É fato universalmente aceito por todos os seres cientes e dotados de um mínimo senso estético, daqui (seja onde for aqui) até Timbuktu, que as sequências nunca são melhores que os originais. Não têm nem mesmo qualidade semelhante. Exceções, dignas de nota, vão para O Império Contra-Ataca, para As Invasões Bárbaras e possivelmente para Shrek 2.
Mas via de regra, continuações raramente trazem algo de inovador, limitando-se a emular a estrutura de algo que funcionou uma primeira vez. Inevitavelmente vem aquele gosto acre de paródia, de farsa, de que seja lá o que de bom havia pra começo de conversa na história agora acabou em detrimento da lógica caça-níquel cada vez mais em voga e que se ferrem os espectadores porque no fundo são todos uns deslumbrados que têm a mesma mentalidade de viciados em heroína sempre atrás daquela euforia primeva cada vez mais distante e longínqua mas sempre santificada como o graal dos peregrinos.
Mas, enfim, conto que voltei para Praga! E não quero dizer que foi melhor que da outra vez, porque a aventura com Dani e Malu pela terra das consoantes foi demais! Essa vez foi apenas... diferente. Fiz coisas que não fiz da outra vez, então não sei se é justo comparar.
A Praga que vi esse final de semana nem é a mesma Praga de três meses atrás, ensolarada e opressivamente quente. Cheguei num frio, com neblina e chuva, que proporcionaram um cenário todo distinto.
E ao invés do hostel que tremia toda vez que o metrô passava zunindo do lado e que me dava medo de pegar piolho ao dormir na cama, dessa vez tive tratamento vip! Não entrarei em detalhes, mas conto que comi pela primeira vez num restaurante listado no guia Michelin!
Subi os tais 287 degraus da catedral de St. Vitus (e quase sucumbi como resultado), como prometi à minha amiga Ju, fui ver os vitrais e os afrescos do Mucha, fiz uma oração (encomenda de minha avó) na igreja do Menino Jesus de Praga, fiz degustação de cervejas tchecas (maravilhosas e baratíssimas) e camelei muito!
Mas agora, olha que estranho: estava esperando no lobby do hotel a hora do jantar quando chega um dos médicos do grupo e me pergunta "como vai a velhinha, sua vizinha? E aquela história, como ficou?". Demorou até cair a ficha e entender sobre o que ele estava falando...
domingo, outubro 28, 2007
domingo, outubro 21, 2007
Ratinho em Londres
Quem me conhece sabe que meu modus vivendi não é compatível com barraco. Nunca gostei, nunca vou gostar. Certamente nunca vou fazer (a menos que você me encha o saco! - Já que também não sou dado a contradições. Ou ironia, pelo que me consta).
Enquanto escrevo isso, um barraco está rolando na casa ao lado. Ouço os gritos e reconheço algumas ameaças, suaves e veladas: "You fucking bastard, I'll kill you", "Shut up you fucking slut", bem como uns sons gruturais que impressionantemente estão saindo de gargantas humanas, o rufar de pés correndo e o estrondo de objetos atirados e consequentemente quebrados.
Mas esses vizinhos são escandalosos mesmo. Desde que me mudei pra cá eu ouço berros e promessas de espancamentos e morte. Geralmente é a mãe, quando tenta fazer os filhos irem para a escola de manhã. Ela alcança uma oitava que qualquer cantora sentiria inveja. Aquela que racha cristais e atiça os cães da vizinhança. Nessas ocasiões, a coisa vai esquentando por uns vinte minutos, até que finalmente ela consegue arrastar os fedelhos pra fora (a menos que algum se tranque no banheiro, quando então promessas de arrombamento e aniquilação da porta a pontapés afloram). Mas de vez em quando é o pai que esbraveja e me faz lembrar do lobo mau, assoprando a casa dos porquinhos.
Não sei como ninguém chamou a polícia até agora. Ou pelo menos a super nanny (ou a Trisha, a equivalente da Márcia Goldsmith daqui).
Mas esse é o problema de se morar em apartamento: a chance de você ter um pirado morando perto o suficiente para você ouví-lo, é estatisticamente suficiente para você de fato ter um.
No meu prédio, no Brasil, tenho vizinhos que jogam lixo pela janela, ouvem sertanejo no som da sala imaginando que estão num trio elétrico, ou deixam a tv num volume tão alto que você pode concluir que ou a terceira guerra mundial começou do outro lado da parede ou então alguém está vendo um filme de guerra. Como disse uma vez Palahniuk: "these sound-oholics, these quiet-ophobics".
O prédio em frente (no Brasil) é ainda pior. No apartamento logo em frente, do outro lado da rua, vira e mexe a mulher começa a jogar tudo ao alcance das mãos no marido (uma vez presenciei um chute tão certeiro e espetacular, com uma bola de futebol que marcava por lá, e que tinha como alvo a cabeça do sujeito, que se fosse um olheiro de algum time a convidaria na hora pra fazer um teste no meu clube), ao mesmo tempo que demonstra a excelente forma pulmonar.
Uma vez, um amigo e sua então namorada vieram fazer uma visita. Domingão. No terraço do prédio da frente, que imagino seja a área social, rolava um churrasco básico. De repente, do burburinho das conversas e das ébrias risadas usuais, irrompe um "vou te matar, filha da puta" e a típica sonoplastia da cizânia que normalmente segue tal declaração. Aí ouço uma mulher gritando, histericamente, pra alguém chamar a polícia. Em alguns minutos o terraço fica silencioso e não sei se alguém possuído por completo por um frenesi assassino acabou matando todo mundo capaz de emitir ruídos, ou se a galera começou a se digladiar em outro lugar, mais reservado. Claro que enquanto isso, do nosso lado da rua, havíamos parado de conversar e passamos a apreciar a rusga, com aquela curiosidade macabra que Deus concebeu a todos os primatas deste planeta.
Isso porque meu bairro é considerado de "alto nível". Tem associação de bairro, jornalzinho local, manicure canina, empório, e frutarias orgânico-maníacas caríssimas.
Mas esses vizinhos aqui do lado são diferentes. São também judeus ortodoxos. Não digo isso depreciativamente, como um comentário anti-semita. Pelo contrário, imaginava que aquela galera que vejo toda semana saindo de terninho e de vestido chique da sinagoga, como se todo domingo rolasse um casamento por lá (tem duas sinagogas grandes aqui no bairro) fosse mais civilizado (mas aqui estou em terreno perigoso; não importa o quanto eu profira tolerância, quando o assunto entra por essas bandas identitárias, alguém sempre vai levar pelo lado errado. Como gente muito mais inteligente do que eu já percebeu, nada pior do que o complexo de culpa liberal que tenta balbuciar desculpas pelas injustiças cometidas. Mas, claro, o melhor mesmo é ter cuidado).
