Amanhã vou pra roça. Fico 1 semana sem internet, sem telefone, sem jornal, sem tv! Ainda não sei se isso é bom ou ruim...
Arrivederci!
terça-feira, dezembro 27, 2005
segunda-feira, dezembro 26, 2005
Sobre crianças e pássaros histéricos
Às vezes me pergunto que tipo de pai eu seria...
No prédio da frente há um playground comunitário. Coisa que, por mais que eu reclame da falta de espaços comuns no meu prédio (pelo menos um salãozinho...), dou graças de não ter aqui. Até me diverti quando levei minha afilhada para brincar no escorregador, mas ficar apenas ouvindo de longe, diariamente, os gritos, os berros e o inevitável choro, me dá angústia.
E os gritos... ah os gritos... Não estou exagerando ao dizer que tem horas que não sei quando é uma criança feliz, quando é uma criança em pânico ou quando é um gato. Na verdade gata. Tem umas duas gatas que ficam na rua perto de casa. À noite, ou de madrugada, quando elas estão no cio, começa a sem-vergonhice e o suplício. E eu acordo assustado pensando que estão cometendo um infanticídio em algum lugar. E já aconteceu o contrário também. Eu achar que algum cachorro abocanhou um gato (estou ficando com trauma disso), mas é uma criança esvaziando todo o ar do pulmão com algum urro grutural, tão alto que chega ao Valhala...
Por um tempo achei que uma nova criança (porque ESSE som definitivamente não é de uma gata), tinha se mudado para perto de casa. Era um grito muito mais sofrido, alto, e rítmico. E é ouvido, normalmente, no final da tarde, quando de fato as crianças estão no tal playground. Mas esse sim parece o som de alguém sendo torturado.
Foi só outro dia que descobri que este mogli do Cambuí na verdade é uma cacatua. Ou um papagaio, sei lá. Isso explicou a coisa, mas fiquei pensando no tipo de pessoa que tem uma cacatua no apartamento... será a mesma que colocou um papai noel de 2 metros na varanda? O casal neuras (os que vivem se estapeando)? A que tem todas as luzes vermelhas, parecendo um bordel?
Pensei também na minha incapacidade de distinguir precisamente alguns sons, agrupando todos eles numa categoria "martírios sonoros"... será algo idiossincrático?
No prédio da frente há um playground comunitário. Coisa que, por mais que eu reclame da falta de espaços comuns no meu prédio (pelo menos um salãozinho...), dou graças de não ter aqui. Até me diverti quando levei minha afilhada para brincar no escorregador, mas ficar apenas ouvindo de longe, diariamente, os gritos, os berros e o inevitável choro, me dá angústia.
E os gritos... ah os gritos... Não estou exagerando ao dizer que tem horas que não sei quando é uma criança feliz, quando é uma criança em pânico ou quando é um gato. Na verdade gata. Tem umas duas gatas que ficam na rua perto de casa. À noite, ou de madrugada, quando elas estão no cio, começa a sem-vergonhice e o suplício. E eu acordo assustado pensando que estão cometendo um infanticídio em algum lugar. E já aconteceu o contrário também. Eu achar que algum cachorro abocanhou um gato (estou ficando com trauma disso), mas é uma criança esvaziando todo o ar do pulmão com algum urro grutural, tão alto que chega ao Valhala...
Por um tempo achei que uma nova criança (porque ESSE som definitivamente não é de uma gata), tinha se mudado para perto de casa. Era um grito muito mais sofrido, alto, e rítmico. E é ouvido, normalmente, no final da tarde, quando de fato as crianças estão no tal playground. Mas esse sim parece o som de alguém sendo torturado.
Foi só outro dia que descobri que este mogli do Cambuí na verdade é uma cacatua. Ou um papagaio, sei lá. Isso explicou a coisa, mas fiquei pensando no tipo de pessoa que tem uma cacatua no apartamento... será a mesma que colocou um papai noel de 2 metros na varanda? O casal neuras (os que vivem se estapeando)? A que tem todas as luzes vermelhas, parecendo um bordel?
Pensei também na minha incapacidade de distinguir precisamente alguns sons, agrupando todos eles numa categoria "martírios sonoros"... será algo idiossincrático?
sábado, dezembro 24, 2005
ho ho ho
Pois é, hoje fui no shopping (aquele que dizem que é o maior da América Latina, como se isso fosse boa propaganda). Pior que nem precisava comprar nada! Antecipando o inferno que seria uma ida para lá nessa época, fiz minhas parcas compras ainda no começo do mês. Mas meu pai precisava comprar algumas coisas ainda. Então fui com ele e meu irmão, para aproveitarmos e pegar um cinema também.
Fomos ver King Kong! Que eu gostei, mas gostaria mais se tivesse metade do tempo que tem e com o corte de umas cenas nada a ver. Que filme comprido! O Peter Jackson não pode fazer filme com menos de 3 horas? Mas tem algumas coisas muito boas no filme. E mesmo o shopping estando caótico, o cinema estava vaziozinho, vaziozinho.
Mas no final nem foi tão ruim. Ainda ganhei um capuccino da Kopenhagen, que eu adoro!! E pra quem enfrentou o Atacadão no sábado passado, até que foi fácil! Eu havia encontrado a Paula logo ao voltar do Atacadão naquele dia. Ela me perguntou se foi muito ruim e respondi dizendo que havia encontrado seus conhecidos, Virgílio e Dante, e eles mandavam oi! Sem brincadeira, aquilo sim é que é prova de resistência!! Que São Silvestre que nada! Tente manobrar aquele trole-carrrinho-gigante abarrotado de coisas naqueles corredores e depois enfrentar uma fila mais demorada que o tempo que se leva para pegar todos os produtos...
Enfim, no shopping ganhei meu primeiro presente de Natal!! Deliciosas trufas que a cunhada do André faz!!
E chegando em casa, surpresa! Recebi um mail da ML Pratt, me dando um novo presente! Um texto inédito do Stanley escrito por ela!! Claro que fiquei feliz, mas por outro lado... será que isso vai me fazer mudar de projeto de novo?! Eu me conheço...
O Natal está sendo ok por enquanto... dentro em breve enfrentarei um pernil de 8 quilos e uma combinação complexa de comidas natalinas com sushis e sashimis!
Ho ho ho pra isso!
Fomos ver King Kong! Que eu gostei, mas gostaria mais se tivesse metade do tempo que tem e com o corte de umas cenas nada a ver. Que filme comprido! O Peter Jackson não pode fazer filme com menos de 3 horas? Mas tem algumas coisas muito boas no filme. E mesmo o shopping estando caótico, o cinema estava vaziozinho, vaziozinho.
Mas no final nem foi tão ruim. Ainda ganhei um capuccino da Kopenhagen, que eu adoro!! E pra quem enfrentou o Atacadão no sábado passado, até que foi fácil! Eu havia encontrado a Paula logo ao voltar do Atacadão naquele dia. Ela me perguntou se foi muito ruim e respondi dizendo que havia encontrado seus conhecidos, Virgílio e Dante, e eles mandavam oi! Sem brincadeira, aquilo sim é que é prova de resistência!! Que São Silvestre que nada! Tente manobrar aquele trole-carrrinho-gigante abarrotado de coisas naqueles corredores e depois enfrentar uma fila mais demorada que o tempo que se leva para pegar todos os produtos...
Enfim, no shopping ganhei meu primeiro presente de Natal!! Deliciosas trufas que a cunhada do André faz!!
E chegando em casa, surpresa! Recebi um mail da ML Pratt, me dando um novo presente! Um texto inédito do Stanley escrito por ela!! Claro que fiquei feliz, mas por outro lado... será que isso vai me fazer mudar de projeto de novo?! Eu me conheço...
O Natal está sendo ok por enquanto... dentro em breve enfrentarei um pernil de 8 quilos e uma combinação complexa de comidas natalinas com sushis e sashimis!
Ho ho ho pra isso!
quinta-feira, dezembro 22, 2005
Vai chegando o Natal... e a melancolia
Estou solteiro nesse Natal, então resolvi passar uma temporada na casa da minha mãe. Depois de dormir hoje tanto quanto um gato, resolvi tirar um pouco do pó das juntas e músculos e fui jogar basquete. Enquanto caminhava em direção às quadras, fui ficando nostálgico. Lembrei que, há bem uns 12 anos, fazia o mesmo caminho praticamente todo dia com meu primo, para jogar. Ele me ligava, ou então ligava eu, sempre logo depois do almoço. Aí ele passava em casa, eu calçava o tênis, pegava a bola e saíamos.
Logo no final da minha rua, havia uma flamboyant com um galho bem horizontal, que, com um pulo, era alcançado. Tínhamos sempre que nos pendurar no dito galho, felizes, balançando. Era meio um ritual. E já que não conseguíamos enterrar no jogo, pelo menos alí nos sentíamos um pouco Shaquille O'Neal.
No caminho falávamos de tudo. Nunca faltava assunto. Aí chegávamos nas quadras e ficávamos a tarde inteira jogando, conversando "assuntos de homem" com o pessoal que, como nós, iam lá todos os dias. De vez em quando combinávamos com vários amigos de comer cachorro quente na Tia Maria, ou então beber cerveja no Pier 4, ou jogar boliche em algum lugar. Aqueles eram bons tempos.
Nas quadras encontrei dois amigos que fazem parte das figuras daquela época. Um deles está bem, cheio de coisas boas acontecendo na sua vida. O outro continua alegre como sempre foi, mas acabou se ferrando muito no último ano. Tudo porque ele teve coragem de peitar a filha do chefe. É, por um lado eu respeito muito isso. Não leva desaforo pra casa, mesmo à custa do futuro profissional. Não é qualquer um que faz isso. O tal chefe acabou com as perspectivas dele na Unicamp e nas principais universidades paulistas. E não é exagero não, acabou mesmo - pelo menos para o que ele queria fazer. Me dá uma pena...
Sinto falta de tudo aquilo. Até dos machucados e torcidas de tornozelo (foram tantas...) Fico com uma sensação de que algumas coisas... nunca mais. O que é óbvio para qualquer um, mas na verdade eu nunca tinha parado de fato para avaliar essas coisas, que viraram quase um filme super 8 na minha cabeça. As mesmas cores, o mesmo jeito de velho e de bonito. Meio onírico. Claro que tenho outras coisas maravilhosas acontecendo comigo, mas meu lado egoísta, como já disse Freddie Mercury, teima em querer tudo.
