domingo, setembro 10, 2006

Un peu de joie

Raimundo Madrazo - Retrato de Aline Masson (1910)


Eu gosto muito dessa arte burguesa, principalmente francesa, da belle époque. Tudo muito ingênuo, às vezes cruel (paralelos interessantes com algumas atualidades são inevitáveis), mas sempre confiante, uma quase soberba que ainda não conhecia uma guerra mundial.
Os desenhos das exposições universais, por exemplo, são magistrais. O art nouveau, o impressionismo, a nova arquitetura, o nascimento do design, um "realismo não real" da técnica que brincava com o olhar, mas que já conhecia o cinema e a fotografia - tudo isso criou algo realmente único, com técnicas novas, materiais novos; algo essencialmente e finalmente, moderno.
Mencionei os pôsteres das exposições universais. Mas as propagandas de produtos, os painéis, os cartazes de lojas, roupas e calendários, os selos, os estudos de fontes e logotipos, são o que de melhor existe em design e arts and crafts - até hoje, para mim. O próprio Klimt, Toulouse-Lautrec, Mucha, Beardsley, um Eliseu Visconti (esse conterrâneo dos Tambascia da Campana) no Brasil - todos fizeram algo inspirado, mas ao mesmo tempo mais livre, da pintura (o tal do decorativo) que me agrada muito.
Em fevereiro do presente deleitei-me, sem cansar, com Gaudí - esse sim genial. Em Madrid, em intenso tour artístico, vários Klimts, Toulouse-Lautrecs e cia. Esse quadro acima, Aline Masson, vi em uma exposição temporária no Prado. A tal exposição era em homenagem a Ramón de Errazu, um desses mecenas endinheirados que estão tão intimamente relacionados ao que consideramos um pintor bom ou de sucesso. Algumas pinturas de alguns artistas espanhóis e franceses protegidos, foram doadas havia 100 anos pelo tal Errazu ao Prado. Por isso o evento. Dentre as maravilhas expostas, destaco este quadro, de Raimundo Madrazo y Garreta.
Quem foi ao Prado sabe que aquilo é de enlouquecer. É tanta informação visual realmente magistral que chega uma hora que passamos o olhar por um Botticelli e pensamos "ah, um Botticelli" e passamos para o quadro ao lado.
Alguns quadros, entretanto, mereceram maior contemplação. Não sei exatamente porque, mas assim foi... um deles foi "As meninas" de Velasquez - esse quadro tão pós-moderno em uma época que esse tipo de meta-reflexividade não existia (e que mereceu dezenas de versões-estudo de Picasso, também visitadas por mim e Dani em Barcelona).
Outro foi "O jardim das delícias" de Bosch, esse quadro tão hermético e tão impressionante (um Dan Brown da vida teria muito material para fazer uma história de conspiração e de significados ocultos em torno do quadro).
Outro quadro, de um artista igualmente associado a um hermetismo clássico, Poussin, foi "Parnasus". Pra mim Poussin sempre foi um mistério delicioso. Adorei quando Lévi-Strauss se aventurou na crítica artística com Poussin; fiquei anos fascinado com a aventura templária que começou com aqueles historiadores ingleses que, acredito, viajaram um pouco com o "Et in Arcadio Ego"; e mesmo Panosfky escreveu um brilhante ensaio sobre as interpretações deste famoso quadro (e seus diversos primos). Não creio que "Parnasus" tenha tanta controvérsia latente como acontece com "Arcadia", mas mesmo assim é muito impressionante.
Enfim, poderia falar horas sobre o que vi. A sessão do Renascimento é absolutamente mágica. O porão de estátuas e bustos, assombroso. Mesmo o estranho e gigantesco cofre com dezenas de relicários é lindíssimo. Mas de tudo isso, foi desse artista relativamente desconhecido, Madrazo, retratista competentíssimo e que fez carreira nos círculos burgueses europeus, de família de pintores espanhóis respeitadíssimos, nascido em Roma em 1841, mas tornado artista em Paris, que mais me lembro.
Aline Masson, esposa de Madrazo, foi a modelo deste quadro. Fiquei absolutamente hipnotizado quando vi. Já estava há várias horas andando, estava cansado e com fome, os olhos ardiam de tanta pintura, e mesmo assim fiquei muito tempo só olhando para os detalhes da pintura: os olhos um pouco cerrados, a brancura da tez, a roupa luxuosa, o chapéu, as flores, a boca num sorriso perturbador, o ar blasé, a despreocupação com o mundo... mas principalmente o nariz - nada clássico, mas de uma quase-vulgaridade sensualíssima. Tudo dando impressão de uma fotografia borrada - tão realista, mas tão impressionista. Ou então de uma fotografia pintada, algo que outro artista / designer, Dave McKean, fez décadas depois, de maneira completamente diferente.

Um comentário:

Anônimo disse...

Ela tem um quê de Juliette Binoche...