Umas semanas atrás eles ergueram uma barraca no jardim (do lado da minha janela). Tipo uma daquelas cabanas de poder que alguns grupos xamanísticos gostam de montar para os rituais de auto-conhecimento. Tinha uma mesinha, um monte de badulaque pendurado (pra mim parecia vudu) e uns canapés - kosher, imagino. A família convidava seus amigos israelitas e ficavam cantando musiquinhas religiosas a plenos pulmões - às 10 horas da noite! O equilavente hebreu das rodinhas de praia, em que algum chato pega o violão e começa a tocar músicas do Legião.
Mas seja lá qual for a data especial (que durou algumas semanas) que suscitou a cantoria no jardim, agora passou, e a oca foi desmontada. Agora, não sei se na verdade sinto saudades dessa época, já que enquanto eles cantavam, pelo menos não se matavam como personagens de um filme do Spike Lee.
Enquanto escrevo isso, um barraco está rolando na casa ao lado. Ouço os gritos e reconheço algumas ameaças, suaves e veladas: "You fucking bastard, I'll kill you", "Shut up you fucking slut", bem como uns sons gruturais que impressionantemente estão saindo de gargantas humanas, o rufar de pés correndo e o estrondo de objetos atirados e consequentemente quebrados.
Mas esses vizinhos são escandalosos mesmo. Desde que me mudei pra cá eu ouço berros e promessas de espancamentos e morte. Geralmente é a mãe, quando tenta fazer os filhos irem para a escola de manhã. Ela alcança uma oitava que qualquer cantora sentiria inveja. Aquela que racha cristais e atiça os cães da vizinhança. Nessas ocasiões, a coisa vai esquentando por uns vinte minutos, até que finalmente ela consegue arrastar os fedelhos pra fora (a menos que algum se tranque no banheiro, quando então promessas de arrombamento e aniquilação da porta a pontapés afloram). Mas de vez em quando é o pai que esbraveja e me faz lembrar do lobo mau, assoprando a casa dos porquinhos.
Não sei como ninguém chamou a polícia até agora. Ou pelo menos a super nanny (ou a Trisha, a equivalente da Márcia Goldsmith daqui).
Mas esse é o problema de se morar em apartamento: a chance de você ter um pirado morando perto o suficiente para você ouví-lo, é estatisticamente suficiente para você de fato ter um.
No meu prédio, no Brasil, tenho vizinhos que jogam lixo pela janela, ouvem sertanejo no som da sala imaginando que estão num trio elétrico, ou deixam a tv num volume tão alto que você pode concluir que ou a terceira guerra mundial começou do outro lado da parede ou então alguém está vendo um filme de guerra. Como disse uma vez Palahniuk: "these sound-oholics, these quiet-ophobics".
O prédio em frente (no Brasil) é ainda pior. No apartamento logo em frente, do outro lado da rua, vira e mexe a mulher começa a jogar tudo ao alcance das mãos no marido (uma vez presenciei um chute tão certeiro e espetacular, com uma bola de futebol que marcava por lá, e que tinha como alvo a cabeça do sujeito, que se fosse um olheiro de algum time a convidaria na hora pra fazer um teste no meu clube), ao mesmo tempo que demonstra a excelente forma pulmonar.
Uma vez, um amigo e sua então namorada vieram fazer uma visita. Domingão. No terraço do prédio da frente, que imagino seja a área social, rolava um churrasco básico. De repente, do burburinho das conversas e das ébrias risadas usuais, irrompe um "vou te matar, filha da puta" e a típica sonoplastia da cizânia que normalmente segue tal declaração. Aí ouço uma mulher gritando, histericamente, pra alguém chamar a polícia. Em alguns minutos o terraço fica silencioso e não sei se alguém possuído por completo por um frenesi assassino acabou matando todo mundo capaz de emitir ruídos, ou se a galera começou a se digladiar em outro lugar, mais reservado. Claro que enquanto isso, do nosso lado da rua, havíamos parado de conversar e passamos a apreciar a rusga, com aquela curiosidade macabra que Deus concebeu a todos os primatas deste planeta.
Isso porque meu bairro é considerado de "alto nível". Tem associação de bairro, jornalzinho local, manicure canina, empório, e frutarias orgânico-maníacas caríssimas.
Mas esses vizinhos aqui do lado são diferentes. São também judeus ortodoxos. Não digo isso depreciativamente, como um comentário anti-semita. Pelo contrário, imaginava que aquela galera que vejo toda semana saindo de terninho e de vestido chique da sinagoga, como se todo domingo rolasse um casamento por lá (tem duas sinagogas grandes aqui no bairro) fosse mais civilizado (mas aqui estou em terreno perigoso; não importa o quanto eu profira tolerância, quando o assunto entra por essas bandas identitárias, alguém sempre vai levar pelo lado errado. Como gente muito mais inteligente do que eu já percebeu, nada pior do que o complexo de culpa liberal que tenta balbuciar desculpas pelas injustiças cometidas. Mas, claro, o melhor mesmo é ter cuidado).
Umas semanas atrás eles ergueram uma barraca no jardim (do lado da minha janela). Tipo uma daquelas cabanas de poder que alguns grupos xamanísticos gostam de montar para os rituais de auto-conhecimento. Tinha uma mesinha, um monte de badulaque pendurado (pra mim parecia vudu) e uns canapés - kosher, imagino. A família convidava seus amigos israelitas e ficavam cantando musiquinhas religiosas a plenos pulmões - às 10 horas da noite! O equilavente hebreu das rodinhas de praia, em que algum chato pega o violão e começa a tocar músicas do Legião.
Mas seja lá qual for a data especial (que durou algumas semanas) que suscitou a cantoria no jardim, agora passou, e a oca foi desmontada. Agora, não sei se na verdade sinto saudades dessa época, já que enquanto eles cantavam, pelo menos não se matavam como personagens de um filme do Spike Lee.
This is Halloween
Acho interessante observar algumas diferenças culturais, que não são tão diferentes assim - como datas comemorativas, por exemplo. Explico melhor: temos Natal no Brasil, sabemos o que é Halloween. Mas comemoramos e compreendemos essas datas de outra maneira. São estruturas análogas, mas simbólica e processualmente muito distintas. Inteligíveis, mas historicamente separadas. Mesmo quando são imitadas aparentemente fielmente, o ritual sempre muda.
Quando estudava inglês no In Touch, na era mesozóica, existiam várias atividades culturais extra-classe: teatro, festas, excursões. E no Halloween, como toda escola de inglês que se preze, mergulhávamos na preparação da decoração, as aulas eram em torno do tema, tínhamos festas à fantasia temáticas, por aí vai. E saíamos de monstros e vampiros, pedindo doces pelas casas. Os moradores das redondezas já estavam acostumados, então já não eram pegos de calças arriadas, e sempre tinham um estoque de doces nessa época do ano.