Enquanto eu caminhava sozinho para jogar, e depois voltando, agora há pouco, pensei em tudo isso. Me lembra aquele tipo de filme que termina com uns textinhos para cada personagem: fulano virou empresário, ciclana senadora, beltrano foi morar no Tibet...
Meu primo entrou na marinha, depois engordou muito, foi para São Paulo e a última vez que o vi foi no enterro da minha tia, há anos já. Quase todos meus amigos daquela época se casaram e foram morar em outros lugares. Muitos com filhos. A maioria deles não vejo mais do que uma vez por ano, se tanto. Eu fui fazer outras coisas também, mas quando volto para estes espaços de memória e de passado, geralmente fico com a impressão de que só eu faço isso. Com a impressão de que sobrei.
Ah... cortaram a flamboyant.
Logo no final da minha rua, havia uma flamboyant com um galho bem horizontal, que, com um pulo, era alcançado. Tínhamos sempre que nos pendurar no dito galho, felizes, balançando. Era meio um ritual. E já que não conseguíamos enterrar no jogo, pelo menos alí nos sentíamos um pouco Shaquille O'Neal.
No caminho falávamos de tudo. Nunca faltava assunto. Aí chegávamos nas quadras e ficávamos a tarde inteira jogando, conversando "assuntos de homem" com o pessoal que, como nós, iam lá todos os dias. De vez em quando combinávamos com vários amigos de comer cachorro quente na Tia Maria, ou então beber cerveja no Pier 4, ou jogar boliche em algum lugar. Aqueles eram bons tempos.
Nas quadras encontrei dois amigos que fazem parte das figuras daquela época. Um deles está bem, cheio de coisas boas acontecendo na sua vida. O outro continua alegre como sempre foi, mas acabou se ferrando muito no último ano. Tudo porque ele teve coragem de peitar a filha do chefe. É, por um lado eu respeito muito isso. Não leva desaforo pra casa, mesmo à custa do futuro profissional. Não é qualquer um que faz isso. O tal chefe acabou com as perspectivas dele na Unicamp e nas principais universidades paulistas. E não é exagero não, acabou mesmo - pelo menos para o que ele queria fazer. Me dá uma pena...
Sinto falta de tudo aquilo. Até dos machucados e torcidas de tornozelo (foram tantas...) Fico com uma sensação de que algumas coisas... nunca mais. O que é óbvio para qualquer um, mas na verdade eu nunca tinha parado de fato para avaliar essas coisas, que viraram quase um filme super 8 na minha cabeça. As mesmas cores, o mesmo jeito de velho e de bonito. Meio onírico. Claro que tenho outras coisas maravilhosas acontecendo comigo, mas meu lado egoísta, como já disse Freddie Mercury, teima em querer tudo.
Enquanto eu caminhava sozinho para jogar, e depois voltando, agora há pouco, pensei em tudo isso. Me lembra aquele tipo de filme que termina com uns textinhos para cada personagem: fulano virou empresário, ciclana senadora, beltrano foi morar no Tibet...
Meu primo entrou na marinha, depois engordou muito, foi para São Paulo e a última vez que o vi foi no enterro da minha tia, há anos já. Quase todos meus amigos daquela época se casaram e foram morar em outros lugares. Muitos com filhos. A maioria deles não vejo mais do que uma vez por ano, se tanto. Eu fui fazer outras coisas também, mas quando volto para estes espaços de memória e de passado, geralmente fico com a impressão de que só eu faço isso. Com a impressão de que sobrei.
Ah... cortaram a flamboyant.
quarta-feira, dezembro 21, 2005
Cartas periféricas - 2
Culiacán, 14 de agosto de 1970.
Querido Alfred,
Recebi hoje sua carta do dia 29. Fico contente que tudo esteja bem com todos. Aprecio muito você ter compreendido meu desabafo. Na verdade sabia que você compreenderia, creio que foi por isso que consegui escrever tudo aquilo.
O que você disse sobre aboriginação me fez pensar muito. Se por um lado sou tentado a concordar que nossas cidades estão cada vez menos anglocêntricas e a celticidade* parece dar lugar para essas vozes policiadas a que você se referiu, por outro lado eu temo se não pensamos assim simplesmente porque desejamos. Espero que você tenha razão, contudo. Espero que toda essa hegomonia seja remoldada por estes desejos. Mas estou pessimista. Mesmo aqui, no porão dos Estados Unidos. Mas se você estiver certo, minha busca pelo verdadeiro México parece mais e mais quixotesca.
Já faz um mês que aluguei um pequeno apartamento em Altata, quase no mar, alguns quilômetros distante de Culiacán propriamente dita. Por enquanto possuo apenas um armário com roupas, uma mesa e duas cadeiras. Ainda não comprei uma geladeira já que tenho um bar logo ao final da rua. Fico adiando providenciar as coisas mais básicas.
Tudo aqui é lindo, sem a agitação da cidade e as tentações mais destrutivas de antes. Mas estou começando a me entediar. Essa maldição do insólito demora para passar e começo a me preocupar, achando que não me encaixarei em lugar nenhum. Nem em mim mesmo.
Agradeço se você puder pagar a senhora Stevenson. Me esqueci completamente. Você pode descontar da minha conta bancária, como de costume.
Peço que escreva para este endereço, já que fica muito dispendioso voltar para o hotel pegar correspondências. Espero ansioso por sua visita.
Seu,
Gary
* celtness
Querido Alfred,
Recebi hoje sua carta do dia 29. Fico contente que tudo esteja bem com todos. Aprecio muito você ter compreendido meu desabafo. Na verdade sabia que você compreenderia, creio que foi por isso que consegui escrever tudo aquilo.
O que você disse sobre aboriginação me fez pensar muito. Se por um lado sou tentado a concordar que nossas cidades estão cada vez menos anglocêntricas e a celticidade* parece dar lugar para essas vozes policiadas a que você se referiu, por outro lado eu temo se não pensamos assim simplesmente porque desejamos. Espero que você tenha razão, contudo. Espero que toda essa hegomonia seja remoldada por estes desejos. Mas estou pessimista. Mesmo aqui, no porão dos Estados Unidos. Mas se você estiver certo, minha busca pelo verdadeiro México parece mais e mais quixotesca.
Já faz um mês que aluguei um pequeno apartamento em Altata, quase no mar, alguns quilômetros distante de Culiacán propriamente dita. Por enquanto possuo apenas um armário com roupas, uma mesa e duas cadeiras. Ainda não comprei uma geladeira já que tenho um bar logo ao final da rua. Fico adiando providenciar as coisas mais básicas.
Tudo aqui é lindo, sem a agitação da cidade e as tentações mais destrutivas de antes. Mas estou começando a me entediar. Essa maldição do insólito demora para passar e começo a me preocupar, achando que não me encaixarei em lugar nenhum. Nem em mim mesmo.
Agradeço se você puder pagar a senhora Stevenson. Me esqueci completamente. Você pode descontar da minha conta bancária, como de costume.
Peço que escreva para este endereço, já que fica muito dispendioso voltar para o hotel pegar correspondências. Espero ansioso por sua visita.
Seu,
Gary
* celtness
terça-feira, dezembro 20, 2005
Cartas periféricas
Culiacán, junho de 1970.
Querido Alfred,
Completei meu primeiro aniversário mexicano na capital náhuatl ontem. Não tive forças para sair com Enrique, Miriam e Cristóbal como pensei que faria. Eles se tornaram amigos queridos, mas não queria chateá-los com meu estado de espírito negro. Passei o dia todo em companhia de uma moça chamada Rosa, cuja incrível capacidade de processar cerveza a fez uma companhia mais que apropriada para o meu humor. Tão pequena e tão nova, mas com o fígado resistente como o de um caminhoneiro! Juro que se não estivesse diariamente me esforçando para enriquecer os bares daqui não teria sido capaz de voltar com Rosa para o hotel. Jeff adoraria beber com ela, tenho certeza. Ele sempre reclamou que estava apenas se aquecendo quando todos nós já não nos agüentávamos em pé.
Mas já sei o que dirá. Tenho que me cuidar mais. É verdade, mas tenho a impressão de que enquanto ficar neste hotel não poderei evitar estas crises de melancolia e depressão. Tenho esta urgência de me misturar aos nativos cada vez maior.
Evito voltar para o hotel durante as horas do dia. Lá encontro apenas as mesmas famílias americanas fantasiadas com roupas de safári. Ou os obesos solitários, de óculos azuis-escuros, rosados de sol, em busca de una chicana para trepar. Alguns sequer tiram suas alianças. Comecei a frequentar os buracos locais, que não têm turistas em busca de aventuras seguras e a bebida é quatro vezes mais barata. Mas comecei a perceber que estes lugares também fervilham de estrangeiros. Mas são os perdedores, os criminosos, os que desceram tanto que sequer lembram de onde vieram e não têm idéia para onde vão, além da certeza que beberão mais uma garrafa daquele whisky de cinco dólares.
Me deprime que encontre apenas pessoas que voltarão abarrotados com colares de contas comprados na frente do aeroporto como se fossem provas de seu encontro com o exótico, fotografias de seus passeios de iate e histórias inventadas de como tudo é quente e diferente. Ou então aqueles que só vieram para esta terra porque mais nada funcionou em casa. Você sabe do que estou falando. Nosso país foi uma grande cadeia inglesa. Aí, como aqui, imaginam-se grandes expedições por um mundo passado, perigoso, verde. As águas que banham Sidney são do mesmo Oceano que cheiro enquanto escrevo estas linhas, com Rosa dormindo ao meu lado. Penso que não estou tão longe de casa.
Mas não consigo deixar de ter esperança de encontrar o México verdadeiro atrás de uma esquina, no fundo de um callejón estreito, ou escondido atrás das sombras dos hotéis e cassinos. Só que estou aqui há tempo suficiente para desconfiar que a minha idéia de México está se esvaindo junto com a bebida do copo à minha frente, em um bar caindo aos pedaços.
