domingo, dezembro 16, 2007

Preparativos

Não imaginava que seria diferente. A correria de última hora. Tantas coisas e tantos lugares que fui "deixando pra depois", sempre pra depois, e agora queria fazer tudo ao mesmo tempo. A tristeza de saber que vou deixar muito inacabado. O que não é de todo mal, imagino.
A minha viagem para as Highlands já era, como acho que terei que deixar o Phantom para a próxima também. Sem contar nos trocentos lugares que ainda não conheci.
E não por falta de vontade e disposição, porque parece que nas últimas semanas tenho ficado na rua constantemente. A pesquisa que ainda guardou umas surpresas. Shows que estou aproveitando. Museus que ainda não vi. Por isso o sumiço também.
Quando penso que estarei de volta, percebo que a ficha ainda não caiu. E não vai cair por muito tempo ainda. Vai ser quando atravessar a rua, quando olhar o céu, quando beber uma cerveja, quando ouvir as pessoas. O estranhamento agora é ao contrário.
E não é só isso que ainda não consigo avaliar direito. Esse ano inteiro valeu por uns 5, e não estou exagerando. Ainda é difícil levar tudo em conta e chegar a qualquer conclusão. Quem sabe mais tarde...
Bem, percebo que este post veio em forma de telegrama. Tudo bem. Estou num clima de urgência mesmo.

sexta-feira, novembro 30, 2007

Arquivos da juventude

Dos jogos de tabuleiro, que já foram muito mais populares do que são hoje (ainda que eu ache que esteja acontecendo um ressurgimento, junto com os videogames), os de guerra eram que os que eu mais gostava. Como Combate, por exemplo, que eu costumava ir bem.
Mas, claro, adorava mesmo era WAR, em todas suas versões (menos o 2, que tinha o recurso dos aviões, que eu achava muito injusto, às vezes aniquilando tudo em poucas rodadas). E WAR rolava até em festinhas mais sossegadas (ou fracassadas).
Mas acho que o motivo por aturar os ânimos exarcebados - que invariavelmente surgiam - talvez fosse porque eu nunca me importava muito em ter meus exércitos dizimados e ser confinado a um único território - coisa que costumava acontecer com uma frequência alarmante. Bem, sempre gostei de ser o underdog, de qualquer maneira.
Além disso meus pais também nunca foram desses que diziam que esses jogos eram imperialistas, que filme de terror era proibido e que manga com leite não pode.
Os monetários também tinham seu apelo. Monopoly, Jogo da Vida, Status. Meu sucesso neste tipo de jogo seguia o mesmo padrão observado no WAR. Mas sair cedo do jogo tinha suas vantagens. Raramente chegava no ponto de saturação, que pode ser tão chato para os participantes do evento - e então ou você se arrasta até o final do suplício ou então interrompe tudo, alternativa broxante. Outra vantagem era que já podia treinar para um proto-antropólogo e assistir o comportamento competitivo dos humanos amigos.
Mas gostava também os de conhecimentos gerais, os de detetive (Detetive, Scotland Yard), os de dado, cartas... Sempre topei entrar numa roda de jogatina (mas, devo dizer, nunca participei de um RPG, não sei direito porque. A única vez que tentei, fiquei o dia todo para fazer um personagem - um lenhador rastreador - e nunca chegamos a começar a jogar de fato).
Mas tinha um jogo que combinava algumas características de jogos distintos: Supremacia, que na época da minha terceira série, mais ou menos, virou uma febre e desbancou, ao menos por um momento (e, não é demais lembrar, no auge da guerra-fria), o WAR.
Geralmente não gosto das regras que permitem uma reviravolta completa na sorte da peleja (como os malditos aviões do WAR 2). Mas esse tinha O recurso apelão por excelência, o que proporcionava um grande apelo, exatamente por sua tosquice.
Se as vias normais da diplomacia, a disputa mercadológica e o confronto armado convencional não funcionassem, ou se a sua paciência esgotasse, você não precisava levar a bola embora, ou chutar o tabuleiro. Simplesmente você comprava uma bomba nuclear e a soltava no território cheio de tropas e estruturas do infeliz ao lado e boa, partimos pra outro tipo de recreação mais inocente.

segunda-feira, novembro 26, 2007

Livros

Já devo ter mencionado meu cotidiano espartano, não? No TV, no internet, no phone. Por mais que eu fique sem fazer nada, tenho tanto tempo livre que acabo lendo muito. De tudo.
Não sou muito seletivo quando se trata de leitura. Pelo menos quanto ao tipo da prosa. Se estiver bem escrito e interessante, acho que leio até bula de remédio.
Esses dias resolvi retirar um livro de casos do Conan Doyle. Sempre gostei do Sherlock e, morando a apenas uma estação de distância de Baker Street, o detetive sempre acaba aparecendo para me lembrar dessa paixão. Fora o museuzinho no 221b e trocentas bugigangas em tudo quanto é barraquinha turística, o próprio tube trata de celebrar uns de seus mais famosos personagens, com decoração, excertos dos livros, etc.
E não é todo dia que você lê algo que goste e que se passa bem onde você mora, nas mesmas ruas em que você anda. Outro dia li um caso em que Holmes e Watson têm que solucionar um mistério, a pedido do herdeiro do trono bohêmio, em St. Johns Wood, meu bairro! Segundo Doyle, não muito mais que uma periferia calma e frondosa de Londres!
Por sinal, um dia conto um pouco da história do bairro, que fazia parte da grande floresta de Middlesex, propriedade de uma ordem religiosa - os cavaleiros de Malta, ou Hospitalários, ou de São João de Jerusalém, em referência a seu santo padroeiro. Daí o nome.

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Já é moda há algum tempo, mas só outro dia caiu a ficha realmente - do quanto isso é engraçado, para não usar uma palavra mais forte, como "ridículo", i.e.
Romances históricos competem com romances policiais no quesito ficção nas livrarias. Templários parecem ser os preferidos, mas qualquer ordem mais obscura pode virar tema de livro (e convenhamos, quanto mais pode ser dito desses caras?). A contra-partida, já estabelecida (por exemplo, Sherlock Holmes), são os livros policiais e de aventura em série que utilizam um mesmo personagem. Dirk Pitt, Scarpetta, Brennan e por aí vai. A idéia é simples: tornar os protagonistas conhecidos e queridos, familiares.
Agora os livros "históricos" estão pegando um atalho. Simplesmente já usam um personagem conhecido de ante-mão. Poupa-tempo. Você não precisa passar um bom pedaço do livro apresentando o dito cujo.
Um dos que mais proporcionou controvérsia esses tempos foi Michelangelo, transformado em detetive renascentista.
Esses dias estava folheando os lançamentos do tipo blockbuster e achei um deveras curioso: Sigmund Freud, aquele tiozinho tão esculhambado nesta pós-modernidade (e quase vizinho meu, por sinal), em uma viagem para os EUA, deve desvendar um mistério. Um crime foi cometido. A única testemunha, traumatizada. Restam os poderes quase mágicos dessa ciência recém-nascida (então), para resgatar as pistas que levarão os bandidos para trâs das grades.
Bem, eu sugiro um próximo personagem para um romance desse tipo: Malinowski, tiozinho interessante e esquisito. Mas se o grande público não estiver muito interessado ou familiarizado com antropologia, então pode ser, sei lá, Newton ou Shakespeare, que nas horas vagas exercitam poderes de dedução científica ou artística. Ou Marx, que entre capital e manifesto, testemunhou um assassinato num parque londrino e deve usar ferramentas sociológicas para encontrar o criminoso. Para o público lusófono, Camões pode ser uma. Ou quem sabe um mistério envolvendo Colombo, ou então Cabral?
Sacou o padrão?

domingo, novembro 18, 2007

Ode à biografia

Esses dias tenho ficado com a impressão que meu cérebro se transforma em geléia, minha miopia tem aumentado e tenho andado tão curvado que começo a pensar que estou virando Quasímodo.
Imagino que é o preço que tenho que pagar por meu voyerismo e essa minha intromissão. Tenho acordado fantasmas, ressuscitado conversas que há muito descansavam em silêncio. Tento demonstrar respeito, mas não é algo de se sair incólume.
Meu prazer em transformar minha bibliografia em humanos exige um sacrifício. Como se mexer neste equilíbrio passado não fosse tarefa leviana, lidar com os poderes da alquimia e do éter. Nem acho que deveria ser, de qualquer maneira.
Mas não há escapatória, eu mergulho no fluxo da recordação alheia, assumo meu papel de leitor onisciente - ou se preferir, de paranormal e vidente. Sinto o gosto do vício que corre em minhas veias como a endorfina abençoada e entro, no que é jargão corrente do meio basquetebolístico, in the zone.
E contemplo fascinado cada letra, bonita ou feia, cada erro de ortografia, cada declaração de amor, cada relacionamento insuspeito, cada desabafo, cada crítica cáustica, cada exemplo de amizade, cada tristeza e cada sucesso, cada gentileza e cada notícia, e começo a enxergar um filme do passado, em que aquelas pessoas que para mim eram nome apenas, ganham cor, cara, som. Mas então lembro que são vidas que se findaram, ciclos que, ainda que escondidos e enterrados, estão fechados. Essas vozes, tão vivas e tão vibrantes, estão mortas. Essa quase amizade que começo a estabelecer, é via de mão única, e sei que minha própria voz nunca mais chegará em seus ouvidos e que arrisco me machucar.
E chego à conclusão que nunca alguém ficou tão próximo, para então sua distância parecer tão punjente..
Tento retraçar passos e caminhos percorridos, mas estes são tortuosos e muitas vezes desaparecem, sem deixar vestígios. E então tenho que redobrar meus esforços, pensar em outros percursos, e ter que me conformar com o fato de que talvez eles não mais existam. Fico com o gosto, salgado de suor, de algo interrompido, de apenas flashbacks de histórias.
Mas ainda sim tenho que acreditar que essas mesmas vozes ainda merecem ser resgatadas. E então respiro fundo, ajeito meus óculos, estalo as costas e continuo a trabalhar.

quarta-feira, novembro 14, 2007

5 pensamentos ignóbeis:

- Por quê os hotéis não têm décimo terceiro andares? O décimo quarto não vira o décimo terceiro então? Ou, se tem lobby, ou zero, o décimo segundo não é, na realidade, um andar acima? O que importa é o numerinho no elevador?
- Tenho certeza que todo mundo já veio com aquele papo pseudo-cabeça, reservado para a noitada no boteco, de que "celular virou uma necessidade quando antes passávamos muito bem sem", ou o lance fight club de que somos doutrinados a querer coisas que não precisamos. Mas o que significa realmente ter celular? Há 10 anos você não parava o carro, corria pro orelhão e ligava falando "estou indo pra casa".
- Por quê tudo o que é orgânico é bom e tudo o que é transgênico é ruim? O que isso significa, afinal de contas? E qual é dessa esquizofrenia dos estudos (sempre de cientistas canadenses ou alemães; essa galera não tem mais o que fazer?) que falam que o tomate é bom pro coração, mas as sementes podem dar câncer? E aí, como você prefere morrer?
- Por quê nos filmes, quando a pessoa sabe que vai morrer, o que ela realmente quer é um cigarro? Por quê não sexo? Bem, ok, às vezes é um beijo derradeiro...
- Já percebeu que os diretores já montam a cena sabendo que aquele pedaço vai virar trailer, ou pior, vinheta na apresentação dos indicados para o Oscar?

PS - Ando trabalhando tanto que chega a hora de escrever um post não tem como sair nada melhor que isso... sorry.

sábado, novembro 10, 2007

Diary

Captain's log: Today the crew started to get unsettling with the lack of women and the grogue diet. There's an eerie feeling drifting through the ship and the wind is long gone...

Ops, diário errado!

Nova entrada: Hoje avistamos novamente o leviatã. Ela parecia mais curiosa do que agressiva, espiando-nos, cada vez mais próxima, cada vez que subia à superfície. Finalmente ela emparelhou conosco, quase tocando o barco, virou levemente de lado e olhou, assustadoramente ciente, direto em meus olhos! Abriu a bocarra, como se fosse bocejar, e então chamei, convicto de obter uma resposta: "Jonas"? E, um momento depois, certo de que cometi um engano: "Gepeto"?

Affe, qual é dessa temática náutica?