Agora, não quero nem ouvir falar de imperialismo americano e dizer que é uma data que não tem significado no Brasil. Não me venham com uma de Suassuna, porque daí vai ser complicado achar alguém que siga costumes estritamente tupinambá, anauê ou o que seja. O fato é que era divertido, ainda mais porque eu sempre tive uma queda pelo que é gótico, pelo horror, pelo fantástico.
Mas é certo também que Halloween não é de fato muito relevante no Brasil. Pelo menos não tem a mesma importância que tem nos EUA.
Estando em um país anglo-saxão, agora eu vejo como alguns feriados têm mesmo um sabor novo. E a noite das bruxas deixa isso muito explícito. Nos supermercados, nas bancas de frutas da rua, nas delicatessen, você encontra enormes abóboras para se transformarem em Jack-O-Lantern. As lojas vendem máscaras, presas postiças e capas pretas. O comércio se maquia de branco, negro e vermelho, e teias de aranha são penduradas nas vitrines.
Eu acho demais. Quando eu ver como é o Natal eu volto pra contar mais diferenças...
PS - A foto é de autoria de Dan Haskell, que deixou links nos comentários deste post. Sorry about that Dan, but here it is! Cheers!
sábado, outubro 20, 2007
Minhas paranóias
Já parou para pensar sobre aqueles "papagaios de pirata" que saem ao fundo, na sua foto? Alguns se dissolvem na paisagem, mas alguns você acaba reparando. Porque são bonitos, porque estão com uma roupa chamativa, porque estão em foco, na mesa de trás, junto ao monumento sempre lotado... Você nunca mais vai ver essa pessoa. Talvez até passe do lado de alguém que viu, que conheceu, ou que viu ou conheceu alguém que viu ou conheçou (pensando sobre os 6 graus). Mas nunca vai ficar sabendo. As robinsonadas de que falava Marx são mais fortes. Você não é exatamente uma ilha, mas sua vida como você a concebe muitas vezes é. O reconhecimento que algo mais além da mera presença neste planeta e da posse de um polegar opositor liga você a um desconhecido, nem que seja um simples vislumbre, na rua, não é uma opção.
E mais: a chance de você estar inadvertidamente no álbum de fotos de alguém é muito grande. Afinal, todo mundo hoje em dia tem uma câmera digital que leva na viagem ou na festa de aniversário no boteco, ou tem um celular que tira foto, etc. A idéia de que eu permaneço anônimo e congelado, nas lembranças e alegrias de outras pessoas, é assustadora. Só de fotos de viagem para Londres, devo ser residente de dezenas de pastas de imagens; todas, como um fantasma que assombra a famosa faixa de pedestres, atravessando a Abbey Road.
E mais: a chance de você estar inadvertidamente no álbum de fotos de alguém é muito grande. Afinal, todo mundo hoje em dia tem uma câmera digital que leva na viagem ou na festa de aniversário no boteco, ou tem um celular que tira foto, etc. A idéia de que eu permaneço anônimo e congelado, nas lembranças e alegrias de outras pessoas, é assustadora. Só de fotos de viagem para Londres, devo ser residente de dezenas de pastas de imagens; todas, como um fantasma que assombra a famosa faixa de pedestres, atravessando a Abbey Road.
quinta-feira, outubro 18, 2007
"Intelectualmente desfavorecidos?"
Junto com o miguxês e o gerundismo-telemarketeiro, uma das piores pragas do meio comunicativo moderno é o politicamente-corretês.
Mas o politicamente correto está se transformando. Se refinando, diria. A arte de pisar em ovos e não ferir (demais) os sentimentos alheios se desenvolve paralelamente com as crescentes políticas diferenciais voltadas para... bem, para as diferenças (etnia, preferência sexual, credo, aparência, time de futebol...) (o efeito, na prática, é geralmente o oposto, claro: vide imigração, xenofobia, etc).
Se você gosta de jiló vai acabar conseguindo provar que é uma minoria perseguida no meio gastronômico, e tem o direito de comer jiló em paz junto com seus colegas comedores de jiló (e se bobear, conseguir reparações materiais dos comedores de quiabo).
Cada um na sua guilda ou no seu feudo encantados e ai de quem trespassar!
Esse politicamente correto do novo milênio está, de certa forma, se cristalizando na fala e pensamento das pessoas - o que, convenhamos, é um pé no saco. Mas enfim, tem lá seu mérito... o mundo não está mais justo e tolerante, mas pelo menos está mais... polido, ponhamos assim (e talvez mais hipócrita também).
Veja alguns exemplos das expressões e eufemismos que estão se tornando correntes no mundo profissional e que foram compilados por um maluco aqui. Variam do puramente engraçado ao estupidamente cruel:
- Generously proportioned (gordo)
- Wardrobe malfunction (brega)
- Memory failure (mentindo)
- Negative investment return (prejuízo)
Para demitir, essa coisa chatíssima para quem tem que por ventura fazer com algum funcionário (mais chato ainda para esse último), existem vários exemplos. Os membros da equipe que ficaram com o palitinho menor podem ser: "thinned out", "redeployed", "restructured", ou serem passíveis de "headcount management", "personnel ceiling reductions", ou ainda serem aconselhados a "further their career" ou "cut the pigtail". Não é uma graça? O segredo consiste em ferrar com alguém e se sair bem na fita, como se tivesse feito um favor em iluminar o caminho do infeliz.
Você se fodeu de verde e amarelo, mas sai do escritório achando que seu chefe é uma boa pessoa, um cara sensível e decente.
Daqui a pouco chegaremos a um tal nível de refinamento que você vai poder chamar a mãe do outro de biscate e sair ileso. Algo como "sua progenitora é sexualmente caridosa". É. Algo por aí.
Mas o politicamente correto está se transformando. Se refinando, diria. A arte de pisar em ovos e não ferir (demais) os sentimentos alheios se desenvolve paralelamente com as crescentes políticas diferenciais voltadas para... bem, para as diferenças (etnia, preferência sexual, credo, aparência, time de futebol...) (o efeito, na prática, é geralmente o oposto, claro: vide imigração, xenofobia, etc).
Se você gosta de jiló vai acabar conseguindo provar que é uma minoria perseguida no meio gastronômico, e tem o direito de comer jiló em paz junto com seus colegas comedores de jiló (e se bobear, conseguir reparações materiais dos comedores de quiabo).
Cada um na sua guilda ou no seu feudo encantados e ai de quem trespassar!