E por que há tantos de mim vagando cambaleantes em lugares assim? Voando bêbados e suados em volta da luz fraca do bar, envoltos em fumaça de cigarro barato, hipnotizados tal qual mariposas pela esperança mortiça de alguma luminosidade na vida. E tal qual mariposas, eventualmente morremos, teimosos, depois de tanto dar cabeçada na lâmpada, queimados quando a luz esquenta o suficiente. Rodopiamos em queda certa e breve, fritados sem nem ter tido chance de enxergar alguma compreensão de que aquela luz, enfim, não é o sol, nem a lua – mas a propriedade de alguma outra pessoa, que é sovina e indiferente a ponto de comprar a lâmpada mais barata do mercado para receber os insetos que voltarão sempre e sempre, alimentados com a promessa de que a verdade – seja qual for – está escondida debaixo de todo esse circo. E então varridos no final da noite, por uma mulher sem os dentes da frente, entediada, morrendo de vontade de terminar logo seu trabalho ingrato e mal-pago e dormir, junto com os restos de copos quebrados, bitucas de cigarro e toda a imundice do mundo.
Pois a verdade é que há tantos de mim por aqui porque somos vítimas de uma fórmula simples e perene. Procuramos todos pela luz alheia, quando deveríamos olhar para os olhos daquele que nos contempla, incrédulo com a miséria que encontra toda manhã, quando escovamos os dentes. M = T x D2. Isso é o que aprendi. A condição de mariposa é resultado do tempo em que sua desilusão é alimentada por ela mesma. Este sou eu, Gary Bunda-Mole, que sequer tem forças para acreditar na verdade lapidada com muito álcool, e admitir que seja lá que elixir de vida que procurava do outro lado do mundo, este não estará aqui e nem em lugar algum, porque a constatação, Alfred, é a pior das maldições.
Enfim, desculpe pelo desabafo. Talvez esteja assim porque vejo muita pouca diferença com o feito no último ano. Tive que acreditar que ao viajar para uma nova vida colocaria em prática o desejo de mudança. Se estivesse fazendo algo de concreto talvez descobrisse uma maneira de mudar. Isso passará.
Diga para Geórgia que apreciei muito os cigarros. Estou procurando uma casa. Assim que souber ao certo escreverei informando o endereço. Mas continuarei a receber suas cartas no hotel por enquanto. Lembranças a todos.
Quanto puder, faça-me uma visita. Não sei se você gostará daqui, mas eu apreciaria muito.
Seu,
Gary
PS- Rosa acordou e manda um beijo. Falei tanto de você a ela que vocês já são íntimos.
Querido Alfred,
Completei meu primeiro aniversário mexicano na capital náhuatl ontem. Não tive forças para sair com Enrique, Miriam e Cristóbal como pensei que faria. Eles se tornaram amigos queridos, mas não queria chateá-los com meu estado de espírito negro. Passei o dia todo em companhia de uma moça chamada Rosa, cuja incrível capacidade de processar cerveza a fez uma companhia mais que apropriada para o meu humor. Tão pequena e tão nova, mas com o fígado resistente como o de um caminhoneiro! Juro que se não estivesse diariamente me esforçando para enriquecer os bares daqui não teria sido capaz de voltar com Rosa para o hotel. Jeff adoraria beber com ela, tenho certeza. Ele sempre reclamou que estava apenas se aquecendo quando todos nós já não nos agüentávamos em pé.
Mas já sei o que dirá. Tenho que me cuidar mais. É verdade, mas tenho a impressão de que enquanto ficar neste hotel não poderei evitar estas crises de melancolia e depressão. Tenho esta urgência de me misturar aos nativos cada vez maior.
Evito voltar para o hotel durante as horas do dia. Lá encontro apenas as mesmas famílias americanas fantasiadas com roupas de safári. Ou os obesos solitários, de óculos azuis-escuros, rosados de sol, em busca de una chicana para trepar. Alguns sequer tiram suas alianças. Comecei a frequentar os buracos locais, que não têm turistas em busca de aventuras seguras e a bebida é quatro vezes mais barata. Mas comecei a perceber que estes lugares também fervilham de estrangeiros. Mas são os perdedores, os criminosos, os que desceram tanto que sequer lembram de onde vieram e não têm idéia para onde vão, além da certeza que beberão mais uma garrafa daquele whisky de cinco dólares.
Me deprime que encontre apenas pessoas que voltarão abarrotados com colares de contas comprados na frente do aeroporto como se fossem provas de seu encontro com o exótico, fotografias de seus passeios de iate e histórias inventadas de como tudo é quente e diferente. Ou então aqueles que só vieram para esta terra porque mais nada funcionou em casa. Você sabe do que estou falando. Nosso país foi uma grande cadeia inglesa. Aí, como aqui, imaginam-se grandes expedições por um mundo passado, perigoso, verde. As águas que banham Sidney são do mesmo Oceano que cheiro enquanto escrevo estas linhas, com Rosa dormindo ao meu lado. Penso que não estou tão longe de casa.
Mas não consigo deixar de ter esperança de encontrar o México verdadeiro atrás de uma esquina, no fundo de um callejón estreito, ou escondido atrás das sombras dos hotéis e cassinos. Só que estou aqui há tempo suficiente para desconfiar que a minha idéia de México está se esvaindo junto com a bebida do copo à minha frente, em um bar caindo aos pedaços.
E por que há tantos de mim vagando cambaleantes em lugares assim? Voando bêbados e suados em volta da luz fraca do bar, envoltos em fumaça de cigarro barato, hipnotizados tal qual mariposas pela esperança mortiça de alguma luminosidade na vida. E tal qual mariposas, eventualmente morremos, teimosos, depois de tanto dar cabeçada na lâmpada, queimados quando a luz esquenta o suficiente. Rodopiamos em queda certa e breve, fritados sem nem ter tido chance de enxergar alguma compreensão de que aquela luz, enfim, não é o sol, nem a lua – mas a propriedade de alguma outra pessoa, que é sovina e indiferente a ponto de comprar a lâmpada mais barata do mercado para receber os insetos que voltarão sempre e sempre, alimentados com a promessa de que a verdade – seja qual for – está escondida debaixo de todo esse circo. E então varridos no final da noite, por uma mulher sem os dentes da frente, entediada, morrendo de vontade de terminar logo seu trabalho ingrato e mal-pago e dormir, junto com os restos de copos quebrados, bitucas de cigarro e toda a imundice do mundo.
Pois a verdade é que há tantos de mim por aqui porque somos vítimas de uma fórmula simples e perene. Procuramos todos pela luz alheia, quando deveríamos olhar para os olhos daquele que nos contempla, incrédulo com a miséria que encontra toda manhã, quando escovamos os dentes. M = T x D2. Isso é o que aprendi. A condição de mariposa é resultado do tempo em que sua desilusão é alimentada por ela mesma. Este sou eu, Gary Bunda-Mole, que sequer tem forças para acreditar na verdade lapidada com muito álcool, e admitir que seja lá que elixir de vida que procurava do outro lado do mundo, este não estará aqui e nem em lugar algum, porque a constatação, Alfred, é a pior das maldições.
Enfim, desculpe pelo desabafo. Talvez esteja assim porque vejo muita pouca diferença com o feito no último ano. Tive que acreditar que ao viajar para uma nova vida colocaria em prática o desejo de mudança. Se estivesse fazendo algo de concreto talvez descobrisse uma maneira de mudar. Isso passará.
Diga para Geórgia que apreciei muito os cigarros. Estou procurando uma casa. Assim que souber ao certo escreverei informando o endereço. Mas continuarei a receber suas cartas no hotel por enquanto. Lembranças a todos.
Quanto puder, faça-me uma visita. Não sei se você gostará daqui, mas eu apreciaria muito.
Seu,
Gary
PS- Rosa acordou e manda um beijo. Falei tanto de você a ela que vocês já são íntimos.
segunda-feira, dezembro 19, 2005
sexta-feira, dezembro 16, 2005
Recesso
Terminado o trabalho perseverante, agora só resta o trabalho final de curso. Aliás, fiquei um pouco chateado com coisas que soube da última reunião de departamento, sobre a matéria deste trabalho. O que reforça minha crença de que meu futuro não será docente... Não pela docência em si, mas o que vem junto com o pacote. Quer dizer, hoje mesmo estava pensando como deve ser bom chegar no final do semestre e ver que seu aluno aprendeu. Algo, alguma coisa, qualquer coisa. Deve ser um sentimento quase paternal. Mas o resto... reunião de departamento, produção... isso eu passo.
Bom, vou entrar em recesso virtual por um tempo. Pelo menos desacelerar um pouco.
Então tirarei umas férias daqui também, já que nesse final de ano não terei muito internet. Só eventualmente. O que talvez seja bom... (ou não)
Mas o que acontecia um pouco ultimamente era começar a escrever antes de ter o que escrever. Por um lado isso é até interessante. Meio como um periodista que têm que fazer sua coluna, então senta na frente da escrivaninha e escreve. Algo, alguma coisa, qualquer coisa. Mas não é bom abusar, senão escrever deixa de ser tanto um prazer. Não que vire obrigação. Acho que esse blog nunca virará obrigação (Deus me livre). Mas talvez perdesse um pouco da espontaneidade.
Enfim, até quando der.
Bom, vou entrar em recesso virtual por um tempo. Pelo menos desacelerar um pouco.
Então tirarei umas férias daqui também, já que nesse final de ano não terei muito internet. Só eventualmente. O que talvez seja bom... (ou não)
Mas o que acontecia um pouco ultimamente era começar a escrever antes de ter o que escrever. Por um lado isso é até interessante. Meio como um periodista que têm que fazer sua coluna, então senta na frente da escrivaninha e escreve. Algo, alguma coisa, qualquer coisa. Mas não é bom abusar, senão escrever deixa de ser tanto um prazer. Não que vire obrigação. Acho que esse blog nunca virará obrigação (Deus me livre). Mas talvez perdesse um pouco da espontaneidade.
Enfim, até quando der.
terça-feira, dezembro 13, 2005
Millestone
Ontem foi um dia burocrático. Fui no poupa-tempo com a minha mãe tentar resolver problemas de multas. Foi chato e não sei se deu certo.
Antes disso fui na PF pegar meu passaporte novo. 100 reais, 3 idas no lugar e 15 dias de espera depois... fui pegar o dito cujo: "Antes de assinar confira se está tudo certo". "Ok. Hum... o nome da minha mãe está todo junto".
