sábado, junho 23, 2007

Bangsices

Dicas para tornar-se um (a - daqui pra frente considerem declinações de gênero suspensas) artista hype:

- Primeiro, gravar um disco na África ou com motivos africanos "tradicionais", mas com uma roupagem nova: querendo dizer samples eletrônicos bacaninhas e guitarrinhas esquisitas. Claro que isso no fundo é apenas uma releitura da "world music" desacreditada. Não há necessidade de precisar afinal de que parte da África vem o som, mas se você regurtitar um ou outro nome étnico no encarte do seu cd, seu caso se fortalece.
- Adotar uma criança cambojana e batizá-la com algum nome neo-hippie (que, ao contrário das alcunhas dos filhos do flower-power, não querem dizer absolutamente patavinas).
- Recitar a situação política no mundo, especialmente lá em Deus-me-livre e outros recantos obscuros do mapa.
- Comprar um quadro do Banksy.
- Morar na Riviera italiana (ok, pode ser Búzios, seu POBRE!)
- Ser pêgo bêbado ao sair de alguma boate para mostrar que você é um subversivo e não liga para sua imagem (hahaha, não posso resistir à infâmia: sede é tudo).
- Visitar por dois dias um campo de refugiados ou campo dos Médicos sem Fronteiras (e então achar que fez sua parte para aliviar a consciência pesada).
- Exercite sua arrogância de achar que faz mais pelos necessitados do mundo, disfarçando de caridade condescendente - quando olha com repulsa ao vagabundo da sua rua, que, afinal de contas, é vagabundo porque quer. Porque, afinal, abraçar o horror estrangeiro é hipocrisia em sua forma mais cruel: se escolhe ignorar a podridão doméstica em prol de uma ignorância saudável ao adotar uma pseudo dor alheia, mas que, tão logo torna-se um espinho desconfortável, é facilmente extirpada, esquecida e varrida para debaixo do tapete da indiferença.

Seguindo as instruções com cuidado, você será considerado um artista engajado e acima do restante da "ralé-tum-tum-tum-e-dancinhas-eróticas-com-gemidos-lascivos-e-letras-absolutamente-desprovidas-de-sentido" que existe por aí.
Mas cuidado! A consciência da dor de viver, como a lembrança de uma bebida amarga, não pode ser lavada depois de experimentada, mas volta rastejando nos momentos mais inesperados e impróprios - despertos ou não. E não há terapia new age ou yoga tântrica que te salvem então. O momento que você perscrutar, nem que seja por um breve e fugidio instante, que o significado mais profundo da vida, como Bangs descobriu ouvindo aquele disco do Van Morrison tantos anos atrás, é que podemos machucar e ser machucados, neste momento você estará amaldiçoado, uma "esponja para todos aqueles problemas dos outros imbecis".
A menos que você não tenha tentado entender nada disso pra começo de conversa.

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