Esse politicamente correto do novo milênio está, de certa forma, se cristalizando na fala e pensamento das pessoas - o que, convenhamos, é um pé no saco. Mas enfim, tem lá seu mérito... o mundo não está mais justo e tolerante, mas pelo menos está mais... polido, ponhamos assim (e talvez mais hipócrita também).
Veja alguns exemplos das expressões e eufemismos que estão se tornando correntes no mundo profissional e que foram compilados por um maluco aqui. Variam do puramente engraçado ao estupidamente cruel:
- Generously proportioned (gordo)
- Wardrobe malfunction (brega)
- Memory failure (mentindo)
- Negative investment return (prejuízo)
Para demitir, essa coisa chatíssima para quem tem que por ventura fazer com algum funcionário (mais chato ainda para esse último), existem vários exemplos. Os membros da equipe que ficaram com o palitinho menor podem ser: "thinned out", "redeployed", "restructured", ou serem passíveis de "headcount management", "personnel ceiling reductions", ou ainda serem aconselhados a "further their career" ou "cut the pigtail". Não é uma graça? O segredo consiste em ferrar com alguém e se sair bem na fita, como se tivesse feito um favor em iluminar o caminho do infeliz.
Você se fodeu de verde e amarelo, mas sai do escritório achando que seu chefe é uma boa pessoa, um cara sensível e decente.
Daqui a pouco chegaremos a um tal nível de refinamento que você vai poder chamar a mãe do outro de biscate e sair ileso. Algo como "sua progenitora é sexualmente caridosa". É. Algo por aí.
terça-feira, outubro 16, 2007
Abulafia
Ultimamente estou ratinho de biblioteca. Não que isso seja algo difícil, ou mesmo ruim, na verdade, dada a natureza das bibliotecas aqui... na já referida do meu bairro, eu encontro até mesmo um Giddens... bem, isso não é tão surpreendente assim, ainda mais aqui na Inglaterra. Mas engraçado que tem um monte de livro do Castells também. mmm, vou até pesquisar melhor o perfil "ciências sociais" das bibliotecas públicas (são literalmente centenas).
Bem, mas as jóias da coroa são evidentemente a British Library e a Senate House. A British Library recebe uma cópia de todo livro impresso no Reino Unido. É lei. É claro que eles têm muita coisa de outros países, além de periódicos, imagens, vídeos, mapas, manuscritos... mas acho que já falei dela, não?
Enfim, é linda, mas não muito prática para minha tática de estudo, que consiste em percorrer as estantes, fuçar os livros em volta daquele que iniciou a pesquisa, ter contato direto com eles. Na BL você acha a referência no computador e faz o pedido. Um funcionário então traz o dito cujo na sua mesa. Um drive thru intelectual, por assim dizer. Meio esterilizado. Provavelmente você encontrará o que está procurando, mas é difícil topar com alguma boa surpresa, ao acaso. No esquema graus de separação transladado à pesquisa bibliográfica, digo.
Mas a Senate House, a biblioteca da Universidade de Londres (que é o colegiado de várias universidades) é diferente. O prédio pra começo de conversa, mais antigo, em forma de lança, parece uma versão menor do Empire State Bulding no coração de Bloomsbury, o bairro intelectual daqui. Vários andares, corredores, alas, sessões, escadas, rampas e elevadores pré-históricos, dos mais variados tamanhos (o que sobe para o sexto andar, o de antropologia, sai da sessão de periódicos do quarto andar e não permite mais que duas pessoas, apertadas), com milhões de livros e revistas adornando as paredes à sua volta. Não tem tantos exempares como na BL, mas ainda sim é a maior biblioteca de Ciências Sociais do Reino Unido!
E cada raridade que se acha... Pimba, pego um livro de 1900 e bolinha e vejo que ninguém o retirou por décadas (bem, isso acontece no ifch também). Acho isso tão legal. Eu resgatei o coitado daquela estante, onde repousou imóvel por anos, quando alguém, que provavelmente não é nem mais um estudante e, quiçá, nem está mais entre nós, e que se interessou pelo mesmo assunto, o usou pela última vez. E eu sei que ninguém vai rasgar o coitado, roubá-lo ou sublinhá-lo, então é bem provável que eu acabe sendo uma pequena parte de sua longa história.
E é divertido que você começa a pegar a lógica e conhecer o lugar apenas depois de ter ido lá umas 10 vezes. Porque fica tudo espalhado. Eu me sinto William (ou Sean Connery) no Nome da Rosa, percorrendo a biblioteca da abadia, bestificado com a enormidade da experiência.
E a sensação de que uma lógica hermenêutica perpassa a biblioteca e seu modo de funcionamento é real e paupável. Como se fosse necessária uma chave cabalística para decifrar o lugar. Ou, fazendo referência a outro maravilhoso livro do Eco, um Abulafia para destrancar os mistérios e as maravilhas do conhecimento, que estão ali esperando quem realmente quiser procurar.
Bem, mas as jóias da coroa são evidentemente a British Library e a Senate House. A British Library recebe uma cópia de todo livro impresso no Reino Unido. É lei. É claro que eles têm muita coisa de outros países, além de periódicos, imagens, vídeos, mapas, manuscritos... mas acho que já falei dela, não?
Enfim, é linda, mas não muito prática para minha tática de estudo, que consiste em percorrer as estantes, fuçar os livros em volta daquele que iniciou a pesquisa, ter contato direto com eles. Na BL você acha a referência no computador e faz o pedido. Um funcionário então traz o dito cujo na sua mesa. Um drive thru intelectual, por assim dizer. Meio esterilizado. Provavelmente você encontrará o que está procurando, mas é difícil topar com alguma boa surpresa, ao acaso. No esquema graus de separação transladado à pesquisa bibliográfica, digo.
Mas a Senate House, a biblioteca da Universidade de Londres (que é o colegiado de várias universidades) é diferente. O prédio pra começo de conversa, mais antigo, em forma de lança, parece uma versão menor do Empire State Bulding no coração de Bloomsbury, o bairro intelectual daqui. Vários andares, corredores, alas, sessões, escadas, rampas e elevadores pré-históricos, dos mais variados tamanhos (o que sobe para o sexto andar, o de antropologia, sai da sessão de periódicos do quarto andar e não permite mais que duas pessoas, apertadas), com milhões de livros e revistas adornando as paredes à sua volta. Não tem tantos exempares como na BL, mas ainda sim é a maior biblioteca de Ciências Sociais do Reino Unido!
E cada raridade que se acha... Pimba, pego um livro de 1900 e bolinha e vejo que ninguém o retirou por décadas (bem, isso acontece no ifch também). Acho isso tão legal. Eu resgatei o coitado daquela estante, onde repousou imóvel por anos, quando alguém, que provavelmente não é nem mais um estudante e, quiçá, nem está mais entre nós, e que se interessou pelo mesmo assunto, o usou pela última vez. E eu sei que ninguém vai rasgar o coitado, roubá-lo ou sublinhá-lo, então é bem provável que eu acabe sendo uma pequena parte de sua longa história.