Vamos de novo. Dessa vez vai.
Querido diário: Conheci um dos lugares mais tradicionais da cena musical londrina, o Roundhouse. Há décadas que esta antiga estação transformou-se em um lugar em que as bandas apresentam seu repertório. Hoje o espaço está mais trend do que costumava ser na década de 70, durante o apogeu da cena brit de renovação, mas ainda sim muito divertido, na borda de Camden Town.
Para os filhos do New Wave, o show foi histórico. O público empolgadíssimo (e engraçadíssimo; vocês não imaginam as figuras presentes...) garantiu uma atmosfera animada e leve. Pena que eu estava quase em estado de comatose de tão cansado. ELA, divina e mesmerizante (essa palavra existe?), parece que congelou no tempo. A voz ainda tem potência e o visual ainda fascina.
Só pensei nisso agora, mas acho que o segredo sempre foi misturar a aura femme fatale e o mistério à la Mata Hari com uma fragilidade que inspira caridade (como a vontade de pegar um bichinho abandonado), sempre com os movimentos insinuantes de uma odalisca. Isso faz algum sentido?

quinta-feira, novembro 08, 2007

Busy

Fico um tempo sem escrever por aqui, os assuntos acumulam, as idéias brotam e a vontade de "contar pros amigos" vem. Mas quando finalmente tenho internet na frente da fuça, dá um branco...
Ando correndo muito esse final de ano. E acho que o ritmo não diminui até eu voltar. Tenho passado horas em bibliotecas, todos os dias, pegando todo o material que eu consigo. Já desisti de começar a escrever por aqui. Agora minha missão é coletar dados, dados. Mas as coisas parecem promissoras...
Depois eu dou um relato mais minucioso sobre meus achados, verdadeiras pérolas, devo dizer!
Os arquivos que tenho mexido são bem recentes, coisa de 60, 70 anos (a vantagem de fazer "história da antropologia" é essa). Mas já me deparei com cada coisa... tenho que me concentrar, respirar fundo, e não sair estudando outros arquivos só porque tudo parece tão fasciante e emocionante! Algumas coisas são da época em que do outro lado da poça existiam apenas indiozinhos e uns vikings...

quinta-feira, novembro 01, 2007

Pequeno update

Queridos (considerem distinções de gênero anuladas) amigos antropólogos ou cientistas sociais, não vou ficar falando muito aqui contando como as coisas aqui são diferentes, em termos de recursos, prestígio e oportunidades de pesquisa. Isso porque nem estou no eixo Oxbridge, realmente OUTRO nível (notícia, aliás: Marilyn Strathern está se aposentando e quem vai ocupar sua cadeira em Cambridge é nosso conterrâneo Viveiros de Castro). Ou alguns lugares da Ivy league gringa. Mas ainda sim...
Mas uma das coisas que eu acho realmente incrível é ver e conversar com sua bibliografia! Ontem vi uma palestra interessante do Tim Ingold que, suspeito, já tem cacife suficiente para ser um pouco... excêntrico... nas suas pesquisas. Eu que achava que todo o papo eco-viajante era uma grande metáfora para, sei lá, método biográfico, diferença entre sociologia e antropologia... vi que ele falava exatamente do que ele parecia falar.
Mas, enfim, rolam palestras muito legais por aqui.
Para muitos de meus colegas Judith Butler é um alento para o que pode ser muitas vezes a árida planice teórica moderna. E nada mais chique que assistir uma palestra da moça na LSE! E, devo acrescentar, ela é muito irônica e com ótimo senso de humor! Como diria um professor, um luxo!

Ah, olha que legal! E que faz bem pro ego: o Edson, escritor do blog cujo endereço coloquei aí do lado, publicou um post meu sobre o filme do Joe Strummer! O blog é muito legal, com inúmeros cometários sobre montes de filmes!

Última notícia: agora é contagem regressiva mesmo! Segui conselhos e voltarei no Natal!

domingo, outubro 28, 2007

Praga II - O Retorno

É fato universalmente aceito por todos os seres cientes e dotados de um mínimo senso estético, daqui (seja onde for aqui) até Timbuktu, que as sequências nunca são melhores que os originais. Não têm nem mesmo qualidade semelhante. Exceções, dignas de nota, vão para O Império Contra-Ataca, para As Invasões Bárbaras e possivelmente para Shrek 2.
Mas via de regra, continuações raramente trazem algo de inovador, limitando-se a emular a estrutura de algo que funcionou uma primeira vez. Inevitavelmente vem aquele gosto acre de paródia, de farsa, de que seja lá o que de bom havia pra começo de conversa na história agora acabou em detrimento da lógica caça-níquel cada vez mais em voga e que se ferrem os espectadores porque no fundo são todos uns deslumbrados que têm a mesma mentalidade de viciados em heroína sempre atrás daquela euforia primeva cada vez mais distante e longínqua mas sempre santificada como o graal dos peregrinos.
Mas, enfim, conto que voltei para Praga! E não quero dizer que foi melhor que da outra vez, porque a aventura com Dani e Malu pela terra das consoantes foi demais! Essa vez foi apenas... diferente. Fiz coisas que não fiz da outra vez, então não sei se é justo comparar.
A Praga que vi esse final de semana nem é a mesma Praga de três meses atrás, ensolarada e opressivamente quente. Cheguei num frio, com neblina e chuva, que proporcionaram um cenário todo distinto.
E ao invés do hostel que tremia toda vez que o metrô passava zunindo do lado e que me dava medo de pegar piolho ao dormir na cama, dessa vez tive tratamento vip! Não entrarei em detalhes, mas conto que comi pela primeira vez num restaurante listado no guia Michelin!
Subi os tais 287 degraus da catedral de St. Vitus (e quase sucumbi como resultado), como prometi à minha amiga Ju, fui ver os vitrais e os afrescos do Mucha, fiz uma oração (encomenda de minha avó) na igreja do Menino Jesus de Praga, fiz degustação de cervejas tchecas (maravilhosas e baratíssimas) e camelei muito!
Mas agora, olha que estranho: estava esperando no lobby do hotel a hora do jantar quando chega um dos médicos do grupo e me pergunta "como vai a velhinha, sua vizinha? E aquela história, como ficou?". Demorou até cair a ficha e entender sobre o que ele estava falando...

domingo, outubro 21, 2007

Ratinho em Londres

Quem me conhece sabe que meu modus vivendi não é compatível com barraco. Nunca gostei, nunca vou gostar. Certamente nunca vou fazer (a menos que você me encha o saco! - Já que também não sou dado a contradições. Ou ironia, pelo que me consta).
Enquanto escrevo isso, um barraco está rolando na casa ao lado. Ouço os gritos e reconheço algumas ameaças, suaves e veladas: "You fucking bastard, I'll kill you", "Shut up you fucking slut", bem como uns sons gruturais que impressionantemente estão saindo de gargantas humanas, o rufar de pés correndo e o estrondo de objetos atirados e consequentemente quebrados.
Mas esses vizinhos são escandalosos mesmo. Desde que me mudei pra cá eu ouço berros e promessas de espancamentos e morte. Geralmente é a mãe, quando tenta fazer os filhos irem para a escola de manhã. Ela alcança uma oitava que qualquer cantora sentiria inveja. Aquela que racha cristais e atiça os cães da vizinhança. Nessas ocasiões, a coisa vai esquentando por uns vinte minutos, até que finalmente ela consegue arrastar os fedelhos pra fora (a menos que algum se tranque no banheiro, quando então promessas de arrombamento e aniquilação da porta a pontapés afloram). Mas de vez em quando é o pai que esbraveja e me faz lembrar do lobo mau, assoprando a casa dos porquinhos.
Não sei como ninguém chamou a polícia até agora. Ou pelo menos a super nanny (ou a Trisha, a equivalente da Márcia Goldsmith daqui).
Mas esse é o problema de se morar em apartamento: a chance de você ter um pirado morando perto o suficiente para você ouví-lo, é estatisticamente suficiente para você de fato ter um.
No meu prédio, no Brasil, tenho vizinhos que jogam lixo pela janela, ouvem sertanejo no som da sala imaginando que estão num trio elétrico, ou deixam a tv num volume tão alto que você pode concluir que ou a terceira guerra mundial começou do outro lado da parede ou então alguém está vendo um filme de guerra. Como disse uma vez Palahniuk: "these sound-oholics, these quiet-ophobics".
O prédio em frente (no Brasil) é ainda pior. No apartamento logo em frente, do outro lado da rua, vira e mexe a mulher começa a jogar tudo ao alcance das mãos no marido (uma vez presenciei um chute tão certeiro e espetacular, com uma bola de futebol que marcava por lá, e que tinha como alvo a cabeça do sujeito, que se fosse um olheiro de algum time a convidaria na hora pra fazer um teste no meu clube), ao mesmo tempo que demonstra a excelente forma pulmonar.
Uma vez, um amigo e sua então namorada vieram fazer uma visita. Domingão. No terraço do prédio da frente, que imagino seja a área social, rolava um churrasco básico. De repente, do burburinho das conversas e das ébrias risadas usuais, irrompe um "vou te matar, filha da puta" e a típica sonoplastia da cizânia que normalmente segue tal declaração. Aí ouço uma mulher gritando, histericamente, pra alguém chamar a polícia. Em alguns minutos o terraço fica silencioso e não sei se alguém possuído por completo por um frenesi assassino acabou matando todo mundo capaz de emitir ruídos, ou se a galera começou a se digladiar em outro lugar, mais reservado. Claro que enquanto isso, do nosso lado da rua, havíamos parado de conversar e passamos a apreciar a rusga, com aquela curiosidade macabra que Deus concebeu a todos os primatas deste planeta.
Isso porque meu bairro é considerado de "alto nível". Tem associação de bairro, jornalzinho local, manicure canina, empório, e frutarias orgânico-maníacas caríssimas.
Mas esses vizinhos aqui do lado são diferentes. São também judeus ortodoxos. Não digo isso depreciativamente, como um comentário anti-semita. Pelo contrário, imaginava que aquela galera que vejo toda semana saindo de terninho e de vestido chique da sinagoga, como se todo domingo rolasse um casamento por lá (tem duas sinagogas grandes aqui no bairro) fosse mais civilizado (mas aqui estou em terreno perigoso; não importa o quanto eu profira tolerância, quando o assunto entra por essas bandas identitárias, alguém sempre vai levar pelo lado errado. Como gente muito mais inteligente do que eu já percebeu, nada pior do que o complexo de culpa liberal que tenta balbuciar desculpas pelas injustiças cometidas. Mas, claro, o melhor mesmo é ter cuidado).
Umas semanas atrás eles ergueram uma barraca no jardim (do lado da minha janela). Tipo uma daquelas cabanas de poder que alguns grupos xamanísticos gostam de montar para os rituais de auto-conhecimento. Tinha uma mesinha, um monte de badulaque pendurado (pra mim parecia vudu) e uns canapés - kosher, imagino. A família convidava seus amigos israelitas e ficavam cantando musiquinhas religiosas a plenos pulmões - às 10 horas da noite! O equilavente hebreu das rodinhas de praia, em que algum chato pega o violão e começa a tocar músicas do Legião.
Mas seja lá qual for a data especial (que durou algumas semanas) que suscitou a cantoria no jardim, agora passou, e a oca foi desmontada. Agora, não sei se na verdade sinto saudades dessa época, já que enquanto eles cantavam, pelo menos não se matavam como personagens de um filme do Spike Lee.

This is Halloween


Acho interessante observar algumas diferenças culturais, que não são tão diferentes assim - como datas comemorativas, por exemplo. Explico melhor: temos Natal no Brasil, sabemos o que é Halloween. Mas comemoramos e compreendemos essas datas de outra maneira. São estruturas análogas, mas simbólica e processualmente muito distintas. Inteligíveis, mas historicamente separadas. Mesmo quando são imitadas aparentemente fielmente, o ritual sempre muda.
Quando estudava inglês no In Touch, na era mesozóica, existiam várias atividades culturais extra-classe: teatro, festas, excursões. E no Halloween, como toda escola de inglês que se preze, mergulhávamos na preparação da decoração, as aulas eram em torno do tema, tínhamos festas à fantasia temáticas, por aí vai. E saíamos de monstros e vampiros, pedindo doces pelas casas. Os moradores das redondezas já estavam acostumados, então já não eram pegos de calças arriadas, e sempre tinham um estoque de doces nessa época do ano.
Agora, não quero nem ouvir falar de imperialismo americano e dizer que é uma data que não tem significado no Brasil. Não me venham com uma de Suassuna, porque daí vai ser complicado achar alguém que siga costumes estritamente tupinambá, anauê ou o que seja. O fato é que era divertido, ainda mais porque eu sempre tive uma queda pelo que é gótico, pelo horror, pelo fantástico.
Mas é certo também que Halloween não é de fato muito relevante no Brasil. Pelo menos não tem a mesma importância que tem nos EUA.
Estando em um país anglo-saxão, agora eu vejo como alguns feriados têm mesmo um sabor novo. E a noite das bruxas deixa isso muito explícito. Nos supermercados, nas bancas de frutas da rua, nas delicatessen, você encontra enormes abóboras para se transformarem em Jack-O-Lantern. As lojas vendem máscaras, presas postiças e capas pretas. O comércio se maquia de branco, negro e vermelho, e teias de aranha são penduradas nas vitrines.
Eu acho demais. Quando eu ver como é o Natal eu volto pra contar mais diferenças...

