segunda-feira, novembro 14, 2005

Ça va?

Normalmente a maioria dos filmes sobre alguma análise social é terrível. No máximo serve pra chamar atenção de alguma coisa que vc desconhece. Mas se vc tem a mínima noção do que trata o filme, é inevitável a sensação de frustração e, porque não, até revolta: "o cara viajou, é tudo esteriótipo" e por aí vai. Não é assim com alguma coisa que você tem mais familiaridade?
Mas às vezes aparece um filme que tem um timing sensível. A razão? Não sei direito. Competência do diretor, claro. Bons atores, evidente. Mas há algo de etnográfico também. Não jornalístico (leitor jornalista, não me trucide). Não relata, vive. Ou, vivendo, relata. E respeito. Levar a sério o que se conta.
A respeito do tumulto na França, principalmente nas cités parisenses, alguém poderia dizer que trata-se de uma crônica de um desastre anunciado. Mesmo no cinema.
Quando estava no segundo ano de graduação, fiz um trabalho para uma matéria de licenciatura (não, não posso virar professor. Quando chegou na hora H, de pegar no pesado e dar aula no Estado, tive que tirar meu chapéu pros heróis que conseguem, mas desisti). Versava sobre uma literatura de educação e reprodução de desigualdade social. Tinha algo de Bourdieu, algo de Paulo Freire, e outros autores que esqueci o nome. Mas eu usei principalmente a noção de terrítório do Guaterri para falar das cités parisienses. Usei também (ou melhor, usamos. Desculpe grupo) o filme do Kassovitz, La Haine. Profético? A vida imita a arte? Ou é tão claro que a situação dos imigrantes nas cités, sem emprego, levando porrada de paga-pau de Le Pen, fugindo da polícia e sendo vigiados tão ostensivamente, que nem Foucault, nem Orwell podiam encontrar melhor panóptipo, ia acabar mal?
Pois é, o mundo burocrático é desprovido de imaginação. Chega a ser irritante tudo ser tão previsível, perde até a sensação de tragédia e ficamos com um gosto estranho de comédia - de humor negro.
E existem também desses filmes post facto. Alguns são até interessantes. Hoje assisti um sobre o 11/09, sob a ótica de um capitão de bombeiros que sobreviveu. Piegas? Bom, talvez um pouco. Mas também com uns momentos muito sensíveis e que tocavam nuns pontos nevrálgicos, que são nevrálgicos porque têm muito sentido, ou, ao contrário, não têm nenhum. O impacto real do atentado veio quando foram feitos os enterros - a maioria sem corpos nos caixões.
E esse é um acontecimento que todo mundo vai lembrar do que fazia quando ocorreu. Sempre ouvia dizer isso sobre o assassinato do Kennedy (com meus pais funciona, eles sabem exatamente o que faziam. Ou pelo menos eles têm a narrativa do que faziam prontinha, o que é igualmente interessante), ou a morte do Tancredo. Com o primeiro, claro, não era nem projeto de gente. Na época das Diretas eu era muito moleque. Eu lembro da morte dele, mas não do que eu fazia. Provavelmente devia estar com o dedo enfiado no nariz lendo gibi.
Agora, lembro direitinho do dia 11. Claro, ainda é recente. Mas você percebe quando é um desses acontecimentos marcantes - e não só pra você. Eu tinha acordado cedo, mesmo não precisando, já que as aulas tinham sido canceladas, já que na noite anterior o Toninho tinha sido assassinado. Falei com a minha amiga Dani, por telefone, comentamos sobre o caso e, quando desliguei, minha mãe me disse que um avião tinha batido no World Trade Center. Não entendi bem o que ela dizia, ou não conseguia visualizar, pelo menos. Fui ver. Demorou um tempinho pra ver que era verdade. E - ploft - bateu outro. Cacilda. Todos aqueles clichês de irrealidade... são verdadeiros e precisos. E depois veio o ritual de comentar com todos, dar o seu testemunho do que fazia na hora, esperando saber o mesmo do outro, e trocar impressões. Ninguém nem perguntava se já sabia do que tinha acontecido. Nada daquilo "sabe quem morreu?". Era pressuposto.
E depois veio a loucura explícita. Nada de macarthismos velados. Guerra no Iraque, guerra no Afeganistão.
Isso me faz lembrar de algo que aconteceu esses dias. Mês passado, liguei pra Paula, na Espanha, pra acertar minha viagem. Só que disquei o prefixo da Espanha errado. Algo incompreensível do outro lado da linha. Desliguei e não dei muita bola. Agora chegou a conta de telefone - com uma ligação pro Afeganistão! Pra onde?! Ficava imaginando, preconceituoso, que podia ter ligado na casa de algum talibã que tem o mesmo número de telefone da Paula! E se, pensava neurótico, morasse nos EUA?
Eu vi em algum lugar que os EUA - NSA, FBI, CIA, CSS ou alguma outra sigla alfabética aí - monitoram toda comunicação com alguns países do 'eixo do mal'. Imagina, por causa de um número discado errado, vc pode acabar sendo preso preventivamente! Sem direito a fiança. Se dar mal, tão certamente quanto criticar o chef antes de receber a refeição.


Jusqu'ici tout va bien.
Jusqu'ici tout va bien.
Jusqu'ici tout va bien.
Il sait que l'important c'est pas la chute, c'est l'aterrissage.

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