E é divertido que você começa a pegar a lógica e conhecer o lugar apenas depois de ter ido lá umas 10 vezes. Porque fica tudo espalhado. Eu me sinto William (ou Sean Connery) no Nome da Rosa, percorrendo a biblioteca da abadia, bestificado com a enormidade da experiência.
E a sensação de que uma lógica hermenêutica perpassa a biblioteca e seu modo de funcionamento é real e paupável. Como se fosse necessária uma chave cabalística para decifrar o lugar. Ou, fazendo referência a outro maravilhoso livro do Eco, um Abulafia para destrancar os mistérios e as maravilhas do conhecimento, que estão ali esperando quem realmente quiser procurar.
segunda-feira, outubro 15, 2007
Egotrip
Trocando e-mails com uma querida amiga, resolvi escrever algo sobre essa minha experiência em Londres. Falávamos de solidão, a vida numa cidade nova e a necessidade de descobrir até que ponto gostamos de nós mesmos.
Digo, apesar das visitas que tive e das amigas que tenho aqui, passo a maior parte do tempo sozinho. Dias se passam sem que eu fale com viva alma às vezes. E quando falo é em inglês... Não tenho tv, nem mais a precária internet de antes. Telefone idem (ok, tenho um celular, mas aí não é mais algo da casa; celular está virando um apêndice humano; é tão absurdo sair sem ele como seria sair descalço). As distrações de casa são livros, meu laptop e a cozinha (e não é que aprendi a fazer algumas coisas mais elaboradas que omelete?!).
Nesse ambiente espartano inevitavelmente tenho muito tempo para prestar atenção em mim mesmo, de uma maneira que, arrisco a comparação, carinha que sai andando semanas até Santiago também deve ter. Bem, a capital britânica não deve proporcionar o mesmo tipo de iluminação transcendental que as paragens bascas, e não tive nenhum tipo de epifania ou recebi um chamado. Mas descobri que eu posso me aguentar por um longo tempo. E foi bom saber disso.
Claro, tudo aqui é temporário, sei bem disso. Estou chegando no ponto de saturação, e se não soubesse que logo vou voltar, provavelmente pediria pra passar a régua e cruzaria o oceano novamente. Gostar muito de mim mesmo não basta, logicamente. Essa é a conclusão a que cheguei.
Londres tem seus medos e ameaças, diferentes dos encontrados na terrinha. E nem sei se são mesmo comparáveis, como é inevitável acabar fazendo, ao contar as experiências vividas (alguém poderia argumentar, com certeza com razão, que estatisticamente um lugar é mais seguro que outro, mas não é bem disso que estou falando).
Os loucos, esse medo meio esquisito de ser explodido durante sua viagem pelo transporte público (sacolas e bolsas largadas assumem outra perspectiva), as histórias dos psicopatas que empurram gente no metrô, os que pulam no metrô. Os esmagados no trânsito (geralmente turistas que esquecem da mão inversa). Os vigaristas. Os que são esfaqueados (e, tremei, os londrinos começam a descobrir o que é o medo de arma de fogo). O fato de não saber os sinais, não ajuda, claro. Mas quando você começa a compreender a diferente semântica cotidiana, sua grandiosidade, o absurdo imanente que afinal de contas a define como uma ameaça, este verdadeiro significado de perigo começa a trabalhar em um nível diferente de medo.
Antes que alguém me dedure para a embratur inglesa, me apresso em dizer: me sinto muito mais seguro aqui, sem dúvida. Andar sozinho na rua às 2 da manhã não é uma aventura...
Estou lendo um livro que a Dani encomendou para a pesquisa dela, o já famoso "Muscle" de Sam Fussell. Camille Paglia (essa pessoa, digamos, controversa) tem razão, na orelha do livro: ele parece um relato atual de Alice. Mas, completo, possui também uma pitada de Hunter Thompson e muita, mas muita ironia, humor e graça. Graça que, entretanto, apenas expõe e amplifica o fato de que tudo o que Fussell fala é extremamente assustador. Quem é você senão uma construção esquizóide em face de como você encara as coisas ao seu redor? E, claro, o medo do mundo tem sua parcela de contribuição em como você se faz ser visto pelo outros. A tal ponto que não é risível perguntar se este, mutatis mutandis, não se trata de você mesmo.
Apenas, acho, algumas pessoas se rendem mais absolutamente a maneiras extremas de se proteger.
Enfim, começo a divagar, pra variar. Termino com um lindo e, de certa forma, encorajador verso de Robert Frost que, não tenho dúvidas, teve sua parcela de experiências por vezes assustadoras para descrever esses sentimentos:
The woods are lovely, dark and deep.
But I have promises to keep.
And miles to go before I sleep...
And miles to go before I sleep.
Digo, apesar das visitas que tive e das amigas que tenho aqui, passo a maior parte do tempo sozinho. Dias se passam sem que eu fale com viva alma às vezes. E quando falo é em inglês... Não tenho tv, nem mais a precária internet de antes. Telefone idem (ok, tenho um celular, mas aí não é mais algo da casa; celular está virando um apêndice humano; é tão absurdo sair sem ele como seria sair descalço). As distrações de casa são livros, meu laptop e a cozinha (e não é que aprendi a fazer algumas coisas mais elaboradas que omelete?!).
Nesse ambiente espartano inevitavelmente tenho muito tempo para prestar atenção em mim mesmo, de uma maneira que, arrisco a comparação, carinha que sai andando semanas até Santiago também deve ter. Bem, a capital britânica não deve proporcionar o mesmo tipo de iluminação transcendental que as paragens bascas, e não tive nenhum tipo de epifania ou recebi um chamado. Mas descobri que eu posso me aguentar por um longo tempo. E foi bom saber disso.
Claro, tudo aqui é temporário, sei bem disso. Estou chegando no ponto de saturação, e se não soubesse que logo vou voltar, provavelmente pediria pra passar a régua e cruzaria o oceano novamente. Gostar muito de mim mesmo não basta, logicamente. Essa é a conclusão a que cheguei.
Londres tem seus medos e ameaças, diferentes dos encontrados na terrinha. E nem sei se são mesmo comparáveis, como é inevitável acabar fazendo, ao contar as experiências vividas (alguém poderia argumentar, com certeza com razão, que estatisticamente um lugar é mais seguro que outro, mas não é bem disso que estou falando).
