Hoje fui almoçar na casa dos meus avós com a Dani e meu pai. Fazia tempo que não ia passar um tempinho com eles, o que me deixa um pouco triste, já que eu adoro conversar com os dois e ouvir suas histórias, e eles já estão ficando muito velhinhos .
Depois de uma deliciosa moranga com carne seca e catupiry (ou jabá com jerimum), um vinho tinto seco do Sul e o delicioso manjar branco da minha vó (que desde que me conheço por gente é servido nas ocasiões festivas, geralmente na forma de porquinho, mas hoje na forma de peixe), ficamos à mesa tomando café e falando bobagem. Vira e mexe eles começam a contar coisas que aconteceram há 50, 60 anos atrás. Eu adoro ouvir e imaginar como eram as coisas naquele tempo. Campinas com bonde e poucos carros, ainda com charretes, as pessoas de chapéu...
Agora com essa série JK, eles, que adoram novela e mini-série da globo, ficaram me contando do programa, alternando com suas próprias recordações do tempo. E falaram do JK, do Jango, do Lacerda... como no ano novo, quando fiquei horas ouvindo histórias do avô da Dani, inclusive um pouco mais velho que meus avós.
Meu avô me contou como seu pai dizia que a minha avó devia ser doente, porque comia pouco e falava baixinho. Você será viúvo cedo meu filho, dizia preocupado e pesaroso. E essa maledeta ainda está viva, exclamava meu avô! Minha avó então dava risada, lembrando do choque que foi sair de uma austera família germânica e de um colégio de freiras e entrar na algazarra que é a família Tambascia.
Minha avó, aliás, era lindíssima. Até o retrato estragar com algum tipo de fungo, lembro que fitava impressionado uma foto que ficava na sala, em que ela, mocinha, olhava o horizonte na melhor pose Marlene Dietrich. As histórias do começo do namoro dos dois são muito bonitas. O cortejo, as tentativas de meu vô em driblar a seriedade do velho Ferdinand Hass, os primeiros passeios de mãos dadas... há seis décadas!
Bom, lá pelas tantas perguntei pro meu avô sobre a guerra. Me lembrava de uma história de que ele tinha sido convocado, mas não embarcou porque a guerra havia acabado. Não, disse ele, foi meu irmão Donato. Ele já havia inclusive ido para Santos para embarcar para a Itália quando a guerra acabou. Meu vô seria convocado dentro em breve.
Aí ele me contou a história de como meu tio-avô fora convocado em São José do Rio Pardo, onde havia nascido, e ido treinar no Mato Grosso antes do embarque. Um sargento do tiro de guerra campineiro, que conhecia meu bisavô Nicolino, soube que o regimento da FEB em que meu tio-avô Donato estava iria para Santos, mas antes passaria por Campinas, em um trem da Sorocabana (que aliás foi criada pelos maçons perseverantes que tanto conheci fazendo o trabalho para a Suely. Um húngaro, de sobrenome Maylasky, figura interessantíssima que aportou em terras paulistas nas últimas décadas do século XIX, foi o grande mentor do empreendimento). Meu bisavô Nicolino, que estava contrariadíssimo por ter um filho que iria lutar na guerra, ainda por cima contra seus antepassados italianos, foi com meu vô para a estação da Cia Paulista de Estradas de Ferro - hoje FEPASA - se despedir de Donato. Estava desesperado e chorava copiosamente, segundo meu avô. E mais ainda quando descobriu que chegaram atrasados e o trem já havia passado. Eles haviam se visto uma única vez desde a convocação tempos antes, ocasião em que meu vô tirou uma foto de seu irmão todo fardado.
Chegado em Santos e esperando o "vapor" que o levaria à terra ancestral, meu tio-avô ficou algumas semanas montando guarda como sentinela no forte de Bertioga. Um dia, segundo meu avô, ele ouviu barulhos na escuridão e viu uma figura sorrateira se aproximando.
Alto, quem vem lá? Identifique-se ou passo fogo! Uma voz feminina exclamou baixinho pedindo calma. Era uma moça da região, que havia preparado um bolo para dar ao meu tio-avô, por dó e caridade. Não sei como se conheceram. Meu vô também não sabia. Me parecia história de romance. Mas nessa hora ele ficou muito emocionado, colocou a mão no rosto e começou a chorar.
Fiquei constragido e quis mudar de assunto, mas meu avô se pôs a concluir a história, falando pausadamente quando as lágrimas vinham mais fortes. Em algumas partes nem cheguei a entender o que dizia, mas fiquei sem jeito de interromper.
No final das contas ele contou que pouco antes de navegar para a Itália, haviam dado a notícia de que a guerra terminava. Seu irmão voltou para casa, mas por um triz não embarcara. Ao que parece, se a guerra durasse mais pouco, ele teria ido para a guerra, e tanto meu avô como seu irmão menor teriam sido convocados também.
Mas meu vô me contou que tinha um amigo mais velho, com quem trabalhara em uma loja, como garoto de recados, em 1936 (número 1600 e pouco da Francisco Glicério, onde hoje funciona uma farmácia), foi mandado para a Itália, e de lá não voltou, morto em alguma batalha contra os alemães. Este amigo virou nome de rua em Campinas.
Ao irmos embora meu pai me disse que sempre que meu avô fala deste irmão se emociona muito. Coisa que entre os Tambascia não é muito difícil, convenhamos. Não tenho memórias muito claras dele. Morreu há alguns anos atrás, mas quase não o víamos. Segundo meu pai, seu tio Donato comia um ovo por dia toda manhã, durante toda a vida. Parou pouco antes de morrer, quando alguém o aterrorizou com histórias de colesterol. Morreu com quase noventa anos, com o colesterol normal, normal.
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Um comentário:
Lindo relato, Chris.
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