Habitavam, no campanário de um casarão muito antigo e luxuoso, não tão afastado do centro da cidade, um velho fantasma, um vampiro e um enorme cão. O cão não era propriamente de nenhum dos outros dois, mas chegou ao campanário mais ou menos na mesma época que o vampiro. O fantasma já morava na casa desde quando ela ainda era relativamente nova. E isso faz muito tempo.
Eles não moravam exatamente na campanela, lá só entravam para descansar durante o dia. Ficavam a noite inteira no telhado conversando e filosofando. Quando digo filosofando, é exatamente o que faziam lá em cima. Não que discutissem sobre os desdobramentos neo-platônicos da literatura filosófica, mas conversavam sobre o significado das coisas que conheciam - da época em que eram mortais e sobretudo sobre as coisas que aconteciam durante suas pós-vidas. Na verdade tratava-se de uma filosofia muito especial, pois a maioria dos tópicos girava exatamente nas reflexões sobre-naturais, não da vida em si. Seja lá quais são exatamente as preocupações de quem não está mais vivo, os dois pensavam muito a respeito.
De qualquer maneira, era o que faziam lá em cima. O fantasma não saía quase nunca, o vampiro apenas o tempo necessário para se alimentar eventualmente, e o cão ficava a maior parte do tempo deitado com a cabeça por cima das patas dianteiras apenas movendo os olhos na diração em que estavam seus companheiros.
O campanário era exageradamente alto. O cume ficava a dezenas de metros de altura, emergindo do coração da casa como uma enorme lança que a trespassou e que parecia também desafiar o bom-senso da engenharia. O curioso é que, a despeito do lugar que os três passavam a maior parte de suas noites, o vampiro sofria de vertigens fortíssimas. Tinha que ficar se concentrando todo o momento para não olhar para baixo nas noites em que subia ao telhado. Essa era a principal razão porque o fantasma parecia ser melhor sucedido nas elocubrações que faziam e ganhava a maioria dos debates que constantemente empreendiam.
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