Os loucos, esse medo meio esquisito de ser explodido durante sua viagem pelo transporte público (sacolas e bolsas largadas assumem outra perspectiva), as histórias dos psicopatas que empurram gente no metrô, os que pulam no metrô. Os esmagados no trânsito (geralmente turistas que esquecem da mão inversa). Os vigaristas. Os que são esfaqueados (e, tremei, os londrinos começam a descobrir o que é o medo de arma de fogo). O fato de não saber os sinais, não ajuda, claro. Mas quando você começa a compreender a diferente semântica cotidiana, sua grandiosidade, o absurdo imanente que afinal de contas a define como uma ameaça, este verdadeiro significado de perigo começa a trabalhar em um nível diferente de medo.
Antes que alguém me dedure para a embratur inglesa, me apresso em dizer: me sinto muito mais seguro aqui, sem dúvida. Andar sozinho na rua às 2 da manhã não é uma aventura...
Estou lendo um livro que a Dani encomendou para a pesquisa dela, o já famoso "Muscle" de Sam Fussell. Camille Paglia (essa pessoa, digamos, controversa) tem razão, na orelha do livro: ele parece um relato atual de Alice. Mas, completo, possui também uma pitada de Hunter Thompson e muita, mas muita ironia, humor e graça. Graça que, entretanto, apenas expõe e amplifica o fato de que tudo o que Fussell fala é extremamente assustador. Quem é você senão uma construção esquizóide em face de como você encara as coisas ao seu redor? E, claro, o medo do mundo tem sua parcela de contribuição em como você se faz ser visto pelo outros. A tal ponto que não é risível perguntar se este, mutatis mutandis, não se trata de você mesmo.
Apenas, acho, algumas pessoas se rendem mais absolutamente a maneiras extremas de se proteger.
Enfim, começo a divagar, pra variar. Termino com um lindo e, de certa forma, encorajador verso de Robert Frost que, não tenho dúvidas, teve sua parcela de experiências por vezes assustadoras para descrever esses sentimentos:
The woods are lovely, dark and deep.
But I have promises to keep.
And miles to go before I sleep...
And miles to go before I sleep.
domingo, outubro 14, 2007
Esse final de semana
Esse final de semana tive um programa diferente, mas ao mesmo tempo muito familiar. Fui num bar brasileiro, com a Si, o Chris e a Carol, beber brahma e ouvir DJ Paulão discotecando! Antes de vir para cá parece que era só o que fazia - ouvir black music do DJ Paulão ou seus discípulos nas baladas. Mas eu gosto da ironia de vir para Londres e... ouvir DJ Paulão!
E dessa vez foi diferente. A brasilidade no exterior é diferente. Extremamente mais caricaturizada, mas com um outro apelo. Não sei se é a saudade de casa, uma válvula de escape para toda a estranheza de uma vida num país que não é o seu... e nem é toda hora. Aliás, pra falar a verdade, eu fujo de tudo o que é brasileiro aqui...
De qualquer maneira, adoro dançar (não que eu saiba, mas não precisamos entrar nesse mérito), e gostei muito da noite, bem como do lugar (Guanabara, lá em Holborn, lugar composto metade por brazucas e metade por gringos empolgados que são, por sinal, os mais engraçados que existem). Até relevei o fato de estar pagando 14 reais por cada long neck de brahma (!?) que tomava (e foram muitas). Bem como o fato de que o repertório é decidamente mais comercial que o normal (mas é o que os gringos e os brasileiros migrantes querem ouvir: o samba mais manjado e reconhecível possível) - claro que o Paulão sabia disso.
Fiquei tão passado que quase não consigo ir no Undertones no dia seguinte! Digo quase, porque no final decidi que ia me arrastando mesmo, mas não ia perder o show, que foi muito bom! O resultado é que peguei uma gripe e tenho que apertar o cinto até a próxima bolsa, mas acho que valeu a pena.
Outro efeito colateral foram sonhos esquisitíssimos. Exemplo de um:
Me vejo na tv, de esquis, câmera estilo enduro de corrida, deslizando pra cá e pra lá no gelo, seguindo um pinguim, que é entrevisto por breves momentos, escorregando adiante. Ele me leva até uma competição de off-road - de fiat unos. Eu e um amigo entramos na competição e somos melhores do que imaginávamos. Eu completei o percurso em 1 minuto e 15 segundos, ele um segundo mais rápido. Mudo de canal e finalmente posso ver de onde estou assistindo. É minha casa, e estou assistindo tv com minha prima Ju. Ela come uma pizza e eu um big mac requentado. Na tela agora é a nova novela das oito: descubro que uma personagem, a da Malu Mader, é uma ricaça que é culpada de fraude fiscal nos EUA e foge pro Brasil, mas não conta nada disso pra família, que acha que ela veio de férias. Outro personagem na novela é o Gianfrancesco Guarnieri, que faz um homem que está fugindo de algo. O caseiro do lugar onde ele está escondido, chamado Sebastião, protagonizado por um desses atores clichês (no caso, porteiro, caseiro, motorista), sabe que o cara tem algo a esconder e suborna o coitado do Guarnieri por 400 libras. Ele diz "eu sei que você deve no cartório. Mas pode deixar que o tio Sebastião vai proteger seu segredo direitinho" e dá uma risadinha irônica, ao que o outro replica, ao perceber que estaria constantemente à mercê do safado se não tomasse uma providência "na verdade, eu já tenho um amigo para me proteger", a típica fala de um filme do Jerry Bruckheimer. O sorriso de Sebastião desaparece, substituído por uma expressão de quem não entendeu. E então seu rosto congela, ao perceber que Guarnieri tira um .38 da cintura. Aponta e atira. Eu viro para minha prima e digo "essa novela nova é malvada, mas ainda sim barata".
Vai entender a mente convalescente...
E dessa vez foi diferente. A brasilidade no exterior é diferente. Extremamente mais caricaturizada, mas com um outro apelo. Não sei se é a saudade de casa, uma válvula de escape para toda a estranheza de uma vida num país que não é o seu... e nem é toda hora. Aliás, pra falar a verdade, eu fujo de tudo o que é brasileiro aqui...
De qualquer maneira, adoro dançar (não que eu saiba, mas não precisamos entrar nesse mérito), e gostei muito da noite, bem como do lugar (Guanabara, lá em Holborn, lugar composto metade por brazucas e metade por gringos empolgados que são, por sinal, os mais engraçados que existem). Até relevei o fato de estar pagando 14 reais por cada long neck de brahma (!?) que tomava (e foram muitas). Bem como o fato de que o repertório é decidamente mais comercial que o normal (mas é o que os gringos e os brasileiros migrantes querem ouvir: o samba mais manjado e reconhecível possível) - claro que o Paulão sabia disso.