PS - A foto é de autoria de Dan Haskell, que deixou links nos comentários deste post. Sorry about that Dan, but here it is! Cheers!

sábado, outubro 20, 2007

Minhas paranóias

Já parou para pensar sobre aqueles "papagaios de pirata" que saem ao fundo, na sua foto? Alguns se dissolvem na paisagem, mas alguns você acaba reparando. Porque são bonitos, porque estão com uma roupa chamativa, porque estão em foco, na mesa de trás, junto ao monumento sempre lotado... Você nunca mais vai ver essa pessoa. Talvez até passe do lado de alguém que viu, que conheceu, ou que viu ou conheceu alguém que viu ou conheçou (pensando sobre os 6 graus). Mas nunca vai ficar sabendo. As robinsonadas de que falava Marx são mais fortes. Você não é exatamente uma ilha, mas sua vida como você a concebe muitas vezes é. O reconhecimento que algo mais além da mera presença neste planeta e da posse de um polegar opositor liga você a um desconhecido, nem que seja um simples vislumbre, na rua, não é uma opção.
E mais: a chance de você estar inadvertidamente no álbum de fotos de alguém é muito grande. Afinal, todo mundo hoje em dia tem uma câmera digital que leva na viagem ou na festa de aniversário no boteco, ou tem um celular que tira foto, etc. A idéia de que eu permaneço anônimo e congelado, nas lembranças e alegrias de outras pessoas, é assustadora. Só de fotos de viagem para Londres, devo ser residente de dezenas de pastas de imagens; todas, como um fantasma que assombra a famosa faixa de pedestres, atravessando a Abbey Road.

quinta-feira, outubro 18, 2007

"Intelectualmente desfavorecidos?"

Junto com o miguxês e o gerundismo-telemarketeiro, uma das piores pragas do meio comunicativo moderno é o politicamente-corretês.
Mas o politicamente correto está se transformando. Se refinando, diria. A arte de pisar em ovos e não ferir (demais) os sentimentos alheios se desenvolve paralelamente com as crescentes políticas diferenciais voltadas para... bem, para as diferenças (etnia, preferência sexual, credo, aparência, time de futebol...) (o efeito, na prática, é geralmente o oposto, claro: vide imigração, xenofobia, etc).
Se você gosta de jiló vai acabar conseguindo provar que é uma minoria perseguida no meio gastronômico, e tem o direito de comer jiló em paz junto com seus colegas comedores de jiló (e se bobear, conseguir reparações materiais dos comedores de quiabo).
Cada um na sua guilda ou no seu feudo encantados e ai de quem trespassar!
Esse politicamente correto do novo milênio está, de certa forma, se cristalizando na fala e pensamento das pessoas - o que, convenhamos, é um pé no saco. Mas enfim, tem lá seu mérito... o mundo não está mais justo e tolerante, mas pelo menos está mais... polido, ponhamos assim (e talvez mais hipócrita também).
Veja alguns exemplos das expressões e eufemismos que estão se tornando correntes no mundo profissional e que foram compilados por um maluco aqui. Variam do puramente engraçado ao estupidamente cruel:
- Generously proportioned (gordo)
- Wardrobe malfunction (brega)
- Memory failure (mentindo)
- Negative investment return (prejuízo)
Para demitir, essa coisa chatíssima para quem tem que por ventura fazer com algum funcionário (mais chato ainda para esse último), existem vários exemplos. Os membros da equipe que ficaram com o palitinho menor podem ser: "thinned out", "redeployed", "restructured", ou serem passíveis de "headcount management", "personnel ceiling reductions", ou ainda serem aconselhados a "further their career" ou "cut the pigtail". Não é uma graça? O segredo consiste em ferrar com alguém e se sair bem na fita, como se tivesse feito um favor em iluminar o caminho do infeliz.
Você se fodeu de verde e amarelo, mas sai do escritório achando que seu chefe é uma boa pessoa, um cara sensível e decente.
Daqui a pouco chegaremos a um tal nível de refinamento que você vai poder chamar a mãe do outro de biscate e sair ileso. Algo como "sua progenitora é sexualmente caridosa". É. Algo por aí.

terça-feira, outubro 16, 2007

Abulafia

Ultimamente estou ratinho de biblioteca. Não que isso seja algo difícil, ou mesmo ruim, na verdade, dada a natureza das bibliotecas aqui... na já referida do meu bairro, eu encontro até mesmo um Giddens... bem, isso não é tão surpreendente assim, ainda mais aqui na Inglaterra. Mas engraçado que tem um monte de livro do Castells também. mmm, vou até pesquisar melhor o perfil "ciências sociais" das bibliotecas públicas (são literalmente centenas).
Bem, mas as jóias da coroa são evidentemente a British Library e a Senate House. A British Library recebe uma cópia de todo livro impresso no Reino Unido. É lei. É claro que eles têm muita coisa de outros países, além de periódicos, imagens, vídeos, mapas, manuscritos... mas acho que já falei dela, não?
Enfim, é linda, mas não muito prática para minha tática de estudo, que consiste em percorrer as estantes, fuçar os livros em volta daquele que iniciou a pesquisa, ter contato direto com eles. Na BL você acha a referência no computador e faz o pedido. Um funcionário então traz o dito cujo na sua mesa. Um drive thru intelectual, por assim dizer. Meio esterilizado. Provavelmente você encontrará o que está procurando, mas é difícil topar com alguma boa surpresa, ao acaso. No esquema graus de separação transladado à pesquisa bibliográfica, digo.
Mas a Senate House, a biblioteca da Universidade de Londres (que é o colegiado de várias universidades) é diferente. O prédio pra começo de conversa, mais antigo, em forma de lança, parece uma versão menor do Empire State Bulding no coração de Bloomsbury, o bairro intelectual daqui. Vários andares, corredores, alas, sessões, escadas, rampas e elevadores pré-históricos, dos mais variados tamanhos (o que sobe para o sexto andar, o de antropologia, sai da sessão de periódicos do quarto andar e não permite mais que duas pessoas, apertadas), com milhões de livros e revistas adornando as paredes à sua volta. Não tem tantos exempares como na BL, mas ainda sim é a maior biblioteca de Ciências Sociais do Reino Unido!
E cada raridade que se acha... Pimba, pego um livro de 1900 e bolinha e vejo que ninguém o retirou por décadas (bem, isso acontece no ifch também). Acho isso tão legal. Eu resgatei o coitado daquela estante, onde repousou imóvel por anos, quando alguém, que provavelmente não é nem mais um estudante e, quiçá, nem está mais entre nós, e que se interessou pelo mesmo assunto, o usou pela última vez. E eu sei que ninguém vai rasgar o coitado, roubá-lo ou sublinhá-lo, então é bem provável que eu acabe sendo uma pequena parte de sua longa história.
E é divertido que você começa a pegar a lógica e conhecer o lugar apenas depois de ter ido lá umas 10 vezes. Porque fica tudo espalhado. Eu me sinto William (ou Sean Connery) no Nome da Rosa, percorrendo a biblioteca da abadia, bestificado com a enormidade da experiência.
E a sensação de que uma lógica hermenêutica perpassa a biblioteca e seu modo de funcionamento é real e paupável. Como se fosse necessária uma chave cabalística para decifrar o lugar. Ou, fazendo referência a outro maravilhoso livro do Eco, um Abulafia para destrancar os mistérios e as maravilhas do conhecimento, que estão ali esperando quem realmente quiser procurar.

segunda-feira, outubro 15, 2007

Egotrip

Trocando e-mails com uma querida amiga, resolvi escrever algo sobre essa minha experiência em Londres. Falávamos de solidão, a vida numa cidade nova e a necessidade de descobrir até que ponto gostamos de nós mesmos.
Digo, apesar das visitas que tive e das amigas que tenho aqui, passo a maior parte do tempo sozinho. Dias se passam sem que eu fale com viva alma às vezes. E quando falo é em inglês... Não tenho tv, nem mais a precária internet de antes. Telefone idem (ok, tenho um celular, mas aí não é mais algo da casa; celular está virando um apêndice humano; é tão absurdo sair sem ele como seria sair descalço). As distrações de casa são livros, meu laptop e a cozinha (e não é que aprendi a fazer algumas coisas mais elaboradas que omelete?!).
Nesse ambiente espartano inevitavelmente tenho muito tempo para prestar atenção em mim mesmo, de uma maneira que, arrisco a comparação, carinha que sai andando semanas até Santiago também deve ter. Bem, a capital britânica não deve proporcionar o mesmo tipo de iluminação transcendental que as paragens bascas, e não tive nenhum tipo de epifania ou recebi um chamado. Mas descobri que eu posso me aguentar por um longo tempo. E foi bom saber disso.
Claro, tudo aqui é temporário, sei bem disso. Estou chegando no ponto de saturação, e se não soubesse que logo vou voltar, provavelmente pediria pra passar a régua e cruzaria o oceano novamente. Gostar muito de mim mesmo não basta, logicamente. Essa é a conclusão a que cheguei.
Londres tem seus medos e ameaças, diferentes dos encontrados na terrinha. E nem sei se são mesmo comparáveis, como é inevitável acabar fazendo, ao contar as experiências vividas (alguém poderia argumentar, com certeza com razão, que estatisticamente um lugar é mais seguro que outro, mas não é bem disso que estou falando).
Os loucos, esse medo meio esquisito de ser explodido durante sua viagem pelo transporte público (sacolas e bolsas largadas assumem outra perspectiva), as histórias dos psicopatas que empurram gente no metrô, os que pulam no metrô. Os esmagados no trânsito (geralmente turistas que esquecem da mão inversa). Os vigaristas. Os que são esfaqueados (e, tremei, os londrinos começam a descobrir o que é o medo de arma de fogo). O fato de não saber os sinais, não ajuda, claro. Mas quando você começa a compreender a diferente semântica cotidiana, sua grandiosidade, o absurdo imanente que afinal de contas a define como uma ameaça, este verdadeiro significado de perigo começa a trabalhar em um nível diferente de medo.
Antes que alguém me dedure para a embratur inglesa, me apresso em dizer: me sinto muito mais seguro aqui, sem dúvida. Andar sozinho na rua às 2 da manhã não é uma aventura...
Estou lendo um livro que a Dani encomendou para a pesquisa dela, o já famoso "Muscle" de Sam Fussell. Camille Paglia (essa pessoa, digamos, controversa) tem razão, na orelha do livro: ele parece um relato atual de Alice. Mas, completo, possui também uma pitada de Hunter Thompson e muita, mas muita ironia, humor e graça. Graça que, entretanto, apenas expõe e amplifica o fato de que tudo o que Fussell fala é extremamente assustador. Quem é você senão uma construção esquizóide em face de como você encara as coisas ao seu redor? E, claro, o medo do mundo tem sua parcela de contribuição em como você se faz ser visto pelo outros. A tal ponto que não é risível perguntar se este, mutatis mutandis, não se trata de você mesmo.
Apenas, acho, algumas pessoas se rendem mais absolutamente a maneiras extremas de se proteger.
Enfim, começo a divagar, pra variar. Termino com um lindo e, de certa forma, encorajador verso de Robert Frost que, não tenho dúvidas, teve sua parcela de experiências por vezes assustadoras para descrever esses sentimentos:

The woods are lovely, dark and deep.
But I have promises to keep.
And miles to go before I sleep...
And miles to go before I sleep.

domingo, outubro 14, 2007

Esse final de semana

Esse final de semana tive um programa diferente, mas ao mesmo tempo muito familiar. Fui num bar brasileiro, com a Si, o Chris e a Carol, beber brahma e ouvir DJ Paulão discotecando! Antes de vir para cá parece que era só o que fazia - ouvir black music do DJ Paulão ou seus discípulos nas baladas. Mas eu gosto da ironia de vir para Londres e... ouvir DJ Paulão!
E dessa vez foi diferente. A brasilidade no exterior é diferente. Extremamente mais caricaturizada, mas com um outro apelo. Não sei se é a saudade de casa, uma válvula de escape para toda a estranheza de uma vida num país que não é o seu... e nem é toda hora. Aliás, pra falar a verdade, eu fujo de tudo o que é brasileiro aqui...
De qualquer maneira, adoro dançar (não que eu saiba, mas não precisamos entrar nesse mérito), e gostei muito da noite, bem como do lugar (Guanabara, lá em Holborn, lugar composto metade por brazucas e metade por gringos empolgados que são, por sinal, os mais engraçados que existem). Até relevei o fato de estar pagando 14 reais por cada long neck de brahma (!?) que tomava (e foram muitas). Bem como o fato de que o repertório é decidamente mais comercial que o normal (mas é o que os gringos e os brasileiros migrantes querem ouvir: o samba mais manjado e reconhecível possível) - claro que o Paulão sabia disso.
Fiquei tão passado que quase não consigo ir no Undertones no dia seguinte! Digo quase, porque no final decidi que ia me arrastando mesmo, mas não ia perder o show, que foi muito bom! O resultado é que peguei uma gripe e tenho que apertar o cinto até a próxima bolsa, mas acho que valeu a pena.