Mal havia dito isso, já me arrependi um pouco. Ah, bem que podia ficar assim mesmo, não tem problema, errinho bobo, quero ir embora, vai demorar muito. Por outro lado, podia ser dessas coisas que depois dão problema e são um saco pra resolver. Ok, espero.
Achei que fosse ficar o resto da tarde lá.
Estava certo? Não. Passaporte novo em folha, corrigido, em 3 minutos (literalmente)!
Claro que alguma coisa que fique pronta em 3 minutos levanta algumas dúvidas. Paguei uma grana nisso, pediram 15 dias, então achei que deveria ser difícil fazer. Alguma tecnologia que evite falsificação, ou algo assim. "Vale a pena", as pessoas devem pensar.
Em 3 minutos eu espero um big mac! E mal feito.
Fiquei olhando pra aquele documento meio decepcionado. E a foto, para variar, horrível. E vou ter que aturá-la mais 10 anos.
*******
Com alguma esperança, termino um dos trabalhos hoje!!
*******
Cris Cris! Cerveja!
*******
Leitores: este é o post de número 100! Já?
Antes disso fui na PF pegar meu passaporte novo. 100 reais, 3 idas no lugar e 15 dias de espera depois... fui pegar o dito cujo: "Antes de assinar confira se está tudo certo". "Ok. Hum... o nome da minha mãe está todo junto".
Mal havia dito isso, já me arrependi um pouco. Ah, bem que podia ficar assim mesmo, não tem problema, errinho bobo, quero ir embora, vai demorar muito. Por outro lado, podia ser dessas coisas que depois dão problema e são um saco pra resolver. Ok, espero.
Achei que fosse ficar o resto da tarde lá.
Estava certo? Não. Passaporte novo em folha, corrigido, em 3 minutos (literalmente)!
Claro que alguma coisa que fique pronta em 3 minutos levanta algumas dúvidas. Paguei uma grana nisso, pediram 15 dias, então achei que deveria ser difícil fazer. Alguma tecnologia que evite falsificação, ou algo assim. "Vale a pena", as pessoas devem pensar.
Em 3 minutos eu espero um big mac! E mal feito.
Fiquei olhando pra aquele documento meio decepcionado. E a foto, para variar, horrível. E vou ter que aturá-la mais 10 anos.
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Com alguma esperança, termino um dos trabalhos hoje!!
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Cris Cris! Cerveja!
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Leitores: este é o post de número 100! Já?
Heróis e vilões
Hoje me peguei pensando nos meus ídolos de infância.
Há alguma coisa de esquisito em grande parte deles estar morta. Ou então terem se ferrado de alguma forma.
Bom, deixando a psicanálise, meu pai e minha mãe de fora, o primeiro ídolo de que eu me lembro de ter tido foi o Raul (Seixas) - pelo menos na música. Amava pluct plact zum, claro. Mas um monte de outras também. Até hoje canto emocionado quando ouço Cowboy fora da lei...
Beatles não conta muito. Sempre adorei, mas foi por influência do meu pai. Com o Raul sentia que a descoberta tinha sido minha, por meus próprios meios. Era mais meu.
Depois veio uma época em que eu adorava música, mas não tinha grandes heróis. Talvez um pouco o que todo mundo gostava, Renato Russo. Mas eu não me identificava muito com ele. Com as letras, sim, adorava. Mas aí também tinha Titãs, quando eles ainda prestavam.
Então começou a tocar Depeche Mode, Smiths e The Cure nas festinhas. The Cure era a favorita. E o Bob Smith virou um ídolo, com certeza. Por muito tempo tentava usar o cabelo espetado, mas como precisava usar muito gel pra isso - e odiava gel - acabei por deixar o cabelo crescer. É que também havia chegado a época de um rockinho tipo U2. Por um tempo achei que o Bono Vox era meu ídolo. Mas pensando agora, sei não...
Depois de uma época house, techno e afins, descobri Happy Mondays e todo o rock-dance inglês. Estava na Inglaterra no auge do Soup Dragons, EMF, Pet Shop Boys e New Order, e não pude deixar de curtir muito tudo aquilo. Por um tempo passei a raspar o cabelo dos lados e atrás, escondendo dentro do boné como se fosse careca - inspirado no James Atkin.
Simultâneamente ouvia também os ingleses mais malvados. Ouvia Sex Pistols sim, mas o que amava mesmo era Clash. Conheci Ramones via punk inglês. Os dois Joe foram grandes heróis. Minha vitrola ficou cansada de ouvir Queen por esses tempos. Ainda lembro onde estava e o que fazia quando o Mercury morreu.
Depois veio a fase metal. Quer dizer, metal e metal poser / hard rock. Ouvia Metallica, mas também Guns 'n Roses. Fui no show das duas, no começo da década de 90. Naquela época havia uma treta entre os fãs do Metallica e do Iron. Então não gostava de Iron - coisa que se inverteu completamente alguns anos depois...
Descobri o Deep Purple e Black Sabbath, atrasado. O Ian Gillan foi quase um ídolo, só não foi porque orbitavam os outros juntos com ele. Lord e Glenn Hughes, mas não Blackmore e Coverdale. Era um conjunto realmente, que se estendia ao Sabbath (ainda que hoje só goste mesmo da primeira fase).
Nisso tudo não tinha muitas heroínas na música. Exceção para a Joan Jett e a Siouxie. Quando descobri Nick Cave, também me apaixonei pela PJ, mas isso veio depois. Mas nunca quis emular uma delas - felizmente, acho.
Tenho a impressão que o último ídolo (não cara que respeito, mas ídolo mesmo) deve ter sido o Cobain. Nirvana foi a última coisa realmente incrível que ouvi. Na época do suicídio eu estava "brigado" com o Nirvana, em parte por conta da aproximação com o Hole e a Love. Achava que eles estavam decaindo. De qualquer maneira, doeu muito quando fiquei sabendo. E doeu mais ainda porque me senti um traidor, abandonado o cara.
Quando o Joey Ramone morreu, senti um vazio enorme. Chorei. Quando o Joe Strummer passou desta pra melhor, logo depois, começou a cair a ficha. Achei que a vida era realmente cruel. Meio como aquela música "only the good die young", sabe?
Com alguns acréscimos ou variantes (suicídio, assassinato, acidente, câncer, aids), vi que outro ídolo - também falecido cedo - tinha razão:
"Meu partido
É um coração partido
E as ilusões estão todas perdidas
Os meus sonhos foram todos vendidos - tão barato que eu nem acredito
Eu nem acredito
E aquele garoto que ia mudar o mundo
Frequenta agora as festas do Grand Monde
Meus heróis morreram de overdose
Meus inimigos estão no poder
Ideologia
Eu quero uma pra viver
O meu prazer agora é risco de vida
Meu sex and drugs não tem nenhum rock 'n' roll
Eu vou pagar a conta do analista
Pra nunca mais ter que saber quem eu sou
Pois aquele garoto que ia mudar o mundo
Agora assiste a tudo em cima do muro
Meus heróis morreram de overdose
Meus inimigos estão no poder"
E não morrem. São os mesmos, desde que eu me conheço por gente.
Há alguma coisa de esquisito em grande parte deles estar morta. Ou então terem se ferrado de alguma forma.
Bom, deixando a psicanálise, meu pai e minha mãe de fora, o primeiro ídolo de que eu me lembro de ter tido foi o Raul (Seixas) - pelo menos na música. Amava pluct plact zum, claro. Mas um monte de outras também. Até hoje canto emocionado quando ouço Cowboy fora da lei...
Beatles não conta muito. Sempre adorei, mas foi por influência do meu pai. Com o Raul sentia que a descoberta tinha sido minha, por meus próprios meios. Era mais meu.
Depois veio uma época em que eu adorava música, mas não tinha grandes heróis. Talvez um pouco o que todo mundo gostava, Renato Russo. Mas eu não me identificava muito com ele. Com as letras, sim, adorava. Mas aí também tinha Titãs, quando eles ainda prestavam.
Então começou a tocar Depeche Mode, Smiths e The Cure nas festinhas. The Cure era a favorita. E o Bob Smith virou um ídolo, com certeza. Por muito tempo tentava usar o cabelo espetado, mas como precisava usar muito gel pra isso - e odiava gel - acabei por deixar o cabelo crescer. É que também havia chegado a época de um rockinho tipo U2. Por um tempo achei que o Bono Vox era meu ídolo. Mas pensando agora, sei não...
Depois de uma época house, techno e afins, descobri Happy Mondays e todo o rock-dance inglês. Estava na Inglaterra no auge do Soup Dragons, EMF, Pet Shop Boys e New Order, e não pude deixar de curtir muito tudo aquilo. Por um tempo passei a raspar o cabelo dos lados e atrás, escondendo dentro do boné como se fosse careca - inspirado no James Atkin.
Simultâneamente ouvia também os ingleses mais malvados. Ouvia Sex Pistols sim, mas o que amava mesmo era Clash. Conheci Ramones via punk inglês. Os dois Joe foram grandes heróis. Minha vitrola ficou cansada de ouvir Queen por esses tempos. Ainda lembro onde estava e o que fazia quando o Mercury morreu.
Depois veio a fase metal. Quer dizer, metal e metal poser / hard rock. Ouvia Metallica, mas também Guns 'n Roses. Fui no show das duas, no começo da década de 90. Naquela época havia uma treta entre os fãs do Metallica e do Iron. Então não gostava de Iron - coisa que se inverteu completamente alguns anos depois...
Descobri o Deep Purple e Black Sabbath, atrasado. O Ian Gillan foi quase um ídolo, só não foi porque orbitavam os outros juntos com ele. Lord e Glenn Hughes, mas não Blackmore e Coverdale. Era um conjunto realmente, que se estendia ao Sabbath (ainda que hoje só goste mesmo da primeira fase).
Nisso tudo não tinha muitas heroínas na música. Exceção para a Joan Jett e a Siouxie. Quando descobri Nick Cave, também me apaixonei pela PJ, mas isso veio depois. Mas nunca quis emular uma delas - felizmente, acho.
Tenho a impressão que o último ídolo (não cara que respeito, mas ídolo mesmo) deve ter sido o Cobain. Nirvana foi a última coisa realmente incrível que ouvi. Na época do suicídio eu estava "brigado" com o Nirvana, em parte por conta da aproximação com o Hole e a Love. Achava que eles estavam decaindo. De qualquer maneira, doeu muito quando fiquei sabendo. E doeu mais ainda porque me senti um traidor, abandonado o cara.