Fiquei tão passado que quase não consigo ir no Undertones no dia seguinte! Digo quase, porque no final decidi que ia me arrastando mesmo, mas não ia perder o show, que foi muito bom! O resultado é que peguei uma gripe e tenho que apertar o cinto até a próxima bolsa, mas acho que valeu a pena.
Outro efeito colateral foram sonhos esquisitíssimos. Exemplo de um:
Me vejo na tv, de esquis, câmera estilo enduro de corrida, deslizando pra cá e pra lá no gelo, seguindo um pinguim, que é entrevisto por breves momentos, escorregando adiante. Ele me leva até uma competição de off-road - de fiat unos. Eu e um amigo entramos na competição e somos melhores do que imaginávamos. Eu completei o percurso em 1 minuto e 15 segundos, ele um segundo mais rápido. Mudo de canal e finalmente posso ver de onde estou assistindo. É minha casa, e estou assistindo tv com minha prima Ju. Ela come uma pizza e eu um big mac requentado. Na tela agora é a nova novela das oito: descubro que uma personagem, a da Malu Mader, é uma ricaça que é culpada de fraude fiscal nos EUA e foge pro Brasil, mas não conta nada disso pra família, que acha que ela veio de férias. Outro personagem na novela é o Gianfrancesco Guarnieri, que faz um homem que está fugindo de algo. O caseiro do lugar onde ele está escondido, chamado Sebastião, protagonizado por um desses atores clichês (no caso, porteiro, caseiro, motorista), sabe que o cara tem algo a esconder e suborna o coitado do Guarnieri por 400 libras. Ele diz "eu sei que você deve no cartório. Mas pode deixar que o tio Sebastião vai proteger seu segredo direitinho" e dá uma risadinha irônica, ao que o outro replica, ao perceber que estaria constantemente à mercê do safado se não tomasse uma providência "na verdade, eu já tenho um amigo para me proteger", a típica fala de um filme do Jerry Bruckheimer. O sorriso de Sebastião desaparece, substituído por uma expressão de quem não entendeu. E então seu rosto congela, ao perceber que Guarnieri tira um .38 da cintura. Aponta e atira. Eu viro para minha prima e digo "essa novela nova é malvada, mas ainda sim barata".
Vai entender a mente convalescente...
domingo, outubro 07, 2007
Natalidades
Ontem fui numa festinha de aniversario, da linda e sorridente Letícia, que fez seu primeiro aninho de vida aqui na terra da rainha. Brigadeiro, pão de queijo, beijinho e cachorro quente! Como adoro festa de criança...
Aliás, ultimamente parece que só tenho comprado presente pra crianca, indo pra festa de criança... todo mundo está tendo filho! Por um lado isso é meio assustador... quem vai sobrar pra ir pro boteco comigo em breve?!
Aliás, ultimamente parece que só tenho comprado presente pra crianca, indo pra festa de criança... todo mundo está tendo filho! Por um lado isso é meio assustador... quem vai sobrar pra ir pro boteco comigo em breve?!
terça-feira, outubro 02, 2007
Redencao, ou como todas as cagadas sao perdoadas no tiroteio final
Ok amigos, estão com o chocolate quente em mãos e a coberta ao redor dos ombros? Estão preparados para ouvir uma história verdadeiramente assustadora? A história, esta que está para ser narrada, é, entre outras coisas, sobre um assassino arrependido em busca de uma figura paterna. Mas antes do dobrar dos sinos, por assim dizer; antes do desfecho desta saga repleta de falso glamour e segredos assombrosos, saberemos algo sobre alguns dos mais conhecidos artistas cujas alcunhas adornam as estrelas nas calçadas hollywoodianas, um ensandecido-mas-de-bom-coração escritor de screenplay, bem como sobre um complô internacional de proporções gigantescas e outras besteiras.
Encontramos nosso primeiro protagonista reclinado sobre uma perna num ângulo improvável. Sua perna. Completamente inconsciente, quebrada, inútil. Se aproximarmos, zoom!, close up!, e dissiparmos um pouco da escuridão que, de outra maneira deixa os detalhes completamente invisíveis, é possível perceber que ele está ensopado. Um líquido viscoso. Como ouvimos um arfar resignado, aliviado, mas alto o suficiente para perceber dor, somamos um mais um e, voilá, está sangrando. Muito. Estará morrendo?
Se pudéssemos nos valer do olfato agora, saberíamos que além do cheiro de mofo que impregna o recinto escuro, tiros foram disparados. Aquele fedor de pólvora que se dissipará em breve, deixando apenas o cheiro de medo. E morte. Mas como vocês não podem sentir estes odores, terão que confiar em mim neste ponto. Mas sou um narrador honesto. Tanto quanto narradores podem ser, de qualquer maneira.
O zoom agora é o suficiente para discernirmos alguns traços. O cabelo empastado no rosto, o terno elegante-ainda-que-arruinado, o sorriso. Nosso protagonista sorri, apesar do óbvio tormento. E então uma voz sai do negrume de um canto insuspeito, alguns metros à esquerda. Não está só. Ele volta seu rosto para a direção da voz, ainda fraca e indistinta para entendermos algo.
- Maldito complexo de Cluster de vocês americanos. De onde vem essa idéia de morrer... como vocês dizem... "in a blaze of glory"? Esse derradeiro sacrifício grandioso que vocês anseiam para o apagar das luzes? Há algo de realmente nobre em ir dessa maneira? Todos os pecados são perdoados no tiroteio final?
- Que merda você falando? Responde a voz, finalmente forte o suficiente para se fazer ouvida. Uma tosse atormentada.
- Estou falando de Butch Cassidy e Sundance Kid. De Dirty Dozen. Da porra do Young Guns. De Magnificent Seven. Bem... esse aí vem do Kurosawa... mas você sabe do que estou falando, mate.
- Você poderia estar falando de você, não é chapa? O que você acha que acabou de acontecer por aqui além de uma cena saída de um filme do John Woo?
- Sim, mas não tínhamos alternativa. E não acho tudo isso poético, ou mesmo grandioso... Ainda que ache tudo estranhamente engraçado agora que aconteceu...
Risos entrecortados com uma tosse excruciante.
- Para sua informação, nunca gostei desses filmes.
- Ah, blasfêmia.
- Vai se foder. É verdade.
Silêncio de alguns segundos. Insuportáveis.
- O que você está pensando? Não acredita que exista um americano que escape dessa sua grande teoria sociológica?
- Não, estava pensando no meu tio, Alzheimer.
- Seu tio tem Alzheimer?
- Ele se chamava Alzheimer.
- Como a doença?
- Ele era filho do homem que diagnosticou a síndrome.
- Como as doenças têm nome de pessoas, afinal de contas?