Outro efeito colateral foram sonhos esquisitíssimos. Exemplo de um:
Me vejo na tv, de esquis, câmera estilo enduro de corrida, deslizando pra cá e pra lá no gelo, seguindo um pinguim, que é entrevisto por breves momentos, escorregando adiante. Ele me leva até uma competição de off-road - de fiat unos. Eu e um amigo entramos na competição e somos melhores do que imaginávamos. Eu completei o percurso em 1 minuto e 15 segundos, ele um segundo mais rápido. Mudo de canal e finalmente posso ver de onde estou assistindo. É minha casa, e estou assistindo tv com minha prima Ju. Ela come uma pizza e eu um big mac requentado. Na tela agora é a nova novela das oito: descubro que uma personagem, a da Malu Mader, é uma ricaça que é culpada de fraude fiscal nos EUA e foge pro Brasil, mas não conta nada disso pra família, que acha que ela veio de férias. Outro personagem na novela é o Gianfrancesco Guarnieri, que faz um homem que está fugindo de algo. O caseiro do lugar onde ele está escondido, chamado Sebastião, protagonizado por um desses atores clichês (no caso, porteiro, caseiro, motorista), sabe que o cara tem algo a esconder e suborna o coitado do Guarnieri por 400 libras. Ele diz "eu sei que você deve no cartório. Mas pode deixar que o tio Sebastião vai proteger seu segredo direitinho" e dá uma risadinha irônica, ao que o outro replica, ao perceber que estaria constantemente à mercê do safado se não tomasse uma providência "na verdade, eu já tenho um amigo para me proteger", a típica fala de um filme do Jerry Bruckheimer. O sorriso de Sebastião desaparece, substituído por uma expressão de quem não entendeu. E então seu rosto congela, ao perceber que Guarnieri tira um .38 da cintura. Aponta e atira. Eu viro para minha prima e digo "essa novela nova é malvada, mas ainda sim barata".
Vai entender a mente convalescente...

domingo, outubro 07, 2007

Natalidades

Ontem fui numa festinha de aniversario, da linda e sorridente Letícia, que fez seu primeiro aninho de vida aqui na terra da rainha. Brigadeiro, pão de queijo, beijinho e cachorro quente! Como adoro festa de criança...
Aliás, ultimamente parece que só tenho comprado presente pra crianca, indo pra festa de criança... todo mundo está tendo filho! Por um lado isso é meio assustador... quem vai sobrar pra ir pro boteco comigo em breve?!

terça-feira, outubro 02, 2007

Redencao, ou como todas as cagadas sao perdoadas no tiroteio final

Ok amigos, estão com o chocolate quente em mãos e a coberta ao redor dos ombros? Estão preparados para ouvir uma história verdadeiramente assustadora? A história, esta que está para ser narrada, é, entre outras coisas, sobre um assassino arrependido em busca de uma figura paterna. Mas antes do dobrar dos sinos, por assim dizer; antes do desfecho desta saga repleta de falso glamour e segredos assombrosos, saberemos algo sobre alguns dos mais conhecidos artistas cujas alcunhas adornam as estrelas nas calçadas hollywoodianas, um ensandecido-mas-de-bom-coração escritor de screenplay, bem como sobre um complô internacional de proporções gigantescas e outras besteiras.

Encontramos nosso primeiro protagonista reclinado sobre uma perna num ângulo improvável. Sua perna. Completamente inconsciente, quebrada, inútil. Se aproximarmos, zoom!, close up!, e dissiparmos um pouco da escuridão que, de outra maneira deixa os detalhes completamente invisíveis, é possível perceber que ele está ensopado. Um líquido viscoso. Como ouvimos um arfar resignado, aliviado, mas alto o suficiente para perceber dor, somamos um mais um e, voilá, está sangrando. Muito. Estará morrendo?
Se pudéssemos nos valer do olfato agora, saberíamos que além do cheiro de mofo que impregna o recinto escuro, tiros foram disparados. Aquele fedor de pólvora que se dissipará em breve, deixando apenas o cheiro de medo. E morte. Mas como vocês não podem sentir estes odores, terão que confiar em mim neste ponto. Mas sou um narrador honesto. Tanto quanto narradores podem ser, de qualquer maneira.
O zoom agora é o suficiente para discernirmos alguns traços. O cabelo empastado no rosto, o terno elegante-ainda-que-arruinado, o sorriso. Nosso protagonista sorri, apesar do óbvio tormento. E então uma voz sai do negrume de um canto insuspeito, alguns metros à esquerda. Não está só. Ele volta seu rosto para a direção da voz, ainda fraca e indistinta para entendermos algo.
- Maldito complexo de Cluster de vocês americanos. De onde vem essa idéia de morrer... como vocês dizem... "in a blaze of glory"? Esse derradeiro sacrifício grandioso que vocês anseiam para o apagar das luzes? Há algo de realmente nobre em ir dessa maneira? Todos os pecados são perdoados no tiroteio final?
- Que merda você falando? Responde a voz, finalmente forte o suficiente para se fazer ouvida. Uma tosse atormentada.
- Estou falando de Butch Cassidy e Sundance Kid. De Dirty Dozen. Da porra do Young Guns. De Magnificent Seven. Bem... esse aí vem do Kurosawa... mas você sabe do que estou falando, mate.
- Você poderia estar falando de você, não é chapa? O que você acha que acabou de acontecer por aqui além de uma cena saída de um filme do John Woo?
- Sim, mas não tínhamos alternativa. E não acho tudo isso poético, ou mesmo grandioso... Ainda que ache tudo estranhamente engraçado agora que aconteceu...
Risos entrecortados com uma tosse excruciante.
- Para sua informação, nunca gostei desses filmes.
- Ah, blasfêmia.
- Vai se foder. É verdade.
Silêncio de alguns segundos. Insuportáveis.
- O que você está pensando? Não acredita que exista um americano que escape dessa sua grande teoria sociológica?
- Não, estava pensando no meu tio, Alzheimer.
- Seu tio tem Alzheimer?
- Ele se chamava Alzheimer.
- Como a doença?
- Ele era filho do homem que diagnosticou a síndrome.
- Como as doenças têm nome de pessoas, afinal de contas?
- Ei, pode não ser tão glamouroso como batizar cometas ou alguma porcaria de fórmula, mas se você trabalhou duro para descobrir algo científico, não gostaria de entrar para a história, mesmo que seu nome seja odiado e temido toda vez que fosse pronunciado?
- Não sei. Acho que não. A idéia não me agrada nem um pouco. E não é que vão lembrar de mim, de qualquer maneira. Apenas uma palavra, um nome descarnado. Lou-Gehrig. Parkinson. Cushing. Você sabe algo sobre esses tipos?
- Não. Você tem um ponto aí. Mas eu também não gostaria de ser lembrado assim. Apenas lembrei de meu tio agora.
- O que ele te disse afinal?
- Quando eu era apenas uma criança ele já era muito velho. Morava perto da minha escola, então eu costumava ir para lá depois da aula e lhe fazer companhia até minha mãe vir me buscar. Normalmente ele ficava ali, apenas olhando pela janela, sem dizer muita coisa, e eu me acostumei a brincar sozinho na sua sala. Um dia, me lembro como se fosse ontem, estava imaginando uma aventura de índios e cowboys quando ele saiu do seu transe usual, olhou para mim e fez um sinal para que me aproximasse. Esperou até que eu estivesse muito perto e sussurrou "nunca confie num escritor de screenplay".
- O que ele quis dizer com isso?
- Não sei. Ele tinha Alzheimer. Ele não falava nada com nada.
- Vai se foder. Você está zoando comigo.
- Ei, história verdadeira. Mas fico pensando se ele não tinha razão. Veja onde nós paramos. Tudo por culpa daquele filha da puta.
A segunda voz pareceu concordar com um suspiro e novamente fizeram silêncio solene, antes da escuridão aumentar. Inexorável.
Fade out.

Mas agora já nos aproximamos do final de nossa história. Deixe-me voltar alguns dias, longe da ensolarada Los Angeles, para a úmida e fria Londres...

continua...

sábado, setembro 29, 2007


Ando meio sem vontade (e recursos) para atualizar o blog ultimamente. Não por falta de coisas acontecendo. Shows, passeios, visitas... por exemplo, desvendei o mistério da velhinha do flat 1! Fui vítima de um pickpocket do mal! Vou ver um show da Siouxie, diva de punks e góticos de plantão! Um outro dia eu conto melhor.
Como estou meio enferrujado, escreverei um pequeno post apenas. Coloco então duas novas fotinhos de graffiti do Banksy. O ratinho fica perto da minha imobiliária. O cara aparentemente adora ratinhos. São subversivos por natureza, imagino. Uma curiosidade: um trabalho dele sobre um ratinho guerrilheiro urbano que adverte que o tempo deles está chegando ficou exposto no National History Museum por algumas horas até alguém perceber que aquilo não fazia parte do acervo normal!
Coloco também uma nova foto daquele mesmo muro em Chalk Farm. Engraçado, não só ninguém apagou o desenho, como estão mantendo-o intacto e conservado. Até restauraram a cara da empregada, ora bolas!
Enfim, continuo sempre esperto pra novos exemplos de arte na rua. Existem coisas realmente impressionantes. Artistas e escultores talentosíssimos, que escolheram tornar sua arte realmente pública, de graça e perecível.