Quando o Joey Ramone morreu, senti um vazio enorme. Chorei. Quando o Joe Strummer passou desta pra melhor, logo depois, começou a cair a ficha. Achei que a vida era realmente cruel. Meio como aquela música "only the good die young", sabe?
Com alguns acréscimos ou variantes (suicídio, assassinato, acidente, câncer, aids), vi que outro ídolo - também falecido cedo - tinha razão:
"Meu partido
É um coração partido
E as ilusões estão todas perdidas
Os meus sonhos foram todos vendidos - tão barato que eu nem acredito
Eu nem acredito
E aquele garoto que ia mudar o mundo
Frequenta agora as festas do Grand Monde
Meus heróis morreram de overdose
Meus inimigos estão no poder
Ideologia
Eu quero uma pra viver
O meu prazer agora é risco de vida
Meu sex and drugs não tem nenhum rock 'n' roll
Eu vou pagar a conta do analista
Pra nunca mais ter que saber quem eu sou
Pois aquele garoto que ia mudar o mundo
Agora assiste a tudo em cima do muro
Meus heróis morreram de overdose
Meus inimigos estão no poder"
E não morrem. São os mesmos, desde que eu me conheço por gente.
Tour gastronomique
Essa semana não foi só de trabalho, afinal de contas. Hoje eu percebi como comi bem em quase todos esses últimos dias!
Não fui daquela criança que ganhou presentes em dobro quando meus pais se separaram. A separação deles acabou acontecendo muito tarde. Em compensação, as experiências gastronômicas melhoraram muito e acontecem com muito mais frequência. Principalmente com meu pai, que foi para um apartamento pelado (e que deve continuar assim por muito tempo) e deve ter vergonha de que eu vá lá encontrar apenas uma geladeira com água e cerveja, um fogão limpinho e a namorada nova. Ele acaba sempre me levando para algum restaurante bacana. Nossos encontros sociais se dão, quase em sua totalidade, sentados à mesa, com pratos na nossa frente. Sem exagerar muito, acho que poderia arrumar um bico desses de fazer crítica de restaurante. Não que meu paladar seja muito apurado, mas eu já sei que lugar me agrada ou não - em matéria de comida, sim, mas de muito mais coisas também. Já não aturo muito ser mal atendido, por exemplo.
Com a minha mãe não tem tanto disso de sair, ela prefere fazer suas comidinhas maravilhosas e reunir os filhos e noras na casa dela. Tudo bem por mim - adoro a comida dela. Mas de vez em quando saímos juntos para comer também.
Essa semana, por exemplo, fomos na terça no Daitan. Atenção amantes de boa comida japonesa! É muito bom! Já havíamos ido (eu e Dani - continuo não falando na terceira pessoa) com o Bertrand, a Nashieli e a Sofia. Dessa vez fomos em família, à noite, quando não tem rodízio (atenção: o rodízio é bom! Não é só sushi de pepino não! Tem bastante variedade, e vem sempre atum, salmão... os peixinhos bacanas), mas o à la carte é delicioso também.
Quarta-feira: interregno labutar.
Quinta fomos com meu pai em uma churrascaria perto de casa que sempre me chamava a atenção quando passava na frente. Chama-se Red Angus. Especializada em carne... bom, de red angus, aquele boizão marrom-avermelhado. Simplesmente maravilhoso! E atenção: eles têm um petit gateau de limão!!! Muito melhor que o de chocolate, que já é muito bom. Pedi um filet de ancho (corte argentino) que quase não precisava de faca para cortar, de tão macio! Quem tem grana pra gastar pode pedir uma espécie de rodízio pessoal. Todas as partes do bicho vão sendo servidas em sequência. Festim diabólico literalmente.
Sexta: novo interregno para alcalose pós-prandial, porque ninguém é de ferro.
Sábado: tem uma pizzaria perto de casa muito gostosa. Eles têm uma pizza de rúcula que é o que há! E eu nunca gostei de rúcula... Fomos lá com meu pai.
Domingo: voltamos no Red Angus com meu pai, porque é muito bom! E nem tive coragem de pedir outra carne. Fui no filet de ancho de novo. E mais um petit gateau cítrico, porque... enfim, para que arriscar? Já sei o que funciona...
E hoje: Friday's. Ah, esses americanos roubaram metade do México dos mexicanos. Exploram sua força de trabalho. E roubam sua culinária também. Mas como é bom... não dá vontade de parar de comer.
Acho que só assim mesmo pra aguentar 10 horas de trabalho diário no computador.
Ah, e devo dizer: estamos aprendendo a cozinhar...
Não fui daquela criança que ganhou presentes em dobro quando meus pais se separaram. A separação deles acabou acontecendo muito tarde. Em compensação, as experiências gastronômicas melhoraram muito e acontecem com muito mais frequência. Principalmente com meu pai, que foi para um apartamento pelado (e que deve continuar assim por muito tempo) e deve ter vergonha de que eu vá lá encontrar apenas uma geladeira com água e cerveja, um fogão limpinho e a namorada nova. Ele acaba sempre me levando para algum restaurante bacana. Nossos encontros sociais se dão, quase em sua totalidade, sentados à mesa, com pratos na nossa frente. Sem exagerar muito, acho que poderia arrumar um bico desses de fazer crítica de restaurante. Não que meu paladar seja muito apurado, mas eu já sei que lugar me agrada ou não - em matéria de comida, sim, mas de muito mais coisas também. Já não aturo muito ser mal atendido, por exemplo.
Com a minha mãe não tem tanto disso de sair, ela prefere fazer suas comidinhas maravilhosas e reunir os filhos e noras na casa dela. Tudo bem por mim - adoro a comida dela. Mas de vez em quando saímos juntos para comer também.
Essa semana, por exemplo, fomos na terça no Daitan. Atenção amantes de boa comida japonesa! É muito bom! Já havíamos ido (eu e Dani - continuo não falando na terceira pessoa) com o Bertrand, a Nashieli e a Sofia. Dessa vez fomos em família, à noite, quando não tem rodízio (atenção: o rodízio é bom! Não é só sushi de pepino não! Tem bastante variedade, e vem sempre atum, salmão... os peixinhos bacanas), mas o à la carte é delicioso também.
Quarta-feira: interregno labutar.
Quinta fomos com meu pai em uma churrascaria perto de casa que sempre me chamava a atenção quando passava na frente. Chama-se Red Angus. Especializada em carne... bom, de red angus, aquele boizão marrom-avermelhado. Simplesmente maravilhoso! E atenção: eles têm um petit gateau de limão!!! Muito melhor que o de chocolate, que já é muito bom. Pedi um filet de ancho (corte argentino) que quase não precisava de faca para cortar, de tão macio! Quem tem grana pra gastar pode pedir uma espécie de rodízio pessoal. Todas as partes do bicho vão sendo servidas em sequência. Festim diabólico literalmente.
Sexta: novo interregno para alcalose pós-prandial, porque ninguém é de ferro.
Sábado: tem uma pizzaria perto de casa muito gostosa. Eles têm uma pizza de rúcula que é o que há! E eu nunca gostei de rúcula... Fomos lá com meu pai.
Domingo: voltamos no Red Angus com meu pai, porque é muito bom! E nem tive coragem de pedir outra carne. Fui no filet de ancho de novo. E mais um petit gateau cítrico, porque... enfim, para que arriscar? Já sei o que funciona...
E hoje: Friday's. Ah, esses americanos roubaram metade do México dos mexicanos. Exploram sua força de trabalho. E roubam sua culinária também. Mas como é bom... não dá vontade de parar de comer.
Acho que só assim mesmo pra aguentar 10 horas de trabalho diário no computador.
Ah, e devo dizer: estamos aprendendo a cozinhar...
sábado, dezembro 10, 2005
Pequena estafa
Acho que nem no período crítico, no final da redação da minha dissertação, eu fiquei tanto tempo na frente dessa tela.
Naquela época não tinha blog. Agora estou com os pulsos doloridos da digitação e ainda arrumo coragem para fazer mais uma coisa no computador.
Outro dia estava conversando sobre isso com a minha orientadora, que me disse que também está ficando dependente da rede. Progressivamente. Como muitos conhecidos, constatei. Todos com sintomas muito parecidos.
Eu acho que meu vício com computador superou de longe quaisquer outros vícios que eu tive ou tenha: cigarro, auto-comiseração, chocolate... Quando dá algum probleminha com ele, fico estressado. Já procuro algum técnico. Outro dia, por exemplo, queimou a fonte. Pânico. Achei que era algo pior. Levei na loja, já que estava na garantia ainda. E a angústia de esperar na salinha de recepção? Me sentia como um pai, aguardando o diagnóstico sobre a doença do filho.
O interessante é que ainda me sinto cuspindo no prato, já que adoro esse meu vício. É que, às vezes, surge o pequeno grilo falante, de dedo em riste, com algumas reclamações e protestos. Mas eles são débeis e fracos. O bichinho logo vai hibernar em algum canto.
Por outro lado, devo fazer um período de desitoxicação em breve. Primeiro o Ano Novo. Na roça. Num lugar em que não tem nem telefone - quanto mais internet. Tem, felizmente, muita cerveja - e muito, mas muito barata. E depois tem a viagem de férias, quando tentarei não navegar muito.
Na verdade, acho que o que está pesando mesmo são os trabalhos. Também fiquei triste ao saber que uns amigos, quando pensaram que tinham superado um problemão e que tudo finalmente parecia dar certo (filho e emprego na Alemanha), tiveram o tapete cruelmente puxado pelo destino. Mas ainda tenho esperança que tudo se resolva para eles.
Bom, essa semana, quando terminar um dos trabalhos, devo relaxar um pouco. Tem o aniversário de uma amiga querida. Também já combinei de sair com minha leitora (e escritora) preferida, que me faz ter vontade de escrever aqui, e de quem estou morrendo de saudades. E vinda de terras próximas - só que dos gângsters - chega a Paulinha. Combinei um cinema com outros amigos, para assistir qualquer coisa, até filme da Xuxa. E quero jogar um pouco de basquete, coisa que não faço há semanas.
Só tenho que me matar esse final de semana para terminar tudo.
