terça-feira, maio 02, 2006

Wild West ou Judge Dredd

Bom, hoje assisti finalmente o tal do Close to Home. Desde a primeira vez que vi a chamada, há alguns meses, pensei "ih, já vi tudo, paranóia pós-Bush". Não são poucas as vezes em que me engano em uma primeira impressão, mas de qualquer jeito nunca tive muita vontade (ou coragem) de assistir para confirmar ou não se tinha razão.
Detesto ter que dizer, mas é tudo o que eu pensava e mais. O programa é terrível, grotesco até, na histeria do suburbano americano!
O episódio que eu vi é sobre um estupro que ocorre no bairro em que mora a promotora-protagonista. As suspeitas recaem sobre um estuprador que cumpriu pena e mora perto. A história toda é bem previsível e tal, mas o que assusta são as declarações e sugestões. Na verdade, de sugestão tem muito pouco. É tudo muito claro e franco, bruto.
A blonde-avenger, conversando com o marido, sobre como proteger a pequena filha de ambos: "O que fazemos para protegê-la? Trancando a porta e ensinando-a a fazer o mesmo". É a síndrome do bunker cotidiano que estamos tão acostumados aqui na América austral (tenho um vizinho que construiu literalmente um bunker! Duvida? Eu mostro um dia. É evidente que, se você tem dinheiro, vai para um condomínio encarcerado).
Claro, os elementos politicamente corretos estão lá; por via das dúvidas, né? Ela adverte o vizinho vigilante que quer fazer justiça com as próprias mãos - mas no final consegue que este fique bem na fita e pegue uma pena leve após tentar matar o suspeito.
Enquanto isso os policiais metem os pés na lama para conseguir o que querem. Mas claro, poderia ser dito, ei, afinal assim é a vida, não? Cruel. Para que se enganar? Melhor que o público saiba da verdade nua e crua e se prepare, compre sua arma e vote a favor dos lobbistas da NRA, não?! A mensagem no fundo é o "cada um por si" do oeste selvagem.
E agora os justiceiros têm sua vida facilitada. Banco de dados na internet com informações e fotografias dos criminosos. A justiça está descentralizando e esgarçando, o que é por demais tentador para os mais exaltados. Você pode achar o lobo mau e toda sua ninhada em potencial, como vem acontecendo diariamente "lá em cima".
O episódio termina com o verdadeiro culpado preso e um novo alarme instalado na casa da blonde-avenger.
Há algo de muito estranho por trás de tudo isso, não como apenas um reflexo da vida bandida ou um head's up para a dura realidade. Um cientista político poderia fazer uma análise da mensagem que isso traz sobre o sistema judiciário americano desacreditado (ousaria dizer brasileiro também) e a imagem da segurança pública que se vê por detrás disso. O déficit da eficicácia tanto de um como de outro é o que está por trás do descaso da opinião pública para, por exemplo, um massacre de 111 pessoas que, "se estão lá é porque merecem".
Porque o assustador é quando nós mesmos somos confrontados com a possibilidade de alguém que amamos ser machucado, quando o sangue escorre dos olhos e o discurso vingador fica horrivelmente próximo, familiar e sedutor. É difícil ver que o problema, cinza, está em outro lugar e, para começo de conversa, deveríamos nos revoltar com o fato de ter que viver aterrorizados, e não ter que bolar novos planos de fuga. Me recuso a achar que isso é normal, "a vida como ela é".

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