quarta-feira, setembro 12, 2007

Tocaia

Há mais de um mês, mudou-se uma senhora para o apartamento do lado. Bem, na verdade eu não posso fazer mais do presumir que isso é o que está por detrás das vozes e toda sorte de barulhos que tenho ouvido nas últimas semanas.
Mas o fato é que eu nunca vi a tal senhora.
Vi uma enfermeira uma vez. Ela estava sem a chave e a senhora não ouvia a campainha - chovia muito - então ela (a enfermeira) tocou em casa. Isso às 8 da manhã, mas ok, lá fui eu abrir a porta e ver a dita cuja desaparecer flat 1 adentro.
Sei que vêm outras enfermeiras (são vozes diferentes e dia desses uma outra bateu na minha porta - às 8, claro).
Mas a senhora não sai de casa. Não abre a janela, não levanta a cortina. Nem vai ao banheiro.
O que me faz pensar. E se for alguma farsa? Tipo uma Sra. Kaplan saída de North by Northwest ou algo do gênero? Ela nunca existiu. É apenas o resultado de um ardil muito bem elaborado por agentes secretos que na verdade estão usando o lugar para monitorar suspeitos no prédio em frente. Ou um marido que matou a esposa e agora está criando um álibi, a impressão que ela está viva e ferrar com aquelas elucubrações policiais sobre hora da morte, momento do desaparecimento, esse tipo de coisa. Dubla-se uma segunda voz, faz-se uma movimentação, finge-se que a tal senhora pediu uma encomenda. Mas nunca ninguém viu, apenas presumem que os outros viram. Ora, se até pro Macauley Culkin deu certo...
E como explicar a trupe de saltimbancos que eu vi saindo de lá um dia, se despedindo da Sra Kaplan?
Heim? Como assim? Volte a fita!
E pior, eles se despediram de uma tal Sra. Caballo! Mas afinal, quantas senhoras de idade estão vivendo naquele cubículo que é o apartamento 1? Serão irmãs? Comparsas? Um erro de comunicação entre os agentes? Será que seu nome é Kaplan-Caballo? Caballo-Kaplan?
Um dia resolvi seguir uma das enfermeiras, que sempre vão embora por volta das 10. Não era a moça bonita que salvei da chuva, ou a outra mulher enorme que me despertou num sábado de manhã por ter se enganado de porta. Essa tinha barba. Maior que a minha. Suíças que fariam o Rei (não o Roberto, não o Pelé. O outro Rei) corar de inveja. O bigode era menos imponente, mas o restante da barba parecia saída de uma charge do Sunday sobre novos desdobramentos da política internacional afegã. Um cavanhaque em tranças coroava o prodígio capilar - pendia por quase um palmo em direção aos peitos enormes, que respiravam assanhados num decote imodesto.
E ela parecia uma Helena de Tróia dada. Exibia um vestido cetinado avermelhado e uma tiara dourada. Sandálias de tiras e brincos em forma de gigantescas argolas de ouro.
A segui até uma região que nunca havia ido. O ônibus que pegou foi até o ponto final e de lá pegamos ainda outro. A ordem e a atmosfera georgiana - vitoriana a que estou acostumado deu lugar a uma mistura de Harlem e Modadíscio.
Toto, I have a feeling we're not in Kansas anymore.
Então ela entrou em uma cabana que exibia o seguinte letreiro: Exotic dancing - adult massages - phone cards - shoe polishing.
Decidi que não queria entrar e me arrepender, depois de ser abordado por um niilista vestido com vinil preto ou descobrir que infiltrei uma segunda tocaia do serviço secreto inglês.

Ok, a maior parte do relato consiste de devaneios febris de uma mente doente. Mas que tem uma senhora X que vive como um vampiro no apartamento do lado, isso tem.

segunda-feira, agosto 27, 2007

Descarrego

Lendo um bonito e iluminado texto esses dias (uma estrela pra quem descobrir de quem falo), fiquei aqui com meus botões, matutando umas idéias (essa imagem meio autista de mexer com os próprios botões sempre me agradou).
O verão desse ano não foi muito veranil, mas, enfim, foi a época dos grandes festivais, inspirados evidentemente nos míticos dias de lama numa fazenda americana 40 anos atrás, e que, sai ano entra ano, vão acontecer com a mesma certeza que o Emmy, o Oscar ou o SPFW.
Glastonbury, Reeding, Wight, Man, por aí vai. São vários e eu esqueço os nomes. Todos com a promessa de serem A reunião definitiva, num blend "democrático" e "eclético" entre os dinossauros sagrados do rock, as bandas cool do momento e a possibilidade de testemunhar o nascimento de algum outro conjunto que será grande muito em breve (afinal, tal possibilidade é real - você pode contar anos depois que viu aquele primeiro show daquela banda antes que qualquer outro conhecesse sem se dar conta que são milhares como você que fazem essa banda ser conhecida pra começo de conversa e então torcer o nariz porque "eles viraram muito comerciais" e então sair caçando novas borboletas underground e alternativas de novidade obscuras - já que de alguma maneira, o que garante a inclusão dessas bandas num line-up desse tipo de evento não é tanto o som, mas o que eu denominaria de "perfil vencedor", o que leva, creio eu, a uma celebração de mesmices que dão certo e que apenas reificam essa certeza: uma boa dose de esquisitice, polêmica, comportamento destrutivo e errático e misterioso e um som que recicla o estilo da geração ante-anterior - sempre pulando uma, numa espécie de elipse do eterno retorno alternada, uma repetição cabalística do showbiz - que deverá ser revolucionário, mas que no fundo é míope e autoritário e não admite sequer a existência de inteligência musical antes do quarteto de Liverpool). A infinita busca pelo novo som genial.
Que nos três dias (este parece ser o número mágico - você nem morre de vez nem acha que foi muito efêmera a experiência) esteja chovendo torrencialmente e que a possibilidade de se afogar em algum rio que transborda, pegar alguma micose pela umidade ou ao menos um resfriado básico, seja real, não importa. Ou melhor, apenas faz a provação ser mais significativa: a idéia de que, não importa quem você ouviu, mas que você fez parte daquele capítulo dourado fadado a entrar nos anais da história musical (lembrado apenas em termos de quem foi ouvido), e reconhece como irmão alguma outra alma aventureira que também lá esteve e lembra a hora que aquele amplificador caiu no meio do show daqueles caras e daquele maluco que subiu no poste de alta tensão e tal como você voltou para casa sentindo como se tivesse participado de uma batalha e... bem, você entendeu. Como uma ordem secreta em que apenas os iniciados COMPREENDEM.
Mas até aí nada muito diferente de você usar uma camiseta "Rock in Rio - eu fui". O que tem de diferente neste tipo de comunidade neo-hippie sazonal nos campos ingleses é que você acha que faz parte de algo maior do que a música, quase uma experiência transcendental que se esforça para atingir algo que nem em sua matriz histórica deu muito certo: a certeza de que você está lutando contra a opressão e a homogeneização cultural, de que você é a favor das causas justas por mais quixotescas que se mostrem, ao mesmo tempo em que constrói uma imagem de pessoa descolada e esclarecida junto aos seus pares e ao seu espelho.
Claro que vão para essas arenas, que rescendem a malte, maconha, suor e amônia, muita gente com a intenção legítima de se divertir, ter um momento bom pra variar - ei, se você não acreditasse nisso, a alternativa seria muito mais hipócrita do que eu estou delineando aqui. Mas as coisas já não são tão simples (já foram?). Você leva sua barraca de mil libras e vai fazer a diferença, ao deixar a parafernália para trás (como uma árvore de Natal, ano que vem você compra outra) e confiar que a organização vai mandar lona, paus e fios para alguma família necessitada na Somália, Etiópia ou um outro buraco esquecido pelo Deus de Abraão, Isaac e Jacó e pelo clube dos 7 (ou 8, ou sei lá em que número está). A versão primeiro mundo do levar um quilo de alimento não perecível (feijão e lugar pra dormir essa gente já tem. Posso dormir agora?).
Se enquanto o mundo enquanto o conhecemos está sendo transformado em um lugar melhor, bandas medíocres e - principalmente - produtores anônimos estão alguns milhões mais ricos e, zás, o ciclo se fecha e tudo faz sentido, podem bancar os magnânimos e doar alguns trocados ou falar que tomam banho de dois minutos e tiram a tomada sempre que acabam de usar um eletrodoméstico em seus lares ou adotar uma criança vietnamita e batizá-la com algum nome de remédio, enfim, isso é apenas efeito colateral (sem contar os produtores de barracas e badulaques de acampamento que também agradecem). Ei, não é legal eleger o Bono como um cara batuta, comprar o i-pod do U2, e proferir, cheio de certeza condescendente, aos seus amigos, no bar: "se deixassem o cara virar presidente do banco mundial as coisas iam melhorar"? Esqueça o fato que essa banda não faz um disco bom há mais de uma década (e de que pensávamos a mesma coisa a respeito de outra figura pública hoodesca).
Numa era em que criminosos vestem um terno e são eleitos para nos governar - e tudo parece natural, como é natural a corrupção que disso advém - nossos heróis são músicos, atletas, modelos e atores, não importa o quão medíocres sejam (ou sua arte, o que é mais trágico), pois eles são o que queremos que sejam e ninguém pode dizer nada em contrário. Nem mesmo eles (o que leva a outra questão - essas pessoas que são adoradas como profetas da verdade pós-moderna e que podem fazer o que quiserem que continuarão a ser idealizados sem restrições, não podem sentir outra coisa que desprezo aos demais infelizes aduladores. Logo a arrogância de muitas dessas superpersonalidades sem caráter, que continuam a ter apoio religioso e podem se comportar como verdadeiros aliens. Ou o que você me diz sobre Michael Jackson? Ou, usando um exemplo aqui da Inglaterra, o cara que está pouco se fodendo pro mundo, Pete Doherty, que, sinceramente, me cansou. Mas isso é uma outra história).
A salvação, a solução DO Problema é vendida nas mensagens eco-amigáveis e conscientes da miséria do Terceiro Mundo. Uma nobreza que é uma cópia apagada de si mesma. Se você "cansou" ou se você, o que é mais econômico e prático, quer fazer a "diferença por um dia", bem, é alguma coisa (aqui existe esse equivalente, o comic relief, que é suportado apenas uma vez por ano, como uma vacina amarga - é importante pra saúde mas é um saco).
Melhor do que nada, certo? Quem aí está pensando "se cada um fizesse sua parte o mundo seria melhor, blá, blá, blá"? Mas enquanto você enfia o dedo na rachadura da represa das tragédias, motivado por algum mantra benevolente da nova era, alguém que percebeu que frases inspiradoras desse tipo são a nova consciência coletiva - esqueça análise, se você jogar na mega-sena e tiver a fantasia de ganhar milhões, mas se não der, ok, pelo menos parte do dinheiro vai para alguma instituição de caridade, mas ei, você não doa para a instituição, você quer os milhões - e que ela, como todo o resto da existência, virou vendável, esse alguém vai se dar muito bem na fita, e não os pandas e gorilas em extinção, não o carinha que perdeu tudo na última enchente. Quem se contenta com sobrevivência? O ditado fala de um lugar ao sol, não na sombra...
A verdade, se há alguma nessa trapalhada toda, é que ninguém mais sabe o que é importante. Ou pelo menos não tem mais aquela certeza, que você descobre bem dentro de você, de que aquilo importa, aquilo vale a pena se lutar por. A certeza de quando você simplesmente Sabe. E quem é que sabe esses dias? Sabedoria é produto perigoso, é passível de ilusão.
E quem pensa que a seriedade é produto em falta no mercado, está enganado. Ela impera e ela castra. Mas é uma seriedade errada, que deixa as pessoas com medo de pensar diferente. Quem acredita que o politicamente incorreto morreu? Quando tudo o que você diz tem que ser pensado, analisado, escrutinado, dissecado, ponderado, criticado, relativizado, sob o risco de você ser taxado de alguma-coisa-ista? Os sentimentos andam mais sensíveis do que nunca. Todos podem ser feridos e ofendidos, todos são potencialmente minorias perseguidas, e você tem a impressão de que pisa num asfalto de ovos e pode tropeçar em algum nervo inflamado e exposto.
Mas então as pessoas ficam bravas porque as barracas não estão sendo mandadas a tempo para onde quer que elas tivessem que ir e estão apodrecendo nos escombros e nas ruínas da folia rockeira. Mas por quê ficam bravas? Por quê o mundo perdeu A chance de se redimir e ser salvo, por quê elas deixaram sua barraca à toa? Ou por quê agora elas vão ter que pensar em outra boa ação para contrabalançar o karma negativo?
A caridade hoje é mais uma desculpa "não vai dizer que eu não fiz a minha parte, o meu está fora da reta", que funciona melhor que Valium na hora de deitar a cabeça no travesseiro.
Quando uma multidão de jovens - que estão se matando a facadas todos os dias e em taxas alarmantes - vão protestar na frente da número 10, Downing Street, não por melhor escolas, ou por menos censura, ou por mais inserção no mercado, mas por não saber o que fazer - O Lord, please guide us and deliver us from evil -, bem, aí, pessoas, está na hora de olhar por cima do ombro e ver onde é que tudo foi pra merda.
Ou estou sendo muito pessimista?