Coisa que venho dizendo, percebo, há tempos - desde o final da graduação diga-se de passagem. Devo ter, enfim, algum parentesco com um conhecido passarinho mágico... sempre fico esgotado e tenho que arrumar força pra renascer de novo na semana seguinte.
Naquela época não tinha blog. Agora estou com os pulsos doloridos da digitação e ainda arrumo coragem para fazer mais uma coisa no computador.
Outro dia estava conversando sobre isso com a minha orientadora, que me disse que também está ficando dependente da rede. Progressivamente. Como muitos conhecidos, constatei. Todos com sintomas muito parecidos.
Eu acho que meu vício com computador superou de longe quaisquer outros vícios que eu tive ou tenha: cigarro, auto-comiseração, chocolate... Quando dá algum probleminha com ele, fico estressado. Já procuro algum técnico. Outro dia, por exemplo, queimou a fonte. Pânico. Achei que era algo pior. Levei na loja, já que estava na garantia ainda. E a angústia de esperar na salinha de recepção? Me sentia como um pai, aguardando o diagnóstico sobre a doença do filho.
O interessante é que ainda me sinto cuspindo no prato, já que adoro esse meu vício. É que, às vezes, surge o pequeno grilo falante, de dedo em riste, com algumas reclamações e protestos. Mas eles são débeis e fracos. O bichinho logo vai hibernar em algum canto.
Por outro lado, devo fazer um período de desitoxicação em breve. Primeiro o Ano Novo. Na roça. Num lugar em que não tem nem telefone - quanto mais internet. Tem, felizmente, muita cerveja - e muito, mas muito barata. E depois tem a viagem de férias, quando tentarei não navegar muito.
Na verdade, acho que o que está pesando mesmo são os trabalhos. Também fiquei triste ao saber que uns amigos, quando pensaram que tinham superado um problemão e que tudo finalmente parecia dar certo (filho e emprego na Alemanha), tiveram o tapete cruelmente puxado pelo destino. Mas ainda tenho esperança que tudo se resolva para eles.
Bom, essa semana, quando terminar um dos trabalhos, devo relaxar um pouco. Tem o aniversário de uma amiga querida. Também já combinei de sair com minha leitora (e escritora) preferida, que me faz ter vontade de escrever aqui, e de quem estou morrendo de saudades. E vinda de terras próximas - só que dos gângsters - chega a Paulinha. Combinei um cinema com outros amigos, para assistir qualquer coisa, até filme da Xuxa. E quero jogar um pouco de basquete, coisa que não faço há semanas.
Só tenho que me matar esse final de semana para terminar tudo.
Coisa que venho dizendo, percebo, há tempos - desde o final da graduação diga-se de passagem. Devo ter, enfim, algum parentesco com um conhecido passarinho mágico... sempre fico esgotado e tenho que arrumar força pra renascer de novo na semana seguinte.
quinta-feira, dezembro 08, 2005
Laissez faire, laissez passer... laissez tromper
Tudo bem, caiu o muro. A URSS não deu certo. Entre Gulag e maracutaias escusas em tudo em quanto é lugar, o modelo socialista de economia não funcionou. De tanto construir bomba, faltou sabão (ainda não sei direito o que pensar da China. Às vezes acho que é tudo propaganda. Como a bolsa: "aquela empresa tem boas ações" - assim, ela terá, porque compraremos as ações, convencidos de que a premissa é verdadeira. Um bilhão e meio de neguinho deve produzir pra caramba realmente. Mas como funciona a distribuição do bolo?). Ficamos, infelizmente talvez, só com o mercado capitalista. Agora, a única coisa que deveria funcionar nessa joça... não funciona!
Fiquei nervoso esses dias. A conta do telefone, de novo (detalhe que é a única conta que dá problema, o que me faz pensar que a culpa pode não ser do correio), não veio. Segunda via? Sim, porque não?! Adoramos (eu e a Dani - não falo na terceira pessoa) pagar a taxa de segunda via e enriquecer mais ainda uns espanhóis por aí. A conta finalmente chegou hoje, mas... depois do vencimento. Claro, não foi por isso que pedimos segunda via? Mas, "evidentemente", a Telefonica não tem como saber se não chegou mesmo depois do vencimento e se nós dizemos a verdade, então mantêm a mesma data. Agora, eu poderia retrucar com "como vou saber se vocês mandaram, pra começo de conversa?" Não é a mesma lógica? Porque cargas d'água eu pagaria uma taxa se já tivesse recebido a conta? Resumo da ópera: pagar a segunda via E a multa. Já deve ser a terceira vez que isso acontece. Essa merece procom... depois do feriado, claro(?!?).
O raciocínio levaria a crer que o problema é a falta de concorrência. Meu pai, por exemplo, já desistiu da linha fixa. Ficou só com o celular. O único argumento que eu levanto é o do câncer, mas ele diz que já está ficando velho e que não vai dar tempo de dar zica...
Agora, com internet não falta concorrência. O mercado deveria naturalmente privilegiar os bons prestadores de serviço, não? Engano. Aqui também vira e mexe dá tilt na internet. Só que eu não quero desculpas, não quero saber se houve um congestionamento virtual que atrapalhou tudo. Por 75 paus por mês eu quero que funcione a qualquer hora do dia e do ano! Agora tem horas que funciona, horas que não. E algumas páginas, como o meu blog quando publicado, não aparecem. Eu me sinto enganado. E com a estranha sensação de que a culpa é minha, de alguma maneira obscura e maligna.
Sabe o que eu acho? Que nos acostumamos com serviço porcaria e não reclamamos como deveríamos. Se estamos caminhando para a falência completa do seguro estatal e temos que pagar uma nota preta por tudo, eu quero que pelo menos funcione como nas propagandas! Só que, ao que parece, as utopias devem ter morrido com o comunismo. Afinal, quem já teve servido um sanduíche igual ao da foto?
sábado, dezembro 03, 2005
Il Cine italiano non è guasto
É muito bom quando você assiste um filme sem qualquer pretensão e ele te surpreende, não? Hoje peguei, no comecinho, um do Donald Sutherland, ator que eu sempre gostei. Não sou exatamente da época do MASH, aquele ótimo do Altman, mas adorava quando passava na tv. O Sutherland era meu personagem preferido. Tinha uma cara de tarado, misturado com uma feição de quem é inteligentíssimo e não pára de pensar um segundo sequer, sempre com o cérebro a toda - o que produzia uma impressão maravilhosa! (Com a idade isso se diluiu um pouco. Agora ele consegue passar a imagem de um senhor respeitável, com aquela barba alva, sempre retíssimo em toda sua altura, e os olhos azulzíssimos que iluminam o rosto. Mas se você olhar bem, principalmente quando ele sorri...)
O filme se chama Piazza delle Cinque Lune, exemplo de que a Cinecittà ainda faz filme bom. O diretor, que não conhecia, chama-se Renzo Martinelli. As tomadas e a fotografia... lindas! A história é interessante também: Um dos terroristas (presumidamente da Brigada Rossa) do sequestro e assassinato, no final da década de 1970, do então Primeiro Ministro italiano, Aldo Moro, está com câncer e resolve contar através de enigmas e pistas obscuras a verdade do caso a um juiz aposentado, interpretado pelo Sutherland.
O crime estaria ligado à tentativa de Moro em aproximar os membros do partido comunista e os do partido conservador católico italianos - coisa que traía o equilíbrio tenso e dicotômico criado em Ialta no final da guerra, e impensável tanto para americanos como para soviéticos. Durante o cativeiro, ele teria escrito um dossiê com segredos com os podres dos governos ocidentais que compunham a OTAN durante a guerra fria. A investigação leva à indicios da participação do Serviço Secreto italiano, do Ministério do Interior e, claro, da CIA e da KGB.
Aí vira um triller que se perde às vezes, mas que me fez lembrar do livro O Santo Grau e o Cálice Sagrado, aquele dos historiadores que teriam recebido pistas na Biblioteca Nacional em Paris sobre o segredo da linhagem merovíngia de Jesus e começam uma busca tipo Fio de Ariadne.
Trata-se, no fundo, dessa mistura de lhe ser oferecido o topo do iceberg da Verdade, mas também a perseguição dos que guardam o segredo. Como é também o caso do ótimo começo do Operação Cavalo de Tróia, do Benitez. Você acaba se perguntando: "mas será que é apenas ficção mesmo? Esta não seria a melhor maneira de contar um segredo? Ou seja, dizer a verdade em forma de romance?" Entretanto, ao mesmo tempo em que você sempre avança, o segredo sempre acaba fugindo de você. Também não é possível deixar de ficar desconfiado se você não está sendo manipulado na análise das pistas que lhe são dadas.
Descobri que o diretor entrevistou, durante as filmagens, um ex-integrante da Brigada Vermelha, a viúva de Moro, uma filha, e diversas outras pessoas ligadas ao caso - o que dá um toque especial à aura em torno da história e do filme.
Agora, sabe o que me deixou com a orelha em pé? A teoria da conspiração aponta para o envolvimento de uma Loja maçônica na coordenação do crime! Diversos elementos simbólicos maçônicos são descobertos na investigação, reforçando a tese. Na verdade, desde o livro de Baigent, Leigh e Lincoln, passando por trocentos livrinhos de romance histórico e chegando ao pop Dan Brown, a Maçonaria entra no rolo, fornecendo o elemento do segredo e do mistério, guardados por uma sociedade de iniciados - um conhecimento que, na imaginação popular, é bem concreto, e também implica em perigo e poder.
Enfim, o filme é bem interessante. Pelo menos para uma tarde preguiçosa, sentado na frente da tv. E o Sutherland é ótimo. Há também uma coisa do filme que lembra a época de ouro do cinema italiano. A cadência do realismo, mas misturada com um pouco mais de ação do cinema moderno. Diálogos desconcertantes, mas cheios de significado. E a dublagem dos atores - algo que o Fellini adorava fazer. Aliás, não é a primeira experiência do Donald Sutherland com o cinema italiano. Ele já havia feito o Casanova do Fellini. Não é um dos meus favoritos do Fellini, mas, enfim, é dele... Quer dizer, esse filme de hoje não chega aos pés dos antigos do Cinecittà, mas foi legal saber que eles não viraram um templo da Universal ou algo assim, e continuam a fazer cinema.
