segunda-feira, fevereiro 20, 2006

Goethe über alles

Contarei hoje sobre Frankfurt am Main.
Como a nossa volta estava programada via Frankfurt, Dani e eu íamos circular um pouco pela Alemanha. Pensávamos em ir para Berlin, visitar uma amiga minha. E para Köln, visitar minha linda schwester. Bom, alguns imprevistos e muito dinheiro a menos, resolvemos só ficar na capital do euro alguns dias e então voltar de lá.
A cidade em si é meio sem graça. E é conhecida e reconhecida como uma cidade sem graça. Com uma renda média de mais de 70 mil euros por habitante, é basicamente uma cidade bancária. Os maiores bancos têm sede lá. O PIB de Frankfurt é várias vezes superior ao do Brasil (passa dos 2 trilhões de euros). E o presidente do banco central europeu, responsável pelas decisões econômicas e políticas da ue, reside em um enorme prédio no centro - a eurotower. Que logo será substituído por um maior (Frankfurt tem o infeliz apelido de Manhattan alemã; vários dos maiores edifícios europeus ficam lá). É por essas que o centro, que envolve o setor financeiro e comercial, é transitado por mercedes, corvettes, porches e jaguares (carro popular? Sim: Audi e BMW) e é impecavelmente limpo.
Mas, talvez chocantemente, logo no limite deste luxo todo, Frankfurt também é polvilhada de prostitutas, bares de striptease e bordéis. O que não é de se admirar, dada a enorme quantidade de ternos engravatados com pastas a tiracolo que circulam diariamente por lá. E, como já suspeitava, homem de negócios tem um gosto um tanto quanto pervertido sobre o sexo.
Bom, eu e Dani fizemos a besteira de não ter encontrado nenhum lugar antes. Procuramos um lugar quando chegamos mesmo. Descobri, e isso fica aqui como dica, que reserva por internet é muuuito mais barata. O preço que pagamos pelo melhor hotel razoável que nosso parco dinheirinho podia pagar, cobriria nossa estadia em hotéis 4 ou 5 estrelas se tivéssemos feito reserva com antecedência (o mesmo vale para as passagens intra-Europa, caros viajantes). Hotéis que, devido aos milionários negócios fechados diariamente, são muuuito luxuosos. Enfim, lição aprendida.
O hotel em si não era ruim. A localização, achávamos, era boa. Ficava perto da Hauptbahnhof (ou a estação central de trens e ônibus) e perto do centro histórico e comercial. O lance é que a cidade é minúscula (pelo menos espacialmente. Ela vai para cima), então tudo é relativamente perto. E por ficar ao lado da estação central, realmente tínhamos facilidade para voltar para o aeroporto, mas ao mesmo tempo estávamos em um misto de red light district com reduto turco, que dava um medo incompatível com o que esperar da Alemanha.
Era impressionante, de uma esquina para outra, o que era limpo e chique, transformava-se em uma cena de taxi driver. Prostitutas e gigolôs na calçada, na hora do almoço, negociando com senhores de armani. Um cheiro de mijo que me deixava tonto e fazia com que perguntasse a mim mesmo se estava realmente em uma das cidades mais ricas do mundo. Havia mais coisas escritas em turco do que em alemão.
Ávidos por pelo menos uma cervejinha alemã, resolvemos evitar os bares monetariamente inacessíveis do centro e entramos em uma portinha suja perto do hotel. Havia um punk mohawk, sua namorada com o olhar perdido, a dona do bar - uma senhora gorda que ao que parece era tia do punk e que ficava jogando fliperama - e uma velha que nos serviu. A velha, descobrimos, era uma malasiana que havia tentado ganhar a vida no velho continente. Falava um alemão porco e um inglês pior.
A velha pediu um cigarro e começou a contar um pouco de sua vida. Ficamos bebendo, fumando e ela tossindo. O clima todo era de penumbra, doença e insalubridade. Quando soube que éramos brasileiros, perguntou o que fazíamos alí. Passeando? Por 4 dias? Não fazia sentido. Não tínhamos pais alí? Nada? Não. Calculei mais ou menos como ela deve ter vindo, já que para ela, uma viagem para a Alemanha demorava de 2 a 3 dias. Por isso não fazia sentido ficar tão pouco tempo no país, depois te tanto sacrifício para chegar lá.
Queria porque queria nos recomendar um hotel, muito baratinho e que ficava longe de toda aquela imundíce (palavras dela) do bairro em que estávamos. Gentilmente fingimos que procuraríamos o tal lugar. Terminamos as cervejas, apertamos as mãos e fomos embora. Chegamos à conclusão de que era uma prostituta que ficou muito velha para continuar exercendo sua profissão e arrumava bicos em outros lugares (digo bicos porque era óbvio que ela não era uma boa bartender).
Enfim, a cidade, apesar de muito bonita, é nova. Restaram muitas poucas construções antigas. Frankfurt foi totalmente arrasada no final da guerra. Uma das coisas mais emocionantes que encontramos lá, havia sido totalmente reconstruída (ainda que fielmente): a Goethe haus. O bom é que Goethe já era um semi-deus para seus conterrâneos ainda em vida. Então, quando ficou evidente que a Luftwaffe não conseguia impedir os bombardeios americanos e ingleses, o povo resolveu preservar tudo o que podia do herói romântico. Retiraram todos os móveis, desenhos, pinturas e pertences de Goethe e esconderam tudo. Então a casa em si não tem quase nada de original (outrora uma linda mansão do século XVIII), mas quase tudo lá dentro pertenceu ao escritor.
Foi com uma emoção indescritível (e olhando para os lados e sorrateiramente desafiando o cartaz de "não toque") que encostei na escrivaninha que produziu Werther. De leve, só para sentir um pouco a concretude da história da literatura.
É quase uma experiência transcendental. Dá uma sensação de proximidade assustadora. Todos os livros (foi um barato ver o que havia na biblioteca magnífica dos Goethe), talhares, copos, xícaras, quadros, armários, um relógio astronômico magnífico, tinham quase o mesmo efeito de uma sessão espírita. E é assustador o quanto aquele povo preserva história e cultura. Mesmo tendo perdido quase tudo há apenas 60 anos.

Um comentário:

Karina Kuschnir disse...

Linda a passagem na casa de Goethe. Em umas férias achei o Afinidades Eletivas do Goethe paa ler e adorei...