PS - Não sou contra os festivais.

sábado, agosto 25, 2007

Requiem



A propósito da lavanderia, coloco uma fotinho da rua em que a lavanderia, singelamente batizada "My-Fair Laundry", está situada.
Meu bairro tem um centrinho, com uma high road com algum comércio, como uma verdadeira cidade pequena. Um banco, um starbucks, uma boots, um tesco, um açougue, uma floricultura, um empório, um pub, uma deli, uma igreja com seu próprio cemitério, um jornaleiro, uma GAP, umas outras lojinhas de roupas, alguns restaurantes e cafés... essas amenidades indispensáveis da vida moderna dos abastados.
Mas pertinho de casa mesmo, há um comércio mais modesto. Trata-se de uma ruazinha, perpendicular à minha, munida com uma vendinha na esquina - a Corner Shop, que vende desde cigarro e Jack Daniels até uma seleção de comidas rápidas para os moradores locais que estão com pressa ou preguiça de ir ao supermercado. Mas existe também uma farmácia de manipulação, um jornaleiro, um salão de beleza, uma imobiliária, um alfaiate, um café que explora o fato de ser pertinho da Abbey Road e que tem duas mesinhas na calçada, a lavanderia do outro lado da rua e algumas lojas vazias (uma loja de brinquedos que ainda estava aberta até mês passado, um escritório de representação que fechou no começo do ano, uma barbearia que nunca vi funcionando e duas outras que nem sei o que eram; sinto como se estivesse no olho do furacão, testemunha da morte de uma era e o amanhecer de um novo mundo). Ah, e abriu esta semana uma mini academia de ginástica.
A lavanderia é o único comércio que eu imagino que não tem perigo de fechar, já que não existe - ainda - nenhuma grande corporação de lavadores de roupa: venha lavar sua roupa enquanto toma um mochaccino descafeinado com creme e lê um livro da penguin (os clássicos da literatura em papel jornal e capa mole cor pastel, por x pounds e 99 pence) no sofazinho de couro fagocitante!
De resto, bem, talvez esteja contemplando o canto da banshee do pequeno comércio tradicional londrino (talvez o salão de beleza também ainda tenha lá sua clientela, ao menos no meu bairro).
No Brasil temos algo parecido, em que teatros e cinemas antigos se metamorfoseiam na calada da noite e - plim - de manhã são templos pentecostais ou bingos; em que as livrarias pequenas não conseguem competir com redes francesas de siglas que ninguém sabe o que significam e que vendem de tudo (inclusive livros).
Aqui esses espaços urbanos se transformam em supermercados - Tesco e Sainsbury's, que proliferam como cogumelos na chuva. Ou pior, viram possibilidades imobiliárias, estéreis e impessoais, completamente despidas de propósito que não o do lucro maior na compra e venda ou aluguel.
Existem campanhas para manter os mercados de rua e a lojinha da esquina vivos. Afinal, a Inglaterra ainda é um país conservador e gosta de sua tradição: mobile, ok, but don't mess with my fish and chips!
Mas essas vozes geralmente são abafadas pelo trânsito e morrem ignoradas, com ouvidos surdos e indiferentes e o peso da lógica da vida selvagem highlander (ou seja, "there can be only one!" Que, afinal é a premissa por trás de programas como Big Brother, Survivor, American Idol, Supernova, America's Next Top Model, Fama...).
O lugar onde aconteceu a festa em que perdi minhas calças, dois posts atrás, é um desses dinossauros moribundos, timidamente tentando comer suas folhagens, passar despercebido e esquecer que o fim está próximo - e vindo num grande cometa destruidor. Com trademark e copyright, claro.
A festa foi uma espécie de ritual fúnebre para um dos recantos bacanas de Camden Town, um lugar em que bandas tocavam e artistas expunham fotografias, quadros, performances. As pessoas foram lá beber e prestar sua última homenagem. Vai ser demolido e virar um supermercado.
Não acho difícil que o maravilhoso mercado de Camden - centenas de lojinhas que vendem as mais bizarras e esquisitas coisas, num labirinto de corredores e ruas, de cheiros e cores mais variadas - dará lugar a um condomínio ou um shopping center em um futuro não muito distante.
Azar, queridos e queridas, é a marcha inexorável da civilização, a pedra lascada que deu lugar ao cobre que deu lugar ao telégrafo que deu lugar ao trem que deu lugar à psicanálise que deu lugar ao mall que deu lugar a um espaço de ninguém, protótipo acabado e inevitável do panóptico foucaultiano. O processo começou (e nem é o primeiro estágio, como atestam as redes de sanduíches de inspiração taylorista que colorem a paisagem de qualquer recanto urbano) e corre com dentes e engrenagens de plástico (aço é démodé) - e se parece com um pesadelo marxista transviado e distorcido. Marx on acid.
Claro que o gado não é passivo e o espaço vira território, mesmo que seja de guerra - ou guerrilha. Ou você acha que os carros queimados nas cités parisienses são comemorações juninas ligeiramente mais empolgadas?
Mas a ciência deste fato não melhora a situação, melhora?
É notável como, numa cidade tão preocupada em lembrar sua história, as coisas se tornam cada vez mais pasteurizadas.
Vou em zoológicos e vejo um gorila ameaçado de extinção, uma foto de um demônio da tazmânia que já não mais caminha nas terras de Nosso Senhor, deste nosso pequeno, lotado e esvairido planeta azul. SOLD OUT. FULL. Sorry, try the moon, or perhaps that red planet over there.
No museu, vasos helênicos e painéis babilônicos e no canto, reservado num espaço entre o modernismo e o pós-whatever, uma pipa colorida e a estátua de um sorridente, bigodudo e grisalho barbeiro, de tesoura em punho e trajado com um avental branco, com a legenda no chão "exemplos da vida cotidiana - homo sapiens - final do século XX AD".



Ah, a título de esclarecimento sobre o custo da roupa lavada: 4 libras a máquina menor, 5 a maior. A secadora varia... depende de quanto tempo você quer deixar... umas duas libras é um valor razoável.

sexta-feira, agosto 24, 2007

O custo de vida em Londres e a Lavanderia

Londres é uma cidade cara. Nada de novo até aí. É uma das mais caras do mundo faz tempo.
Mas você consegue economizar uma nota depois que começa a pegar uns macetes.
Claro, sempre que você vai num lugar novo, exibindo sua cara de turista por lá, acaba pagando mais do que deveria. Isso vale para qualquer lugar. Mas em Londres a diferença entre o que você pode economizar e o que você acaba pagando inadvertidamente é enorme.
E nem entro na questão das promoções, que realmente são boas. Se você espera o momento certo, acaba pagando muitas vezes algo como 80 por cento mais barato! Sim, isso mesmo, descontos realmente descontados! É só esperar passar a novidade ou o lançamento.
Eu pago uma fortuna pelo meu flat, mas em comparação com o que se cobra por aí, até que dei sorte. Mas poderia morar de graça, no esquema squat, se tivesse paciência e espírito aventureiro, como uma amiga fez aqui, por um ano. Tudo perfeitamente legal - você e um pessoal podem entrar em qualquer propriedade que esteja vazia e ficar por lá, no verdadeiro espírito comunidade flower power ou London Calling.
A mobília? Você encontra tudo na rua. Os ingleses são muito consumistas e tão logo compram um novo sofá ou uma nova tv de plasma último modelo que você não tem como não comprar ou estará assinando seu atestado de pária, eles largam o eletrodoméstico antigo na rua. E você só precisa carregar o dito cujo para o seu lar.
Roupa? É só ir numa loja de caridade de bairro chique (tipo Oxfam). Eles vendem livros, utensílios domésticos e roupas de segunda mão. Mas nada de roupa de defunto em brechó de hospital. Nessas lojas você encontra vestido Versace, sapato Calvin Klein, bolsa Donna Karan, terno Armani, que algum ricaço usou meia dúzia de vezes e se desfez - num arroubo de bons sentimentos / bom karma, ou simplesmente pra renovar o guarda-roupa com a nova coleção (lembre-se: aqui não é essa coisa pouca de duas coleções como em terras tupi; aqui tem primavera, verão, outono e inverno bem diferenciadas). E todas essas roupas por algumas poucas libras. Mesmo em lojas normais você encontra roupa boa e bonita por muito pouco.
Comida. Uma refeição em um restaurante decente (nada de coisa chique) encheria sua geladeira com comida para uma semana (coisa de 20 libras). Isso porque supermercado é barato - alguns produtos custam menos ainda que no Brasil, mesmo em termos absolutos. E se você não for muito exigente, pode sempre comprar as comidas nas promoções, que mudam toda semana - o que é bom, porque você vai variando o cardápio e não enjoa. Ora, se não ligar muito para isso, pode ir na sessão de "clearance" e pegar as comidas por menos da metade do preço normal, porque essas são "ou leva logo ou vai pro lixo". Não, nada estragado, me apresso em adicionar. O que esse pessoal menos quer é um processo por intoxicação alimentar nas costas - isso é uma possibilidade real por essas bandas.
Quer coisa ainda mais barata e não tem preguiça de dar uma andadinha? Simples, é só ir no mercado de New Covent Garden e pegar as comidas do final da feira. De novo, nada estragado. Vegetais, frutas e legumes de qualidade, mas que não vão aparecer no estande no dia seguinte.
Imagino que com a certa disposição, é possível viver praticamente de graça por aqui!
E tem muitas outras coisas que são de graça mesmo: você visita museu de graça, você faz sua carteirinha da British Library de graça, você pode ficar membro da biblioteca do bairro, só provando que você é você, sem desembolsar um tostão. Aí você pode emprestar livros, dvds ou cds (sou membro da de Westminster, que me dá o direito de pedir livros em 12 outras bibliotecas interligadas). E eles te deixam usar até uma hora internet por dia!
Além disso, quase tudo tem desconto para estudante. Apresento meu RA - ops, CU, unicampeiro (que ISIC que nada) e tchum, 10 por cento aqui, tcham, 15 por cento lá. Compro dvds, cds, livros. Poderia comprar eletrônicos na Virgin e HMV se quisesse. Não faz a mínima diferença eu ser estudante de uma universidade que nem da UE é.
E eu sou preguiçoso. Nem fui me cadastrar no meu GP, o médico local que atende a galera do bairro. De graça. Serviço odontológico, idem. Ora, é possível ir no community centre local e ter vários benefícios. Para pais, filhos, desempregados, deficientes, minorias, doentes... sempre tem algo para sua categoria, seja ela qual for. Academia de graça, descontos em transporte público, casas de graça dependendo do caso, incentivo pra isso, incentivo pra aquilo, e por aí vai. Não sei nem da metade dos direitos que se tem por morar aqui - sem precisar ser inglês, diga-se de passagem.
Aliás, por falar em passagem, viajar é baratíssimo. Quer ir pra Varsóvia? 20 libras. Berlin? 12 libras. Eu pago mais no metrô do que em avião.

Mas algo que ainda é preciso pagar é lavar roupa. Hoje fui lavar roupa. Coisa que não faço quase nunca na lavanderia - lavo em casa mesmo, aos poucos. Mas acumulou tanta coisa, minha e da Dani, que tivemos que ir.
Lavanderia é uma dessas coisas que coloco na categoria de choque etnográfico (bem, não pesquiso lavanderias, mas gosto de transformar tudo aqui em reflexão; e todo momento descubro novos segredos reservados apenas aos iniciados e aos locais): é tão particular de uma outra cultura - digo, a lógica do funcionamento - que é ininteligível num primeiro momento (e assustador). Qual máquina usar, que botão apertar, onde colocar o sabão (tenho que trazer o meu?), quando coloco as moedas? Warm wash, complete, linen, stir? Tiro as roupas e coloco no secador? High, middle term, low? Quanto tempo? E as moedas?
E eu fico desesperado, sempre pedindo ajuda aos donos, um casal de indianos que falam exatamente como o Apu. E fico envergonhadíssimo de não saber nem onde esperar, toda hora me pedem para "sentar mais pra lá". Digo dezenas de "I'm sorry" e recebo uns meio-sorrisos "that's ok" e rezo para que a paciência deles dure até eu poder perguntar como faço para colocar uns minutos extras na secagem. E depois sair correndo para casa.
Me pergunte sobre bruxaria zande, mas não sobre que tipo de tecido vai com que tipo de sabão. Porque então o pavor vem.

segunda-feira, agosto 20, 2007

noticias

O tempo está uma caca, o ânimo pra pesquisar pior. A internet não funciona. E não tenho nenhuma inspiração pra escrever aqui...
Mas vai lá uma notícia: fui numa festa à fantasia, tive uma conversa surreal com um negão que dava sabão no banheiro ("use the fancy soap, it's free!") e perdi as calças no meio do bar.