- Ei, pode não ser tão glamouroso como batizar cometas ou alguma porcaria de fórmula, mas se você trabalhou duro para descobrir algo científico, não gostaria de entrar para a história, mesmo que seu nome seja odiado e temido toda vez que fosse pronunciado?
- Não sei. Acho que não. A idéia não me agrada nem um pouco. E não é que vão lembrar de mim, de qualquer maneira. Apenas uma palavra, um nome descarnado. Lou-Gehrig. Parkinson. Cushing. Você sabe algo sobre esses tipos?
- Não. Você tem um ponto aí. Mas eu também não gostaria de ser lembrado assim. Apenas lembrei de meu tio agora.
- O que ele te disse afinal?
- Quando eu era apenas uma criança ele já era muito velho. Morava perto da minha escola, então eu costumava ir para lá depois da aula e lhe fazer companhia até minha mãe vir me buscar. Normalmente ele ficava ali, apenas olhando pela janela, sem dizer muita coisa, e eu me acostumei a brincar sozinho na sua sala. Um dia, me lembro como se fosse ontem, estava imaginando uma aventura de índios e cowboys quando ele saiu do seu transe usual, olhou para mim e fez um sinal para que me aproximasse. Esperou até que eu estivesse muito perto e sussurrou "nunca confie num escritor de screenplay".
- O que ele quis dizer com isso?
- Não sei. Ele tinha Alzheimer. Ele não falava nada com nada.
- Vai se foder. Você está zoando comigo.
- Ei, história verdadeira. Mas fico pensando se ele não tinha razão. Veja onde nós paramos. Tudo por culpa daquele filha da puta.
A segunda voz pareceu concordar com um suspiro e novamente fizeram silêncio solene, antes da escuridão aumentar. Inexorável.
Fade out.
Mas agora já nos aproximamos do final de nossa história. Deixe-me voltar alguns dias, longe da ensolarada Los Angeles, para a úmida e fria Londres...
continua...
Encontramos nosso primeiro protagonista reclinado sobre uma perna num ângulo improvável. Sua perna. Completamente inconsciente, quebrada, inútil. Se aproximarmos, zoom!, close up!, e dissiparmos um pouco da escuridão que, de outra maneira deixa os detalhes completamente invisíveis, é possível perceber que ele está ensopado. Um líquido viscoso. Como ouvimos um arfar resignado, aliviado, mas alto o suficiente para perceber dor, somamos um mais um e, voilá, está sangrando. Muito. Estará morrendo?
Se pudéssemos nos valer do olfato agora, saberíamos que além do cheiro de mofo que impregna o recinto escuro, tiros foram disparados. Aquele fedor de pólvora que se dissipará em breve, deixando apenas o cheiro de medo. E morte. Mas como vocês não podem sentir estes odores, terão que confiar em mim neste ponto. Mas sou um narrador honesto. Tanto quanto narradores podem ser, de qualquer maneira.
O zoom agora é o suficiente para discernirmos alguns traços. O cabelo empastado no rosto, o terno elegante-ainda-que-arruinado, o sorriso. Nosso protagonista sorri, apesar do óbvio tormento. E então uma voz sai do negrume de um canto insuspeito, alguns metros à esquerda. Não está só. Ele volta seu rosto para a direção da voz, ainda fraca e indistinta para entendermos algo.
- Maldito complexo de Cluster de vocês americanos. De onde vem essa idéia de morrer... como vocês dizem... "in a blaze of glory"? Esse derradeiro sacrifício grandioso que vocês anseiam para o apagar das luzes? Há algo de realmente nobre em ir dessa maneira? Todos os pecados são perdoados no tiroteio final?
- Que merda você falando? Responde a voz, finalmente forte o suficiente para se fazer ouvida. Uma tosse atormentada.
- Estou falando de Butch Cassidy e Sundance Kid. De Dirty Dozen. Da porra do Young Guns. De Magnificent Seven. Bem... esse aí vem do Kurosawa... mas você sabe do que estou falando, mate.
- Você poderia estar falando de você, não é chapa? O que você acha que acabou de acontecer por aqui além de uma cena saída de um filme do John Woo?
- Sim, mas não tínhamos alternativa. E não acho tudo isso poético, ou mesmo grandioso... Ainda que ache tudo estranhamente engraçado agora que aconteceu...
Risos entrecortados com uma tosse excruciante.
- Para sua informação, nunca gostei desses filmes.
- Ah, blasfêmia.
- Vai se foder. É verdade.
Silêncio de alguns segundos. Insuportáveis.
- O que você está pensando? Não acredita que exista um americano que escape dessa sua grande teoria sociológica?
- Não, estava pensando no meu tio, Alzheimer.
- Seu tio tem Alzheimer?
- Ele se chamava Alzheimer.
- Como a doença?
- Ele era filho do homem que diagnosticou a síndrome.
- Como as doenças têm nome de pessoas, afinal de contas?
- Ei, pode não ser tão glamouroso como batizar cometas ou alguma porcaria de fórmula, mas se você trabalhou duro para descobrir algo científico, não gostaria de entrar para a história, mesmo que seu nome seja odiado e temido toda vez que fosse pronunciado?
- Não sei. Acho que não. A idéia não me agrada nem um pouco. E não é que vão lembrar de mim, de qualquer maneira. Apenas uma palavra, um nome descarnado. Lou-Gehrig. Parkinson. Cushing. Você sabe algo sobre esses tipos?
- Não. Você tem um ponto aí. Mas eu também não gostaria de ser lembrado assim. Apenas lembrei de meu tio agora.
- O que ele te disse afinal?
- Quando eu era apenas uma criança ele já era muito velho. Morava perto da minha escola, então eu costumava ir para lá depois da aula e lhe fazer companhia até minha mãe vir me buscar. Normalmente ele ficava ali, apenas olhando pela janela, sem dizer muita coisa, e eu me acostumei a brincar sozinho na sua sala. Um dia, me lembro como se fosse ontem, estava imaginando uma aventura de índios e cowboys quando ele saiu do seu transe usual, olhou para mim e fez um sinal para que me aproximasse. Esperou até que eu estivesse muito perto e sussurrou "nunca confie num escritor de screenplay".
- O que ele quis dizer com isso?
- Não sei. Ele tinha Alzheimer. Ele não falava nada com nada.
- Vai se foder. Você está zoando comigo.
- Ei, história verdadeira. Mas fico pensando se ele não tinha razão. Veja onde nós paramos. Tudo por culpa daquele filha da puta.
A segunda voz pareceu concordar com um suspiro e novamente fizeram silêncio solene, antes da escuridão aumentar. Inexorável.
Fade out.
Mas agora já nos aproximamos do final de nossa história. Deixe-me voltar alguns dias, longe da ensolarada Los Angeles, para a úmida e fria Londres...
continua...
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