terça-feira, maio 23, 2006

Entre aspas

Assistindo X-Men hoje na globo, confirmei algo que já percebia há algum tempo: os trabalhos de dublagem, com poucas exceções, estão indo de mal a pior. Tanto mais quando associados com uma tradução medonha - que, aliás, encontra paralelo bastante frequente na literatura: são traduções asquerosas, mal-feitas, imprecisas, que demonstram um desconhecimento profundo de sentidos e significados das mais corriqueiras expressões estrangeiras, bem como de aspectos e fatos de suas respectivas culturas.
Além disso há uma liberdade de interpretação que passa o aceitável. Que haja tradução cultural, um ajuste em prol da inteligibilidade, eu entendo, mas mudar completamente a intenção original de acordo com não-sei-que-tipo de agenda pessoal... E tudo isso tem uma cereja: uma revisão inexistente ou extremamente incompetente. Erros de gramática, crassos, ou simplesmente erros de digitação vão para a versão final e são publicados - isso tudo na era do word e da auto-correção.
Uma vez escrevi um post indignado com o fato do George Lucas ter substituído o ator que fez o Darth Vader (na única hora em que ele aparece sem máscara, da safra dos episódios bons), digitalmente, pelo Hayden Christensen. Acho um desrrespeito com o trabalho do ator. Bem, também acho terrível mexer irresponsavelmente, nos casos em que fica evidente que não há qualquer preocupação com o esforço do autor, no roteiro, nas falas, na história elaborada por este.
Sei que é um delicado equilíbrio entre respeito ao texto original e a compreensão. Mas existem inúmeros exemplos que comprovam que este é possível.
A tecnologia de dublagem evidentemente evoluiu desde a época de Herbert Richards. O isolamento da voz, a eficiente separação dos canais de áudio para sons ambiente, as vozes em eco, etc, são mais fáceis de se conseguir - que acarretam em pouquíssimo prejuízo do efeito original. No entanto, a empostação e a escolha das vozes, muitas vezes não têm nada a ver com a figura que está em cena. São pobres, para dizer o mínimo. A maioria dos que se salvam são os dubladores antigos. O fato de tudo ser facilitado e isso não se converter em um resultado melhor, aumenta mais ainda minha indignação.
Não vou nem entrar no campo das legendas. Essas dão medo. Além dos mesmos tipos de equívocos, elas dão pau - somem, entram antes da fala, entram depois, cortam pedaços... sem contar esse estímulo ao assassinato da língua portuguesa que são essas legendas internáuticas: naum kero nem fala issu aki preu naum fika irritado! É só entrar num orkut da vida para ver que as pessoas não sabem mais escrever.
Bom, sobre a conformação voz-personagem, poderia ser contestado com um argumento do tipo "você está acostumado com o padrão anos 80, seu gosto foi formado e todos os fatores são influenciados por uma espécie de nostalgia pessoal". É... mesmo que isso ocorresse - o que eu não consigo e não tenho necessidade de verificar - o que mais irrita, e é inegável, é o fato das traduções serem terríveis. E há uma falta de imaginação abominável, que compromete até o sentido das frases. Tudo isso porque há uma enorme preguiça de encontrar uma tradução que seja ao mesmo tempo aceitável e também inserível no tempo do movimento dos lábios na tela (no caso dos filmes). Não precisa ser algo perfeito, que se encaixe sem problemas em um tipo de economia facial de sentido, cadência e sincronia. Mas pelo menos que você esqueça que está assistindo uma dublagem (sinal de que a dublagem é boa), ou não fique irritado por ficar percebendo toda hora equívocos e erros.
E nem falei também do problema da atuação. Eu, que tenho uma voz horrível e sem empolgação, sei muito bem disso. Me refiro aos dubladores que só se preocupam com a métrica e com a sincronia, mas esquecem da emoção que deve vir junto, de modo a resgatar - minimamente - a interpretação do ator.
E não digo que quero traduções literais também. Essas às vezes são tão irritantes quanto as licenças poéticas medíocres. Isso porque normalmente são indícios de uma ignorância completa da cultura pop - em constante atualização, claro, mas que pode ser pesquisada. Aí, me desculpe, mas é da responsabilidade do tradutor. Porque senão, aí melhor mandar essa profissão para o saco e utilizar um software que substitui ipses literes uma palavra por outra e pronto, tudo resolvido. E se for difícil de traduzir, tudo bem - para que servem as famosas "Nota do Tradudor", tão utilizadas pelos ciosos? Estou falando das expressões coloquiais, das gírias. Ou então simplesmente do nome de alguma coisa.
Lembro de um romance, lido na época da defesa, quando traçava tudo que dizia respeito ao Congo ou Ruanda... você acha que faz sentido simplesmente colocar "Pregos de Nove Polegadas - A droga perfeita"? Assim, largado? Se o cara traduziu é porque não sabe o que é. Se não sabe o que é, isso não deveria estimular uma mínima pesquisada? Não sentiu a mínima curiosidade ou vontade de saber que raios está traduzindo? Para o tradutor evidentemente não fez sentido. Passar a ignorância gratuitamente é irresponsabilidade e preguiça. O melhor que poderia fazer, se ainda estivesse com preguiça, era deixar no original. Pôxa, hoje existe google. É só você se dar ao trabalho de fazer uma busca, em cinco minutos, entre aspas.

Um comentário:

Skywalker disse...

Olha só o Ghost Rider, vulgo motoqueiro fantasma:

http://a-arca.uol.com.br/v2/noticiasdt.asp?sec=2&ssec=2&cdn=9676

Esse vai ser massa... até já sinto meu esqueleto queimando... ehehhe