segunda-feira, agosto 13, 2007

Juventude transviada

Hoje falava com a Dani e a Mila, estimulados pelo café, sobre redações de escola.
Lembrei que lá pela quarta série, escrevi um pequeno livro e, deste livro, pingavam gotas de sangue.
Eu e um amigo estávamos numa fase gótica / terror total. Ouvíamos Bauhaus e assistíamos Evil Dead. Bem, normal. Muitos garotos faziam isso na época.
Mas também criávamos muitas sagas macabras - com muito splatter e muito gore (dessas palavrinhas que são melhores no idioma anglo-saxão). Eram estórias orais que íamos criando juntos, quase todos os dias. Um dia então resolvi colocar uma dessas estórias no papel. Achei que ficou tão bom (e isso é raro - eu achar algo meu bom. Passado algum tempo acho as coisas que escrevi simplesmente abomináveis) que resolvi presentear meus colegas com minha prosa, digamos, menos convencional. Afinal, os protagonistas eram eles mesmos. Não mudara nem os nomes.
Todos eram mortos (os cerca de 40 colegas de classe, um de cada vez) das maneiras mais diferentes. Evisceramentos, enforcamentos, esquartejamentos, marteladas, facadas, tiros, mordidas... por aí vai. Um foi até canibalizado pelos sobreviventes restantes - sem saberem, claro (e eu ainda nem tinha ouvido falar de Peter Greenaway). Décadas antes de Saw, note bem.
Mas juro que nem tinha intenção de chocar. Queria mesmo mostrar como a história era boa (e acho que era mesmo: o esquema galera presa num casarão e um assassino - ou mais de um - à solta, misterioso; mas a cadência era boa, bem como a apresentação das situações, e havia o elemento fortuito no enredo que me agradava). E era, não nos enganemos, uma homenagem aos colegas. Bom, acho que a maioria não conseguiu encarar dessa maneira... eu vi isso em seus olhos, uma hora que resolvi conferir o efeito da leitura, aproveitando para um fôlego.
Olhando para trás me espanto como a professora me deixou até mesmo terminar a longa narrativa (a escola era bem conversadora. Ela um colégio alemão com uma filosofia patrioteira que chegava a flertar com o integralismo - eu marchava, vejam só, com este mesmo amigo, pelo pátio, como se estivéssemos num campo de concentração; imaginávamos as torres com metralhadoras e tudo). Não sei também como a professora, uma doce criatura pelo que me recordo, não me mandou para a diretoria, escreveu algum aviso aflito aos meus pais ou me encaminhou para um psiquiatra logo de vez.
E este não foi o único incidente levemente doentil dessa época. Neste mesmo colégio fui suspenso uma vez (com este mesmo amigo, sim) ao aterrorizar os meninos mais novos com uma faca retrátil que havíamos comprado no Play Center: a enfiávamos no olho, gritando como animais no matadouro logo em seguida; atuações primorosas de fato. Em outra ocasião, durante a feira de ciências, consegui emprestado um cérebro num jarro de formol do laboratório de anatomia da unicamp para levar para a classe... não sei o que era pior, a gosma encefálica amarelada (era anatomia patológica, afinal de contas; alguma anomalia havia) ou o cheiro pestilento do formol. E houveram outros episódios do tipo Ensina-me a Viver, em graus variados...
Hoje não sei se fico horrorizado comigo mesmo ou se acho graça...
Enfim, eu e Dani refletimos sobre as diferenças dessa nova geração e os "novos tempos" (velho!). E acho que se essas coisas acontecessem hoje em dia eu poderia ter alguns problemas... estranhamente, talvez, já que os jovens de hoje em dia fazem coisas muito piores.

sexta-feira, agosto 10, 2007

Banksy

Já havia falado sobre ele antes aqui no blog. E esses dias comprei um livro com várias fotos das obras do grafiteiro / artista de rua Banksy. Coisas inventivas e extremamente simples - basicamente estêncil e bom senso de aplicação.
Há muito tempo não via nada que fosse original e sincero. A ousadia apenas dá um toque especial. E não falta ousadia.
O interessante é que a constituição da arte em si - a que é vista, o produto final - é instantânea. Alguns minutos roubados da madrugada, sorrateiro e atento para agentes da lei e câmeras de vigilância. O maior trabalho consiste em olhar para o cotidiano e vê-lo como realmente é: regulador e normatizador. Então pensar em como mostrar essa repressão com um mínimo de imagem, criando um novo significado a partir do outro, brincando com os sentidos do transeunte. O próximo passo é desenhar e criar um estêncil em casa, e então esperar pela calada da noite, para sair na surdina, com tinta no bolso e muita cara de pau.
Comentando com minha amiga Camila sobre o cara, ela disse "ah sim, tem um graffiti dele perto de casa, passo sempre na frente e dou uma risadinha". Claro que eu fui na mesma hora ver, já que eles não duram muito tempo e são logo apagados - o que no fundo é parte da graça: o elemento perecível da coisa. Arte sem duração, com contexto, sem copyright e aberta a todo tipo de manipulação - porque pretende manipular qualquer coisa. Democrática porque para qualquer um, mas especial porque com prazo de validade - indeterminado (depende do nível de indecência que o dono da parede ou que a polícia atribuírem ao trabalho em questão; ou quanto tempo eles demoram para se dar conta de que aquilo é protesto). Apesar que descobri que esse graffiti é uma exceção: está lá desde o ano passado (está no catálogo e foi feito em 18 minutos).
Isso, aliás, criou um estranho paradoxo. É uma arte que reclama da autoridade dos estabelecidos, mas que não vive sem a censura destes. Uma arte com propósitos suicidas, portanto. Que almeja ser obsoleta.
Uma espécie de mistura de Luther Blisset com Hackim Bey e algo mais, Banksy é um artista sem cara, de arte sem dono (o que não é sinônimo de falta de personalidade; é pública, no sentido mais estrito do termo), carregada de manifesto e ironia. Um delicioso amálgama de ultraje e revolta com muito bom humor.
E ele consegue falar muito, pela técnica mais eficiente para isso: endereçar assuntos seríssimos, sem se levar a sério.
Fazia tempo que eu queria ver uma obra dele. Ao vivo, digo. Na rua, numa parede. Ainda que agora seja mais simples ver suas obras, já que ele começa a ser reconhecido (mas também mais demonizado, ao mesmo tempo). Uma galeria já expõe alguns trabalhos (ele produz telas e esculturas também), e alguns outros já foram incorporados como arte em alguns museus. Essa semana vi que uma exposição acaba de ser montada, contrapondo Banksy com Warhol. Claro que iriam associar o pós-nadismo do novo milênio do Banksy com pop art. Num primeiro momento parece óbvio. Mas até que o grafiteiro entre no circuito da arte-negócio de vez (o que espero que não aconteça e até imagino que não seja intenção do artista) e pare de re-interpretar e denunciar o absurdo da realidade e saia desse rótulo que combate - a marginalidade - isso não será verdade. Ele pode até virar um artista convencional (e ser muito bom mesmo assim), mas seu trabalho será outra coisa.
Como outros revolucionários, sua luta é, necessariamente, perdida (o que não quer dizer que seja em vão).

quarta-feira, agosto 01, 2007

Terror?

Alguém poderia imaginar que uma nova bastilha se aproxima. Afinal, as diferenças entre as pessoas nunca foram tão gritantes como nos últimos tempos. E não falo apenas de Brasil. Aqui, no "primeiro mundo", também é assim.
Claro, as pessoas ganham melhor aqui. E miserável, miserável mesmo, não tem muito (apesar que o serviço social está aquém do que se poderia esperar de um país tão rico).
Mas nem por isso pode-se dizer que a coisa esteja nivelada. Bom, não sei direito em termos estatísticos. Quem sabe um sociólogo possa me provar que comparativamente a desigualdade brasileira seja pior (por ser mais miserável?). Mas é impressionante como aqui tem gente muito mais rica do que o resto. Estou falando o óbvio? Pode ser, mas vira e mexe saem umas notícias sobre despesas milionárias que deixam até mesmo os ingleses perplexos.
Todo mundo tem seu i-pod, ok. Celular idem. Mas ferraris, apartamentos de alguns milhões de libras e gastanças completamente despirocadas...
O mercado imobiliário não pára de valorizar há alguns anos já (os preços dobraram nos últimos 5, o que significa que existe um terreno fértil para especuladores), deixando os economistas mais conservadores de queixo caído, já que foi previsto há algum tempo que estava se chegando no ponto de saturação. Pelo jeito ainda não. Apartamentos de 2, de 3 milhões, são comuns. Casas de 10 milhões também. Outro dia fiquei abismado com um apartamento de 100 milhões de libras (400 milhões de reais). Vai, isso sim que é elefante branco. O cara do banco Santos ficaria até envergonhado. E não consigo imaginar o que possa ter dentro de um apartamento para valer isso.
E não é apenas imóvel. Ultimamente há uma competiçãozinha, narrada pelos tablóides, claro, de ricos e famosos para ver quem gasta mais numa balada. Outro dia vi que um tiozinho gastou 105 mil libras numa noite, com vinho, champanhe e vodka. Por mais que os lugares bacaninhas aqui sejam caros, precisa muito pra beber 100 mil libras, heim?! Não seria melhor comprar um Porche e pelo menos ter um carro na garagem para olhar e se arrepender no dia seguinte?
Uma galera de 20 e poucos anos, engravatada e armada de Blueberries (ou Blackberries, sei lá) ganha mais do que eu posso sequer pensar em ganhar, mesmo se meus sonhos de passar num concurso público fossem realizados. Na idade deles eu pensava em beber na cantina e jogar basquete! Eles pensam se vão comprar uma casa na Grécia ou na Espanha (sim, a colonização inglesa continua: com alguns meses de salário é possível comprar uma propriedade numa praia européia qualquer, o que deixa os locais evidentemente exasperados, porque isso puxa os valores pra cima).
Toda vez que vou pagar meu aluguel me dá um aperto no coração, porque não posso deixar de pensar o que esse dinheiro me compraria no Brasil. Mas sempre que vejo as ofertas de aluguel para as classes mais abastadas na imobiliária, um sentimento de que existe um mundo completamente alheio ao meu cotidiano e que eu nunca irei sequer vislumbrar ou conseguir compreender, me atinge como uma martelada. Afinal, quem paga 5 mil libras por semana (veja bem: SEMANA!) de aluguel? Em 2 meses você compraria um apartamento no Brasil, ora bolas!
Se aproximam os jacobinos?

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Puxa, Antonioni e Bergman de uma vez só...

sexta-feira, julho 27, 2007

Diky

Assistiu Bicicletas de Belleville? Pois é, filme bonitinho, não? Você se lembra da casa onde Bruno - o cão - latia para todo metrô que passava do lado, sacudindo tudo? É mais ou menos o muquifo que ficamos na primeira noite em Praga.
Vou te contar, é esquisito ir pra um lugar em que você mal sabe falar obrigado. Menos mal que achei que tcheco tinha umas palavras parecidas com alemão e com russo (não tivemos a mesma sorte em Budapest). Então foi uma aventurinha ter chegado meia-noite numa rodiviária escura, com uma chuvinha chata, sem conhecer bulhufas da cidade, da língua, e não ter nem idéia de onde ficar. Todos muito cansados e sem nem ter um mapa básico de onde estávamos (depois descobri, aliás, que mulher realmente não tem gps cerebral). A idéia inicial de encontrar uma balada e ficar de pé até o dia seguinte foi colocada de lado depois de um dia no calor de mais de 40 graus e uma viagem de sete horas.
Saímos andando e entramos no primeiro hostal que encontramos. Sem muitas forças pra procurar o lugar que a Ju me indicou. E era barato. Talvez barato demais. Saberíamos o porquê depois.
A mulher na recepção, uma loira grande de meia-idade que fumava um cigarro muito fedido e lia, entediada, uma revista amassada, sob fracas luzes avermelhadas - sim, parecia cena de um filme alternativo - não falava nem uma só palavra de inglês. Acertamos as coisas usando a linguagem universal do apontar e gesticular. Mas ela se derretou ao saber que éramos brasileiros e depois de eu ter usado a única palavra tcheca que sabia então (ao assistir Friends em tcheco no busão) - Diky. Algo como "ok". Mas foi o suficiente pra arrancar um sorriso e um bom atendimento. As pessoas são muito mais prestativas se você mostra que sabe pelo menos alguma coisa de seu idioma.
Tínhamos, felizmente, um quarto só pra gente. Mas era o esquema banheiro coletivo, bitucas de cigarro largadas pelo carpete do corredor e tanto mofo que fiquei com medo de pegar alguma coisa. Dava coceira só de deitar na cama. Vigilância sanitária deve passar longe do lugar. Mas o pior foi descobrir (depois de pagar) que o metrô passa do lado, ensurdecedor, chacoalhando até pensamento.
Em compensação, no dia seguinte conseguimos um lindo hotel, no maravilhoso centro velho de Praga, com janelas amplas, pé-direito alto, tudo bonitinho, com café da manhã gostoso e jacuzi no banheiro, apenas um pouco mais caro! Para uma cidade turística achei tudo muito barato. Comparando com Londres então... Cervas muito boas e muito baratas - mesmo pra turista! Comida, bugigangas...
Tomamos as famosas brejas tchecas e me arrisquei até a comer um prato típico - um tijolo no estômago, mas muito bom! Uma mistureba de coisas de porco, pato, repolho e batata, com num nome quilométrico cheio de consoantes.
Faltou apenas uma semana a mais pra conhecer tudo o que precisava...

quarta-feira, julho 25, 2007

Inferno, Praga e Peste!