Agora, o filme do Sutherland que eu mais gostei (talvez depois de MASH), foi Os 12 Condenados. Esse eu amo! Dirty Dozen conseguiu reunir alguns dos atores mais legais da safra mais antiga dos EUA: Ernest Borgnine, Telly Savalas, Charles Bronson, Lee Marvin e o Sutherland, um dos mais jovens do elenco. Da época em que ainda faziam bons filmes de guerra.
O filme se chama Piazza delle Cinque Lune, exemplo de que a Cinecittà ainda faz filme bom. O diretor, que não conhecia, chama-se Renzo Martinelli. As tomadas e a fotografia... lindas! A história é interessante também: Um dos terroristas (presumidamente da Brigada Rossa) do sequestro e assassinato, no final da década de 1970, do então Primeiro Ministro italiano, Aldo Moro, está com câncer e resolve contar através de enigmas e pistas obscuras a verdade do caso a um juiz aposentado, interpretado pelo Sutherland.
O crime estaria ligado à tentativa de Moro em aproximar os membros do partido comunista e os do partido conservador católico italianos - coisa que traía o equilíbrio tenso e dicotômico criado em Ialta no final da guerra, e impensável tanto para americanos como para soviéticos. Durante o cativeiro, ele teria escrito um dossiê com segredos com os podres dos governos ocidentais que compunham a OTAN durante a guerra fria. A investigação leva à indicios da participação do Serviço Secreto italiano, do Ministério do Interior e, claro, da CIA e da KGB.
Aí vira um triller que se perde às vezes, mas que me fez lembrar do livro O Santo Grau e o Cálice Sagrado, aquele dos historiadores que teriam recebido pistas na Biblioteca Nacional em Paris sobre o segredo da linhagem merovíngia de Jesus e começam uma busca tipo Fio de Ariadne.
Trata-se, no fundo, dessa mistura de lhe ser oferecido o topo do iceberg da Verdade, mas também a perseguição dos que guardam o segredo. Como é também o caso do ótimo começo do Operação Cavalo de Tróia, do Benitez. Você acaba se perguntando: "mas será que é apenas ficção mesmo? Esta não seria a melhor maneira de contar um segredo? Ou seja, dizer a verdade em forma de romance?" Entretanto, ao mesmo tempo em que você sempre avança, o segredo sempre acaba fugindo de você. Também não é possível deixar de ficar desconfiado se você não está sendo manipulado na análise das pistas que lhe são dadas.
Descobri que o diretor entrevistou, durante as filmagens, um ex-integrante da Brigada Vermelha, a viúva de Moro, uma filha, e diversas outras pessoas ligadas ao caso - o que dá um toque especial à aura em torno da história e do filme.
Agora, sabe o que me deixou com a orelha em pé? A teoria da conspiração aponta para o envolvimento de uma Loja maçônica na coordenação do crime! Diversos elementos simbólicos maçônicos são descobertos na investigação, reforçando a tese. Na verdade, desde o livro de Baigent, Leigh e Lincoln, passando por trocentos livrinhos de romance histórico e chegando ao pop Dan Brown, a Maçonaria entra no rolo, fornecendo o elemento do segredo e do mistério, guardados por uma sociedade de iniciados - um conhecimento que, na imaginação popular, é bem concreto, e também implica em perigo e poder.
Enfim, o filme é bem interessante. Pelo menos para uma tarde preguiçosa, sentado na frente da tv. E o Sutherland é ótimo. Há também uma coisa do filme que lembra a época de ouro do cinema italiano. A cadência do realismo, mas misturada com um pouco mais de ação do cinema moderno. Diálogos desconcertantes, mas cheios de significado. E a dublagem dos atores - algo que o Fellini adorava fazer. Aliás, não é a primeira experiência do Donald Sutherland com o cinema italiano. Ele já havia feito o Casanova do Fellini. Não é um dos meus favoritos do Fellini, mas, enfim, é dele... Quer dizer, esse filme de hoje não chega aos pés dos antigos do Cinecittà, mas foi legal saber que eles não viraram um templo da Universal ou algo assim, e continuam a fazer cinema.
Agora, o filme do Sutherland que eu mais gostei (talvez depois de MASH), foi Os 12 Condenados. Esse eu amo! Dirty Dozen conseguiu reunir alguns dos atores mais legais da safra mais antiga dos EUA: Ernest Borgnine, Telly Savalas, Charles Bronson, Lee Marvin e o Sutherland, um dos mais jovens do elenco. Da época em que ainda faziam bons filmes de guerra.
sexta-feira, dezembro 02, 2005
Risco do abominável
Fiquei empolgado com a história dos monstros. Hoje fiquei procurando os roteiros dos trocentos filmes de Godzilla e de King Kong para poder fazer uma análise estrutural.
Ainda falta muito, mas já estou pegando um certo padrão. Ainda não descarto a hipótese da guerra fria, mas acho que o significado mitológico dessas histórias é um pouco diferente, ainda que decidamente ligado ao da guerra: o risco ambiental.
Todo monstro que surge ou é criado, vem de uma experiência científica que saiu pela culatra, ganância de alguma empresa, ou simplesmente do lixo mal cuidado.
Godzilla, por exemplo, acordou de seu sono de um milhão de anos por conta de testes nucleares americanos no pacífico. E tenho a impressão que seu bafão radioativo vem em decorrência. No King Kong vs Godzilla, o Kong é um gorilão que, mesmo não sendo produto dos descuidos industriais, tem seu tamanho avantajado propiciado pela ingestão constante de umas frutas enormes - cobiçadas por uma empresa farmacêutica que está interessada em comercializar os poderes terapêuticos destas berries, e aproveitando para capturar o macacão e usá-lo como o garoto-propaganda perfeito para mostrar a eficácia do negócio.
E existem outros exemplos que depois relatarei. Só para lembrar mais um: o Spectreman ajudava o Grupo Anti-Poluição contra os planos do Dr. Gori e seu lacaio Karas, um macaco loiro e um gorilão brutamontes, claramente saídos do Planeta dos Macacos, que criam monstros que se alimentam de lixo! Eu inclusive achei o discurso certinho de abertura dos episódios: "Planeta: Terra. Cidade: Tóquio. Como todas as metrópoles do planeta, Tóquio se acha hoje em desvantagem em sua luta contra o maior inimigo do homem: a poluição. E apesar dos esforços de todo o mundo, pode chegar o dia em que a terra, o ar e as águas venham a se tornar letais para toda e qualquer forma de vida. Quem poderá intervir? Spectreman!" Como eu adorava essa parte...
Trata-se, sobretudo, de uma interferência do pára-natural (que pode ser artificial, mas não necessariamente. O alienígena que vem do espaço e também entra na briga com Godzilla em alguns filmes, está a meio caminho do natural. Não é da esfera da cultura, com certeza, mas tem tecnologia) no natural. Aí surge o risco. Se aprendi algo com minha quase ex-objeto de estudo, é que na contestação da norma, na possibilidade de sua desagregação, surgem o perigo e o risco. A poluição e o profano são a ameaça da ordem da pureza e do sagrado.
A análise de aceitabilidade de risco em Mary Douglas está estritamente ligada ao debate da lógica classificatória em antropologia e ao paradigma do conhecimento científico. Prática e discurso estão relacionados ao modo como cada sociedade classifica e se organiza - modos de experienciar o mundo na vida social, e que implicam ação política (já que hierarquizada, como toda classificação) e as maneiras como os grupos buscam formar um consenso sobre o que pensam em que consiste o risco e como evitá-lo.
Aí entram os monstros. E as causas de seu surgimento.
*******
Por falar em monstro... Outro dia ouvi um trecho de uma conversa na cantina. Entre alunos de graduação. Primeiro ano, acho. Eram 3, estavam discutindo algum trabalho sobre os contratualistas.
Um deles: "Hobbes tem o lance do Leviatã. Garantir o bem do cidadão com consenso."
Outro: "Mas não tem aquele bagulho no Hobbes? Tipo, assim, sei lá?"
O terceiro: "Tem também o lance do estado de natureza".
E eles iam se entendendo.
Ainda falta muito, mas já estou pegando um certo padrão. Ainda não descarto a hipótese da guerra fria, mas acho que o significado mitológico dessas histórias é um pouco diferente, ainda que decidamente ligado ao da guerra: o risco ambiental.
Todo monstro que surge ou é criado, vem de uma experiência científica que saiu pela culatra, ganância de alguma empresa, ou simplesmente do lixo mal cuidado.
Godzilla, por exemplo, acordou de seu sono de um milhão de anos por conta de testes nucleares americanos no pacífico. E tenho a impressão que seu bafão radioativo vem em decorrência. No King Kong vs Godzilla, o Kong é um gorilão que, mesmo não sendo produto dos descuidos industriais, tem seu tamanho avantajado propiciado pela ingestão constante de umas frutas enormes - cobiçadas por uma empresa farmacêutica que está interessada em comercializar os poderes terapêuticos destas berries, e aproveitando para capturar o macacão e usá-lo como o garoto-propaganda perfeito para mostrar a eficácia do negócio.
E existem outros exemplos que depois relatarei. Só para lembrar mais um: o Spectreman ajudava o Grupo Anti-Poluição contra os planos do Dr. Gori e seu lacaio Karas, um macaco loiro e um gorilão brutamontes, claramente saídos do Planeta dos Macacos, que criam monstros que se alimentam de lixo! Eu inclusive achei o discurso certinho de abertura dos episódios: "Planeta: Terra. Cidade: Tóquio. Como todas as metrópoles do planeta, Tóquio se acha hoje em desvantagem em sua luta contra o maior inimigo do homem: a poluição. E apesar dos esforços de todo o mundo, pode chegar o dia em que a terra, o ar e as águas venham a se tornar letais para toda e qualquer forma de vida. Quem poderá intervir? Spectreman!" Como eu adorava essa parte...
Trata-se, sobretudo, de uma interferência do pára-natural (que pode ser artificial, mas não necessariamente. O alienígena que vem do espaço e também entra na briga com Godzilla em alguns filmes, está a meio caminho do natural. Não é da esfera da cultura, com certeza, mas tem tecnologia) no natural. Aí surge o risco. Se aprendi algo com minha quase ex-objeto de estudo, é que na contestação da norma, na possibilidade de sua desagregação, surgem o perigo e o risco. A poluição e o profano são a ameaça da ordem da pureza e do sagrado.
