quinta-feira, fevereiro 15, 2007

Once Upon a Time in Almeria - editado


Uma das coisas que me faz passar o tempo aqui é assistir filminhos. Comprei alguns da Virgin por 3, 4 libras (quase o mesmo preço de alugar um). Há vários na minha listinha, que irei comprando aos poucos. Mas a grande aquisição até agora foi a Trilogia dos dólares do Leone.
São versões re-masterizadas de A Fistful of Dollars, For a Few Dollars More e The Good, the Bad and the Ugly.
O trabalho de tratamento da imagem, a transformação do formato Techniscope para a película moderna, a recuperação do som, em estéreo; tudo é impressionante. Os extras também, com entrevistas e material inédito, valem a pena.
E os filmes são impressionantes. Cada um em si e vistos em conjunto. Separados por um ano cada (tendo A Fistful sido lançado em 1964), a evolução da técnica de Leone em questão de dois anos é algo de assombroso.

No primeiro estão as inovações. Em estado bruto, meio tosco. A produção também, de baixo orçamento (Leone tentou contratar Charles Bronson, Henry Fonda, Lee Marvin e James Coburn, antes de finalmente convidar o então desconhecido Clint Eastwood, que trouxe sua própria roupa, chapéu e arma de Rawhide para atuar), não tem a grandiosidade dos demais filmes, especialmente The Good... ou em Once Upon a Time in the West. Entretanto, tem todos os elementos do épico, gênero que o diretor romano trouxe aos filmes de western.
O vilão superlativo, o herói que tem que passar pela provação, o embate que está acima do enredo. A coragem e a ousadia, surgidas na grandiosidade do épico. Está tudo lá. O herói, misterioso, sem nome, sem falas. E quase sem moral, sem justificativas. O vilão, protagonizado maravilhosamente pelo excelente Gian Maria Volontè (curiosamente creditado como John Wels), contrasta perfeitamente nesta história em que um trickster (para lembrar de Lêvi-Strauss e de Leach), a anomalia, herói ambíguo, aparece em um Romeo e Julieta transladado para o México e filmado na Espanha por uma equipe italiana – “right in the middle”, como diz o personagem, de duas famílias que disputam o poder de uma cidade-morta, que não significa nada, além de servir de palco para a rixa.

Já em For a Few Dollars More, os elementos do universo Leoneano já se tornam mais explícitos. O mundo continua amoral, mas agora temperado com uma amizade, estranha é verdade, entre o herói sem nome e um novo elemento – o fantástico Lee Van Cleef, que também não foi a primeira escolha do diretor ao papel.
Aqui o vilão, novamente Gian Maria (Leone não tinha nenhum problema em re-escalar os mesmos atores para diferentes papéis), agora é absolutamente mal, psicopata inclusive (e, pasmem, fumador de maconha).
Há algo que corre de fundo nos filmes de Leone, uma certa critica à igreja – ou melhor, à moralidade humana – que já existia no primeiro filme (Marisol, a mocinha, obviamente é uma alegoria de Maria, madona e mãe, separada de seu filho Jesus e de seu marido José pelo vilão). Mas em For a Few Dollars More, este cinismo participa mais vivamente da caricatura estilizada da história. Como na cena em que Gian Maria sobe ao púlpito, não para pregar, mas para explicar seu plano de como assaltar o banco. As imagens católicas, o sino, os anjos (até mesmo a Última Ceia), são todos símbolos barrocos no filme, pano de fundo envelhecido deste limbo esquecido por Deus.
Aqui também outra marca de Leone surge: as tomadas fotográficas e panorâmicas, com a paisagem infinita, contrastando, na mesma cena, com close ups extremos. De atores com expressões únicas, estranhas, significativas. Todos os atores viram arquétipos de algum tipo humano, todos são passíveis de critica. Não é a toa que Klaus Kinski foi escalado para o filme. E Lee Van Cleef, cujo olhar, segundo Leone, “perfurava a tela”, ganhou o papel.
Neste filme a música de Morricone também encontra seu lugar definitivo na pintura cinematográfica (pintura porque as cores têm papel importante, tanto quanto os sons e a música).

Mas é The Good, the Bad and the Ugly que se transformou realmente em um marco. Do gênero e do cinema. E da minha vida. Lembro das sessões da tarde em que ficava vidrado cada vez que o filme passava.
Agora o herói se dilui mais, entre três personagens. E mesmo o bom continua amoral. Entretanto, com uma certa humanidade contraditória (abandona seu amigo no deserto, mas afaga gatinhos e cuida de soldados moribundos).
A trama se passa em um lugar mais histórico, mais real, ao contrário dos dois outros filmes, a-localizados. A guerra civil serve de pano de fundo aqui (e as trajetórias dos personagens, suas histórias, são como pequenas depoimentos, fragmentados, do grande acontecimento. Tal como Audrey Hepburn e Henry Fonda em Guerra e Paz, tal como Vivien Leigh e Clark Gable em O Vento Levou, a micro-história, ou a história dos bastidores através de seus protagonistas quase-anônimos, tal como poderíamos ver em Robert Darnton ou os autores da Nova História). O horror da guerra sensibiliza todos os três protagonistas em certos momentos – o que não os impede de seguir seu caminho em busca do ouro e deixar tudo e todos para trás. Mas há tempo para uma reflexão sobre a futilidade.
Os personagens continuam saídos de um quadro expressionista (Lee Van Cleef, para Leone, era a expressão de Van Gogh), como na cena em que Tuco, protagonizado de maneira espetacular por Eli Wallach, encontra seu irmão, um padre. A construção do set, a tomada, os rostos, parecem saídos de alguma cena religiosa pintada por Kokoschka.
E, um dos elementos máximos, o clímax dos personagens – cujas trajetórias se entrecruzam por todo o filme, apenas para culminar em um confronto final – é filmado genialmente na cena do duelo no cemitério. O círculo no centro (já presente em For a Few Dollars More), rodeado por túmulos esquecidos, marca o final da interação (e o filme é realmente o mais interacionista dos três) desta história em conjunto, da trajetória dos três homens que foram reunidos fortuitamente para o desenlace inevitável. Trata-se do palco último, a arena derradeira. Não poderia acontecer diferente, é o que apreendemos. Toda a história leva para a conclusão de que há um significado por trás de tudo, seja ele qual for.

É para ver, rever e sonhar novamente, sempre encontrando novos elementos; para quem gosta de cinema bem feito, que tenta contar algo maior que o enredo, a história, algo maior que a vida. Há muito a se dizer sobre a música ainda, sobre a grandiosidade da tragédia humana encenada, sobre as técnicas de dublagem (italianas, bem verdade), e sobre Once Upon a Time in the West e in America. Mas isso fica para outra vez...

Um comentário:

Anônimo disse...

Comprei exatamente este pôster hoje!!