Uma descansada das notícias foi muito bom. Uma semana sem e-mail - e eu nem estava no meio do mato (num forno talvez).
Um pouco antes de viajar fiquei sabendo do acidente, mas os detalhes mesmo, estou vendo agora. Também que o Malvadeza se foi... E que a Inglaterra está debaixo d'água (mais do que o usual) e a Europa arde em chamas.
Mas por uma semana foi apenas doce ignorância.
Fui com a Dani e nossa amiga parisiense Malu para Budapest. Ficamos na casa do nosso amigo magiar pra passar um calor que eu nunca tinha visto antes. 40 e poucos graus (com picos de 46!) não é fácil. E isso na Hungria! Recorde de calor, evidentemente.
Isso dificultou um pouco o passeio. Mas mesmo assim camelamos muito e conhecemos o quanto pudemos, inclusive os providenciais banhos turcos!
Gostei mais de Pest que de Buda, que tem uma decadência charmosa, mas menos glamourosa. E o Danúbio não é azul, mas é emocionante vê-lo mesmo assim...
Lá conseguimos passagens muito baratas e fomos também para a maravilhosa Praga (com um pit-stop em Bratislava), que é tudo o que todo mundo sempre fala e mais! Realmente é uma cidade mágica, parece saída de um conto. Eu parecia turista japonês, tirando centenas de fotos! Fiquei bobo com tudo, parecendo uma barata tonta indo de prédio lindo pra ponte linda, castelo e igrejas deslumbrantes!
Claro que existem várias histórias pra contar, mas ainda estou na fase de re-adaptação ao mundo virtual...

Vou agora comprar meu Harry Potter (reservado desde março) e assistir Simpsons!

domingo, julho 15, 2007

Pixie

Tem rockeiro que chegou num tal nível mítico que pode fazer o que der na telha que tá beleza.
Fomos no show do tio Francis Black, agora não mais católico...
Muito bom! Pena que estávamos bem cansados e não rolou ficar na frente todo o tempo (uma hora ficou bem pauleira - ele estava empolgadíssimo!). Agora, ele estava tropeçando de bêbado, errou várias vezes. Mas teve a sensatez de tirar sarro disso, dizendo que ia ser um show bem pouco profissional. Foi o bastante pra arrancar aplausos e ter carta branca pra fazer qualquer porcaria que quisesse (ele foi decidindo que músicas tocar durante o show)!
"Só pra quem pode" resume bem a situação...

sábado, julho 14, 2007

Last night

Trecho roubado de um diálogo:

- If only I knew runner beans caused that in you I wouldn't let you buy them in the first place.
- Well, since we still have some, we might as well do it one more time...
- mmm... Ok. Last time. As good riddance.

quinta-feira, julho 12, 2007

A titulo de...

Esses dias fomos no Natural History Museum e também no Albert & Victoria. Coisas lindas em ambos. Muitas fotos. Dinossauros, arte chinesa de alguns milhares de anos, trabalho em ferro, posters art nouveau do Mucha e cartoons do Rafael. A mistura perfeita pra dar uma dor de cabeça ao mesmo tempo em que se fica maravilhado.
Vi também o James Hetfield com os filhos, vendo os dinos. Apareceu uma notícia de que ele teve problemas pra entrar por causa da aparência. Agora, se estão barrando até os americanos, fico um pouco receoso de viajar e depois voltar... (conto os planos depois).

Enfim, hoje de tarde, sem muito o que fazer, com a Dani secando cabelo, fiz uma uma bricolagem das fotos. Lembrei que uma vez fiz uma história bíblica em bricolagem, em que o diabo era o Proust... vou ver se um dia eu escaneio.
A história do dino comilão tem continuação, mas fui censurado...

museum comic

domingo, julho 08, 2007

Tobacco or not tobacco?

Aqui não é a Dinamarca, mas há algo de podre no reino. Hummm, apesar que os pubs ficaram de fato muito mais limpos. Hummm, entretanto, ao mesmo tempo e não obstante, é fato comprovado pela associação mundial de estudos do cheiro e do odor que o cigarro esconde os outros fedores do mundo. Estamos em uma clássica e fascinante situação sabiamente conhecida nos meios intelectuais e científicos como "sinuca de bico"? Ou estou divagando e falando abobrinhas? Bite me.

Pois é, uma amiga querida lembrou da proibição do fumo aqui. Digo a vocês que isso tem sido uma provação, de maneiras que não esperava.
O começo da tragédia: cigarro aqui é caríssimo! Você que reclama do preço do maço em terras brasilis tenha uma informação em mente na próxima vez que for na sua padoca local e tente relativizar: um box aqui custa quase 6 libras. 20 e tantos reais, dependendo da cotação do dia. E nem vêm 20 cigarros dentro!
Aqui fumos são caros. Então me acostumei a fumar só quando estou pra pular em cima de alguém.
Mais pro começo do ano meu amigo magiar, vindo da second-class Europe - expressão cunhada pelo mesmo - deixou um maço de drina que, segundo ele, é considerado cigarro tosco até mesmo pelos sérvios - e que hoje em dia está fadado à extinção. Mas eu adoro! Esse fica para as ocasiões especiais.
No mais, Benson & Hedges. Estou acostumado e uso a tática do arranca-pulmão para saciar o vício nicotilesco por períodos maiores, mas a Dani provou e disse que é forte demais. Ela vem de terras mais civilizadas e deve saber do que está falando - eu já não sei mais: até me acostumei com volante na direita! Mas sei lá, deve ser mesmo, porque Malboro, por exemplo, é fraquinho agora.
Mas voltando à vaca fria. O fato do café aqui ser maravilhoso trouxe mais um fator à equação. E ajudou a substituir uma coisa pela outra (comecei a tomar café aos jarros), sem no entanto resolver alguma coisa! E só percebi isso outro dia, bem como que essa tal de tranferência de vícios existe mesmo! E também como muito mais - o que no meu caso não é exatamente um problema.
Agora, isso de proibirem de fumar dentro dos lugares - leia-se pubs - deixa qualquer com pensamentos homicidas. Ainda não acho possível beber uma cerveja e não fumar - são causa e consequência, yin e yang da vida ocidental moderna, qualquer que seja a ordem dos fatores. Por enquanto dá pra sair na calçada quando a coisa aperta (por qual outro motivo passariam essa lei agora?). Mas e quando chegar o inverno? Vão ter que distribuir chicletinhos, adesivinhos ou então chocolate pra galera, porque senão os pubs vão à falência! Ah sim, isso se o pub tiver licença para operar na calçada. E se você não estiver num ponto de ônibus, cujo tetinho mínimo já serve para enquadrar a construção dedicada à espera da classe dos destituídos de veículos de locomoção próprios na categoria de "lugar público delimitado" (e como lembrou a Ju, arruinando com a mandinga de acender um cigarrinho para apressar o busão). Se, se, se.
Os donos de bares árabes, que oferecem narguilé - ou shisha para os europeurizados - aos seus clientes tentaram arranjar uma exceção argumentando que o fumo na mangueira é parte crucial na cultura mulçumana (aqui essas coisas geralmente dão resultado. É só você dizer que se sente cerceado no seu direito de livre expressão religiosa ou cultural que tudo se resolve e arranjam um nicho ou um santuário pra você). Mas não dessa vez. Os MPs não retrocedem nem um centímetro, dizendo que isso abriria precedente para outros requerentes - sei lá, os cubanos podem dizer o mesmo do charuto; ou os franceses poderiam dizer que se sentem menos franceses se não estão com um Gauloise na boca...
Multas altíssimas para quem for pego com a boca na botija - ou melhor, no cigarro - e até ameaças de prisão (tudo aqui pode dar prisão, até mesmo viajar sem crédito no seu oyster card no tube).
Mas já vi, nessa primeira semana em que a lei está em vigor, gente ostensivamente desafiando o grande irmão. Acendendo um cigarro na frente do bar e ficar dançando autisticamente, de cigarro e pint em punhos ou, até mesmo num caso, uns cigarrinhos de canabis. Porque inglês, quando bebe - o que não é difícil - manda o über ich para o beleléu e dificilmente liga para coisas que no fundo acha que interferem em seu modo de existência normal ou no seu direito adquirido de ser um inglês por completo - como seus pais ensinaram e o que consideram que fez este país grande (como jornadas de trabalho de 8 horas, direito à greve ou dominar a difícil arte de ficar na fila para tudo; e sim, já ouvi argumentos exatamente nestes termos; e sim, brasileiros que dão uma de joão-sem-braço e furam fila não são apreciados).
Enquanto isso discussões acaloradas surgem aqui e acolá sobre direito de fumar versus direito de quem não quer ser fumante passivo, versus direito de soberania sobre o próprio corpo e se o Estado tem o dever ou não de tomar certas decisões na vida dos cidadãos - o que muito me lembra a discussão que a Dani analisa: sobre se anoréxicas ou bulímicas que dizem fazer o que fazem por escolha própria, podem ser consideradas, ao inverso, doentes, e então tratadas à sua revelia.
Serão os fumantes as novas histéricas deste milênio? Afinal, fui informado, alguns médicos já estão receitando anti-depressivos pesados para quem quer deixar a vida da fumaça. Quem sabe uma lobotomia básica não resolva o problema?
O rombo bilionário nos sistemas de saúde mundiais que vêm dos problemas relacionados à obesidade ou males causados pelo fumo é suficiente para a adoção de uma medida mais intervencionista? Você fuma por quê gosta e quer ou são as substâncias gostosinhas e prazerosas que dopam sua massa encefálica que te fazem achar isso?
Eu sinceramente não sei. Às vezes acho que somos mais ratinhos do que gostaríamos de admitir - um bando de maria-vai-com-as-outras, em que essas "outras" são sujeitas indeterminadas... Mas que é um pé no saco neguinho dizer o que você tem que fazer, isso é.

Aguardem as cenas do próximo capítulo.

sábado, julho 07, 2007

Weekend

Rolam muitas coisas por aqui neste final de semana: turistas pipocam na rua e é até difícil andar nas ruas mais movimentadas!
Wimbledon para quem gosta da modalidade de tênis aquático, fórmula 1 (vendo como o pessoal aqui trata o tal Hamilton, percebi como os ingleses estavam precisando de um ídolo), mundial de regata (esse sim não é prejudicado pelo tempo), o tal Live Aid - ops, Live Earth: agora não é tanto salvar os africanos, mas nosso planetinha moribundo - do presidente - ops, virtual presidente - americano Al Gore, vários mega-shows e o Tour de France... Como? Tour de France? Sim, o "kick-off" acontece hoje em Londres, aqui pertinho de casa. Não sei exatamente porque.
Mas é esquisito mesmo. Eles vão pedalar uns quilômetros, desviar de umas poças, tomar cuidado com o trânsito do lado contrário, chegar até o Canal da Mancha - ops, Canal inglês - e... fazer o quê então? Pegar o euro-túnel? A barca? Apreciar o horizonte? Oras, vão entrar num pedalinho e continuar pedalando até a Gália, evidentemente (prometi a Dani que contaria o comentário infame aqui)!
Mas aproveitamos o - agora raro - dia ensolarado e ficamos pelo canal, passeamos pelo mercadinho de comidas e roupas de Camden e depois fizemos um delicioso salmão grelhado de almoço! Já contei como peixe é barato por aqui? Mais barato que frango, boys and girls!