Não sei porque hoje me veio uma musiquinha irritante na mente (será a data tenebrosa?). Sabe daquela que gruda nos seus neurônios, vem das trevas do inconsciente e toma sua mente de assalto para não mais largar? E, como o soluço (esse outro fenômeno fisiológico misterioso), só se vai quando você desiste de tentar matar a dita cuja.
Pois é, dessa. Aliás, eu nunca vi nenhuma explicação sobre porque essas músicas surgem, ou porque elas persistem. Quer dizer, fora o Paulo Coelho, mas com o argumento extraordinário-psíquico-místico, em As Valquírias, ou em Diário de um Mago... um desses (sim, eu lia bastante o imortal da nova era). Algo como a mente em desequilíbrio, ou a mente desconcentrada.
De qualquer maneira, voltando à música. Não é um Bon Jovi, ou uma Bonnie Tyler, ou mesmo uma ABBA - alguns dos campeões do grude. Mas o jingle do Bom Dia São Paulo.
Era o "vamo embora, vamo embora, tá na hora, vamo embora, vamo embora"... que ouvi toda manhã por mais anos do que eu quero lembrar.
E junto com a lembrança do refrão, veio a memória de todos aqueles anos de escola ao raiar do dia.
Nunca gostei de acordar cedo, mas até o terceiro ano do colégio (com exceção do segundo, quando estudei à tarde - e dormia na aula, vai entender...), não tive muita escolha. Como se já não fosse bastante desagradável entrar na sala às 7:00 (os piores anos foram durante minha sétima e oitava séries, quando estudei num legítimo vale, ali perto da lagoa do Taquaral, onde até a segunda aula você não via mais que 10 metros à sua frente por conta da neblina), eu tinha que acordar especialmente cedo, porque desde que me conheço por gente, só fui para o colégio no esquema rodízio-de-pais (partilha da miséria), o que significava várias paradas nas casas de colegas antes de chegar na Bastilha.
E não sei porque cargas d'água, todo pai descontava a frustração de ter que cumprir com seu dever parental - numa hora em que nenhum ser vivo decente e temente à Deus deveria estar acordado - ouvindo o bendito programa, com as notícias que só interessam aos pais (partindo do pressuposto de que não nos faziam ouvir aquilo simplesmente como retaliação por todo o trabalho que lhes dávamos). Nada de The Cure, ou Smiths (em algum momento dos 80), ou U2, Information Society, Titãs ou Paralamas (em outros momentos), ou ainda Nirvana e Pearl Jam (sim, porque isso se arrastou até os 90). Não, eternamente minha trilha sonora para a escola foram as notícias sobre impostos, sobre corrupção na política e sobre os problemas da segurança pública. Invariavelmente e sem exceção.
Não fosse a CBN, ou coisa que o valha, bem poderia ser uma marcha qualquer de pelotão de fuzilamento. Não faria muita diferença.
Eu acho que minha ojeriza aos noticiários vem bastante daí.
E esse "vamo embora, tá na hora"... que desespero! Já está na hora de correr? Tão cedo? Que stress! "Vai vagabundo, faz alguma coisa que você já está atrasado, não importa o que você faça", poderia ser o segundo refrão.
Sempre aquele equilíbrio delicado entre o sair o mais tarde possível, dormir mais alguns poucos minutos (com seus pais ficando nervosos e já tirando o cobertor à força), e depois o correr, antes que o portão se fechasse. E que lógica horrorosa - me fazer ficar ansioso por chegar a tempo, quando o que eu mais queria era perder o sinal e jogar fliperama, ou voltar para a cama! Percebe o elemento esquizofrênico, percebe?
Sempre que ouvia o jingle infernal me sentia miserável, me dava uma sensação de sufocamento, de opressão, como se uma sentença me estivesse sendo anunciada. Seu dia nada mais será que um desdobramento de sua manhã. E nada mais.
E eu que pensava que essa neurose com o tempo fosse exclusivo dos meus anos de universidade...