A análise de aceitabilidade de risco em Mary Douglas está estritamente ligada ao debate da lógica classificatória em antropologia e ao paradigma do conhecimento científico. Prática e discurso estão relacionados ao modo como cada sociedade classifica e se organiza - modos de experienciar o mundo na vida social, e que implicam ação política (já que hierarquizada, como toda classificação) e as maneiras como os grupos buscam formar um consenso sobre o que pensam em que consiste o risco e como evitá-lo.
Aí entram os monstros. E as causas de seu surgimento.
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Por falar em monstro... Outro dia ouvi um trecho de uma conversa na cantina. Entre alunos de graduação. Primeiro ano, acho. Eram 3, estavam discutindo algum trabalho sobre os contratualistas.
Um deles: "Hobbes tem o lance do Leviatã. Garantir o bem do cidadão com consenso."
Outro: "Mas não tem aquele bagulho no Hobbes? Tipo, assim, sei lá?"
O terceiro: "Tem também o lance do estado de natureza".
E eles iam se entendendo.
quinta-feira, dezembro 01, 2005
Histórias de gorilas e dragões
Na madrugada de ontem assisti King Kong vs Godzilla (ou Kingu Kongu tai Gojira). Bem tosco. Da década de 1960. Maravilhoso.
Sempre gostei desses filmes de Godzilla versus algum monstro grandão. Esse com o King Kong então... me parece o equivalente a um comercial em que aparecessem juntas Coca-Cola e Pespi. Os dois ocupam um mesmo... digamos... nicho - mas são no fundo completamente irreconciliáveis.
Bom, enquanto assistia comecei a viajar. Primeiro com esse negócio óbvio da destruição resultante do confronto. O filme é de 60 e bolinha, auge da guerra fria. Fiquei pensando se não tinha algo a ver com a posição do Japão nisso. Quer dizer, entre ex-URSS e EUA, talvez possamos considerar o Japão algo como um meio-termo; como um enclave da industrialização e do consumo ocidentais no que seria o oriente; uma ilha entre URSS e China por um lado, e EUA por outro.
Essa história de dois monstros ficarem se batendo sem um sentido aparente, apenas porque ambos são grandes e cada um quer ser o único a permanecer assim, enquanto os coitados dos japoneses e suas cidades são dizimadas como um mero acidente de percurso... bem, não era esse o sentimento que tínhamos quando apareciam informações do tipo "a URSS tem poder nuclear para destruir a Terra trocentas vezes, e os EUA trocentas ao quadrado"?! (afinal, até aí o capitalismo parece ter sido mais eficiente) Eu pelo menos me sentia uma formiguinha grata por nenhum operador de base nuclear ter cochilado ainda em cima do botão.
E para acrescentar, o Godzilla não é resultado de uma anomalia nuclear?!
Existem outras explicações complementares também. Pode ser que seja algo mais psicológico. No caso, em massa. Uma sensação de insignificância frente ao reino do inumano; ou, ao menos, uma posição de reverência frente a algo muito maior que si. Enfim, em uma terra que vira e mexe tem terremoto, tsunami ou tufão (o tornado ou furacão deles; não sei direito a diferença), a hipótese me parece até plausível. Coisa, aliás, que parece estar acontecendo com os americanos há algum tempo também. Vide a moda de filme de catástrofe agora, mas que já se anunciava desde filmes como Terremoto (aquele que tem o presidente honorário do NRA, aka Ben-Hur), pelo menos. Mas aí a coisa complica. Se há uma dimensão quase funcionalista (de regular conflitos sociais), o filme pode permitir também uma análise mais psicanalista. Trauma? Complexo?
Na verdade, enquanto via o macaco e o dragão se engalfinhando e rolando em cima do palácio imperial, me lembrei de um ensaio de Barthes sobre os marcianos que li há muitos anos. Barthes, naquele seu jeito francês de complicar tudo, tem, entretanto, uma sacada muito legal. Diante da ameaça da auto-destruição planetária com um confronto entre EUA e URSS, investida de uma representação esvaziada de alteridade - e por isso mesmo passível de possuir os sentidos mais estapafúrdios que são possíveis de imaginar - ele analisa o fenômeno dos viajantes marcianos. Para ele, os marcianos são o pólo extremo oposto da América capitalista, tendo os insondáveis e enigmáticos russos a meio caminho. Afinal, que americano sabia o que acontecia de fato em Moscou no auge da guerra fria? Coisas como o U2 (o avião, não a banda), embates entre agentes da CIA e da KGB na Alemanha Oriental e o que mais você lembrar das histórias de espionagem, alimentam uma mitopráxis de exotização do soviético que chega a ser ingênua, cômica e trágica ao mesmo tempo.
Agora, se o Said estava certo, isso não é novo. Afinal, o Orientalismo já não começou na Grécia Clássica? E passou, por exemplo, pelo Dante da Paulinha. Onde é que ele e Virgílio encontram Maomé? Na nona vala do oitavo círculo do Inferno. Já ali, quase cheirando o bafo de Lúcifer, no lugar reservado aos cismáticos e promotores do ódio.
Agora, não sei se Barthes estava totalmente correto ou se, ao contrário, os marcianos é que são os intermediários entre americanos e russos. Pelo menos em certas ocasiões parece o mais certo. Algo como o trickster do Lévi-Strauss.
Fazendo uma propaganda da minha dissertação (que, pasmem, foi retirada da biblioteca outro dia por algum maluco!!), é a função exercida pelo Milu, na oposição entre Tintim e os congoleses primitivos. O terrier é a figura anômala que, no mito, permite a relação, a mediação entre opostos, que de outra maneira, não se comunicariam. Milu, tal como os marcianos, está no campo do inumano. Ele é membro do reino da natureza, mas fala: uma terceira categoria. O congolês também fala, mas está com um pezinho na animalidade. O pólo extremo mesmo são os animais que Milu enfrenta: o leão, o macaco, o crocodilo e a serpente.
Segundo Barthes, o marciano representa o juiz - e em certos momentos, o carrasco também - que vem do céu. Observar e julgar esta raça que ameaça se auto-destruir. A ameaça nuclear não vem, no imaginário, do céu? Barthes inclusive chega a pensar sobre um certo despojamento marcinano como sinal desta posição superior. Eles não estão pelados, em discos lisos e sem qualquer tipo de rebuscamento? (tudo bem, tem Marte Ataca e Independence Day, mas isso veio depois) Mais do que isso: eles têm a mesma história que a nossa. Esse determinismo histórico se mostra em argumentos do tipo: "devem ser cientístas ou geógrafos marcianos que vieram nos estudar", ou "se são tão avançados para viajar até aqui, devem ter uma espiritualidade elevada também". Qualquer semelhança com nossa pequena aventura humana não é mera coincidência.
Só que Barthes não viveu para ver a queda do muro. Acho que algumas coisas mudaram na ameaça da invasão pela alteridade. Entretanto eles ainda vêm de fora, e não invadem exatamente - infiltram. Eles tomam os corpos, eles estão no governo (ou escondidos por este; o Arquivo X reatualizou a idéia da Área 51 de uma maneira poderosíssima) ou, supra-sumo do insidioso, controlam sua mente. Não tem agora um novo seriado (Warner, acho) que a esposa do cara é abduzida e não sabe? Ao que parece ela tem uma vida comum, mas algo foi feito a ela, então às vezes é como que possuída e perde o controle de si.
Bom, tudo isso para falar do Godzilla tretando com o King Kong. Em um mundo em que dois seres gigantescos lutam entre si para prevalecer em algo que não sei direito o que é, talvez eles não sejam as figuras anômalas. Talvez, ao inverso, sejam os pólos de alteridade, intermediados pelos pequenos japoneses - esses sim, liliputianos, indefesos, quase não-reais e quase-humanos (onde a humanidade, o foco do filme, parece ser um reino de grandes monstros briguentos).
Isso até a chegada de algum Spectreman ou um Ultraman (lembrando que os Ultramen, ao contrário do Spectreman humano, eram alienígenas que se infiltravam entre as autoridades que defendiam a Terra dos monstros de modo a obter informações de onde enfrentá-los. Agora, os vilões do Spectremen era um macaco loiro - Dr. Gori - e um gorilão - Karas. Falarei sobre eles em outro post), que circulam entre as pessoas comuns, mas podem crescer e lutar contra um monstro assim que este apareça para ameaçar alguma cidade. Então, quem sabe, Kong e Godzilla sejam de fato as figuras mediadoras da oposição, substituições e passíveis de serem substituídas por outras tríades de oposição mediada, como um humano que pode crescer enormemente e que passa a ocupar o lugar do trickster. No fim das contas ele nunca vai poder levar uma vida normal. Um Cinderelo. Um justiceiro que não pode gozar das glórias. A figura ambígua que incorpora a dualidade que media. E por aí vai.
Não sei. Mas King Kong contra Godzilla não pode ser também um exemplo do que Lévi-Strauss quis dizer com os mitos conversando entre si sobre os homens? Ou seria a despeito dos homens? Mesmo que estes pensem que são responsáveis, ao menos, pela produção e direção de um filme sobre os mitos.
Diferente do que talvez se poderia concluir pelo que foi exposto, também acho que os mitos não são reflexos simples de relações sociais. Tal como o rito, os mitos - como discursos que sâo - têm uma capacidade de tranformação do mundo dos homens que não é desprezível. Mesmo que se admita que eles não são expressão de uma estrutura mental profunda. Agora, se no nível da narrativa (ou diacronia), King Kong, Godzilla e os marcianos são coisas completamente diferentes, na análise da sintaxe (pois são linguagem), eles oferecem, sincronicamente, algumas correlações interessantes. Análise paradigmática do enredo do filme, mas também sintagmática, se formos considerar todos os King Kongs do cinema, todos os Godzillas, e todos os homenzinhos verdes (ou cinzas), sobrepostos e contrapostos em uma perspectiva mais geral. Não apenas elementos sistêmicos de um mito, mas mitos unidos pelo sistema de transformações que fornece ora um gorilão, ora um viajante espacial para dizer algo.
É, por mais que falem contra o binarismo estrutural, não consigo deixar de tomá-lo como fundamental em quase tudo - como, aliás, já dizia Leach.
Depois vou tentar uma análise estrutural dos filmes do Godzilla e do King Kong. Existem suficientes para tentar.
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