Fiquei emocionado. Por um ano passei por aquele cruzamento todo dia, algumas vezes por dia.
Os turistas que chegam em bandos, aos pares, ou sós. Em excursão, ou coincidentemente se juntam, esperando sua vez de andar pelas faixas tornadas célebres 40 anos antes. Ou mesmo se estão sem companhia, faça um dia ensolarado lindíssimo (como só existem em Londres, ou em semelhantes latitudes), ou de chuva que parece eterna - estão sempre lá (por vezes até mesmo de madrugada se pode encontrar os que lá se aventuram, para um registro menos disputado).
Por um ano eu fiz como os carros que são obrigados a parar diante da faixa, enquanto houver alguém andando ou ameaçando andar: esperava a fotografia ser feita. Porque essas pessoas, japoneses, americanos, brasileiros, franceses, argentinos, italianos, saem do circuito usual do turismo londrino (localizado mais ao sul) e chegam neste cruzamento apenas com um propósito, rápido: firmar uma mensagem no muro branco do estúdio localizado logo em frente e tirar uma fotografia emulando os reis do ié, ié, ié.
É um bairro lindíssimo, mas sem mais atrativos, minimamente interessantes, como uma loja ou outra residência histórica (porque todas são, paradoxalmente anulando a singularidade, pois elevada à enésima potência - o são completamente, sem possibilidade de comparação).
Talvez venham também os fãs de Kokoschka, célebre morador anônimo das redondezas, mas, relegado que é pela história da arte - e mesmo do expressionismo de que participou - não me parece atrair multidões.
Talvez venham também os que querem passear no zoológico e ver os gorilas e girafas. Mas para isso já têm que se distanciar rumo aos limites de St Johns Wood, em direção ao Regent's Park.
Pois então os que chegam, vindos de longe, incertos de quando voltarão - se é que voltarão, já que a moral toda parece ser semelhante a uma peregrinação que se deve fazer uma vez na vida, mas uma vez feita, o céu ou a iluminação pessoal estarão indelevelmente mais próximos, como a que fazem os muçulmanos a Meca, que fazem os cristãos a Fátima (ou ainda a Santiago de Compostela, para os mais aventureiros), e que fazem os judeus aos kibutz em Terra Santa - não hesitam em tomar 10 segundos do tempo dos moradores locais e prestarem seus respeitos em uma foto imortalizada. Aí perdem todas suas inibições, frente a estranhos que nunca mais verão ou a quem terão que se justificar. Aos veículos, não resta nada a não ser ter paciência (ou tomar um caminho alternativo). Aos moradores pedestres, compreensão - ou arriscar-se à irritação dos que o terão ao fundo como paisagem, até o final dos tempos ou do prazo de validade da imagem (que em tempos digitais, não sabemos precisar).
Mas raramente me irritava com essa atravessação incessante. E, assistindo agora esse vídeo, só me assalta uma saudade tremenda desse incômodo, que dava todo um sabor ao lugar onde morei, e, de uma maneira estranha, me permitia ser colocado em uma espécie de vórtice em que tantos desconhecidos - e quanto conhecidos, o que é igualmente fascinante - passaram e ainda irão passar.
Um imã gigantesco que atrai as bússulas, ou uma versão musical do triângulo das bermudas, a um quarteirão de casa.