentando contemporizar (o cara era meio melodramático mesmo, não Pá?), e eu, contagiado pelo clima dramalhão, fiquei de bode e resolvi ser dramático também. Desci, fui para a rua e liguei para minha ex no Brasil. Ah, os mistérios do espírito humano...
Claro que foi uma péssima idéia. O que eu esperava? Impressioná-la, fazendo-a acreditar que ela ainda era importante para mim para eu ligar do nada do outro lado do oceano? Mas se fosse o caso, porque meu Deus, porque? E porque de forma tão ridícula e humilhante? Que eu soubesse, eu tinha terminado porque não queria mais nada com ela (depois conto outra história relacionada, em outro momento da série). Acho que foi minha maldita necessidade de agradar a todos e fazer todos gostarem de mim. Não suportava a idéia de que alguém me amaldiçoava em segredo (depois isso passou, como contarei nesta outra história).
Você vê que catzo de novela eu criei, não? Os mexicanos que me perdoem, mas era uma novela mexicana ainda por cima. O primeiro estágio pós-tragédia foi a choradeira. Eu no orelhão (bom, na Espanha não é exatamene orelhão) e a Paula no apartamento. Depois foi o abatimento (quando ambos fomos comer até explodir). E por fim a fase do foda-se. A Paula e os portugueses já tinham pensado em fazer uma festa "aberta ao público" para se despedir do apartamento, então nos concentramos no divertimento que teríamos. Ah, não contei, mas o apartamento era enorme! Tinha uma sala gigantesca, com um balcão maravilhoso!
Ficamos o dia seguinte inteiro preparando a festa. Uma parede decoramos com umas capas de revistas Time que o dono do apê tinha deixado lá. Em outra parede, colamos copinhos de pástico com pirulitos (vai visualizando). E em outra, as multas de trânsito do David, um dos portugueses - o mais estranho. Ele tinha um corsa proveniente da terrinha, mas por algum motivo as multas que recebia em BCN não chegavam pra ele. Então ele sempre estacionava em local proibido. Pelo menos umas 2, 3 multas por semana. Ele tinha guardado com certeza mais de 100, e quase conseguimos cobrir uma das paredes com elas. Caso tudo pareça meio inverossímel e fantástico, tenho fotos que comprovam o absurdo.
Bom, apareceram as figuras mais bizarras das ruas barcelonesas, como você poderia esperar de uma festa aberta. O apartamento ficou irreconhecível, mas foi muito divertido. Eu já tinha enchido a cara na festa, mas depois que esta acabou e eu fiquei sozinho (nem sei onde foram parar todos), encontrei uma garrafa de vodka praticamente intacta. Depois de uns goles do troço, achei uma garrafa de suco de laranja e fiz uns hi-fi improvisados. Bom, sabe aquele estado de espírito meio suicida, que no fundo é uma mistura de auto-comiseração e uma tentativa de fazer alguém te dar cafuné? Pois é. Depois da palhaçada dos telefonemas, estava exatamente assim. Bebi a garrafa inteira. Quer dizer, acho, porque em um certo momento só tenho flashbacks (esses realmente são flush). Lembro da Paula tentando me carregar, o David ligando pro hospital e mais nada.
Acordei com soro no braço, um médico com uma daquelas caneta-lanterninha dilatando minhas pupilas, e me perguntando (en català, claro) o que eu tinha tomado, se eu tinha tentado me matar, onde eu morava, etc. Eu estava descalço, sem camisa e com uma bermuda parcialmente vomitada. E nem sinal da Paula, que tinha ido trabalhar.
Me deram alta (mais me expulsaram na verdade) e me jogaram na rua com duas toucas de banho para eu pôr nos pés (ainda visualizando?!). Eu estava no hospital da frente da casa da Paula, mas estava tão desorientado que nem percebi isso. Sentei num banco da praça, na entrada do hospital, e fiquei. Não sei quanto tempo, no sol fritante da Catalunha. Até aparecer a Paula, eu me atirar nela e irmos cambaleando até o apartamento logo do outro lado da rua.
Fiquei todos os dias restantes da viagem enjoado. Por anos era só eu lembrar do gosto de vodka que logo me arrepiava e o meu estômago embrulhava.
Terrível? Sim. Mas foi também por causa desse coma alcólico que eu ganhei minhas primeiras flores. A Cláudia, a única portuguesa do trio que morava com a Paula, gostava de mim e ficou com pena do zumbi com imensas olheiras que voltou para casa naquele dia. Me deu um ramo de umas flores que desconheço o nome, mas foram as mais lindas que já vi. Deu também um beijo maravilhoso que, se não curou a ressaca, me ajudou a não amaldiçoar completamente o dia em que a causei. Ela foi muito legal comigo realmente. Ela era muito simpática e também linda - era modelo em BCN. Esqueci da maluca e voltei contente, borratxo, pro Brasil.
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