quarta-feira, março 12, 2008

Perspectivismo

Outro dia fui na farmácia comprar álcool e soro. Domingo, por sinal. Esse dia vazio e preguiçoso.
O dia não estava dos mais bonitos, mas também não estava ruim. Aproveitaria e andaria um pouco, coisa que não tenho feito muito ultimamente. Quando cheguei na farmácia alguns pingos mais gordos já começavam a cair.
Acabou que comprei as coisas a que fui e fiquei esperando cair o mundo em forma d'água dentro do estabelecimento farmacêutico. Em cinco minutos tudo estava alagado.
Para quem conhece aquele cruzamento da Barreto Leme com Cel Quirino sabe das generosas poças que se formam por lá nessas chuvaradas - ainda que seja muito melhor que em outras regiões do bairro.
Lá esperei, olhando os produtos, a balança, a chuva, os pedestres encharcados, os motoristas com síndrome de rali.
Puxei conversa com um rapaz e acabamos falando sobre a chuva e os transtornos das inundações dali. Ele me contou que o problema é que aquela região toda antes era charco (ou o termo técnico correto) e que a água não tem como escorrer quando ocorrem os temporais, já que o sistema de esgoto é bem precário em decorrência do passado alagadiço da metrópole. Isso lá por volta de 1700.
Não sou versado na história da cidade, mas já havia ouvido explicações parecidas (o mesmo parece ocorrer com São Paulo e o problema com o Ipiranga, ou sejam lá que águas correntes subterrâneas espreitam e conspiram contra os cidadãos insuspeitos). De qualquer maneira, o argumento parecia bem plausível.
Das conjecturas históricas e urbanísticas não demorou para chegarmos no aquecimento global, no derretimento do gelo nos pólos e no aumento da temperatura e do nível do mar.
Mas a ganância do homem não se traduzia, segundo meu interlocutor, em poluição e destruição da camada de ozônio. Ou não apenas isso, de qualquer maneira. Mas é, antes de mais nada, a confirmação da natureza pecadora humana, a prova do sinal, indiscutível, de que a grande tragédia se aproxima - ou assim entendi, com minhas palavras.
Mas qual tragédia, indago?
O fim anunciado, foi a resposta.
A conotação bíblica de um apocalipse talvez menos simbólico (ainda que saturado de sentido) e assustadoramente real ficou logo evidente. E eu estaria equivocado em pensar o contrário.
Equivocado e iludido, porque é claro que a ciência tem sua explicação do fenômeno, mas ela falha miseravelmente quando diz respeito aos desígnios insondáveis saídos de um Velho Testamento vingativo. Tal como os azande, que não têm problema nenhum em admitir que cupins tenham roído o arco mas insistem em lembrar que a madeira ruiu exatamente quando fulano se encontrava debaixo (e, portanto, prova de que feitiçaria se mostra presente), me foi mostrado que os princípios por mim aceitos para explicar os problemas ambientais, eram mais complexos do que imaginava.
No fundo ele me alertava para os sentidos do efeito estufa, e estava de certa forma muito menos restrito quando se tratava de pensar sobre o problema, que evidentemente não é apenas ecológico - ainda que ele mesmo estivesse refém de sua perspectiva e visão de mundo.
Para quê acumular e planejar, quando o melhor, inferi pelos rumos da argumentação, era simplesmente esperar, resignado, o castigo merecido? Uma versão sombria e paradoxal do carpe diem exatamente porque, neste caso, o futuro é certo e o presente intocável.
Voltei para casa um pouco angustiado com o confronto com um outro paradigma e uma outra forma de experenciar, além de bastante molhado.

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