segunda-feira, agosto 27, 2007

Descarrego

Lendo um bonito e iluminado texto esses dias (uma estrela pra quem descobrir de quem falo), fiquei aqui com meus botões, matutando umas idéias (essa imagem meio autista de mexer com os próprios botões sempre me agradou).
O verão desse ano não foi muito veranil, mas, enfim, foi a época dos grandes festivais, inspirados evidentemente nos míticos dias de lama numa fazenda americana 40 anos atrás, e que, sai ano entra ano, vão acontecer com a mesma certeza que o Emmy, o Oscar ou o SPFW.
Glastonbury, Reeding, Wight, Man, por aí vai. São vários e eu esqueço os nomes. Todos com a promessa de serem A reunião definitiva, num blend "democrático" e "eclético" entre os dinossauros sagrados do rock, as bandas cool do momento e a possibilidade de testemunhar o nascimento de algum outro conjunto que será grande muito em breve (afinal, tal possibilidade é real - você pode contar anos depois que viu aquele primeiro show daquela banda antes que qualquer outro conhecesse sem se dar conta que são milhares como você que fazem essa banda ser conhecida pra começo de conversa e então torcer o nariz porque "eles viraram muito comerciais" e então sair caçando novas borboletas underground e alternativas de novidade obscuras - já que de alguma maneira, o que garante a inclusão dessas bandas num line-up desse tipo de evento não é tanto o som, mas o que eu denominaria de "perfil vencedor", o que leva, creio eu, a uma celebração de mesmices que dão certo e que apenas reificam essa certeza: uma boa dose de esquisitice, polêmica, comportamento destrutivo e errático e misterioso e um som que recicla o estilo da geração ante-anterior - sempre pulando uma, numa espécie de elipse do eterno retorno alternada, uma repetição cabalística do showbiz - que deverá ser revolucionário, mas que no fundo é míope e autoritário e não admite sequer a existência de inteligência musical antes do quarteto de Liverpool). A infinita busca pelo novo som genial.
Que nos três dias (este parece ser o número mágico - você nem morre de vez nem acha que foi muito efêmera a experiência) esteja chovendo torrencialmente e que a possibilidade de se afogar em algum rio que transborda, pegar alguma micose pela umidade ou ao menos um resfriado básico, seja real, não importa. Ou melhor, apenas faz a provação ser mais significativa: a idéia de que, não importa quem você ouviu, mas que você fez parte daquele capítulo dourado fadado a entrar nos anais da história musical (lembrado apenas em termos de quem foi ouvido), e reconhece como irmão alguma outra alma aventureira que também lá esteve e lembra a hora que aquele amplificador caiu no meio do show daqueles caras e daquele maluco que subiu no poste de alta tensão e tal como você voltou para casa sentindo como se tivesse participado de uma batalha e... bem, você entendeu. Como uma ordem secreta em que apenas os iniciados COMPREENDEM.
Mas até aí nada muito diferente de você usar uma camiseta "Rock in Rio - eu fui". O que tem de diferente neste tipo de comunidade neo-hippie sazonal nos campos ingleses é que você acha que faz parte de algo maior do que a música, quase uma experiência transcendental que se esforça para atingir algo que nem em sua matriz histórica deu muito certo: a certeza de que você está lutando contra a opressão e a homogeneização cultural, de que você é a favor das causas justas por mais quixotescas que se mostrem, ao mesmo tempo em que constrói uma imagem de pessoa descolada e esclarecida junto aos seus pares e ao seu espelho.
Claro que vão para essas arenas, que rescendem a malte, maconha, suor e amônia, muita gente com a intenção legítima de se divertir, ter um momento bom pra variar - ei, se você não acreditasse nisso, a alternativa seria muito mais hipócrita do que eu estou delineando aqui. Mas as coisas já não são tão simples (já foram?). Você leva sua barraca de mil libras e vai fazer a diferença, ao deixar a parafernália para trás (como uma árvore de Natal, ano que vem você compra outra) e confiar que a organização vai mandar lona, paus e fios para alguma família necessitada na Somália, Etiópia ou um outro buraco esquecido pelo Deus de Abraão, Isaac e Jacó e pelo clube dos 7 (ou 8, ou sei lá em que número está). A versão primeiro mundo do levar um quilo de alimento não perecível (feijão e lugar pra dormir essa gente já tem. Posso dormir agora?).
Se enquanto o mundo enquanto o conhecemos está sendo transformado em um lugar melhor, bandas medíocres e - principalmente - produtores anônimos estão alguns milhões mais ricos e, zás, o ciclo se fecha e tudo faz sentido, podem bancar os magnânimos e doar alguns trocados ou falar que tomam banho de dois minutos e tiram a tomada sempre que acabam de usar um eletrodoméstico em seus lares ou adotar uma criança vietnamita e batizá-la com algum nome de remédio, enfim, isso é apenas efeito colateral (sem contar os produtores de barracas e badulaques de acampamento que também agradecem). Ei, não é legal eleger o Bono como um cara batuta, comprar o i-pod do U2, e proferir, cheio de certeza condescendente, aos seus amigos, no bar: "se deixassem o cara virar presidente do banco mundial as coisas iam melhorar"? Esqueça o fato que essa banda não faz um disco bom há mais de uma década (e de que pensávamos a mesma coisa a respeito de outra figura pública hoodesca).
Numa era em que criminosos vestem um terno e são eleitos para nos governar - e tudo parece natural, como é natural a corrupção que disso advém - nossos heróis são músicos, atletas, modelos e atores, não importa o quão medíocres sejam (ou sua arte, o que é mais trágico), pois eles são o que queremos que sejam e ninguém pode dizer nada em contrário. Nem mesmo eles (o que leva a outra questão - essas pessoas que são adoradas como profetas da verdade pós-moderna e que podem fazer o que quiserem que continuarão a ser idealizados sem restrições, não podem sentir outra coisa que desprezo aos demais infelizes aduladores. Logo a arrogância de muitas dessas superpersonalidades sem caráter, que continuam a ter apoio religioso e podem se comportar como verdadeiros aliens. Ou o que você me diz sobre Michael Jackson? Ou, usando um exemplo aqui da Inglaterra, o cara que está pouco se fodendo pro mundo, Pete Doherty, que, sinceramente, me cansou. Mas isso é uma outra história).
A salvação, a solução DO Problema é vendida nas mensagens eco-amigáveis e conscientes da miséria do Terceiro Mundo. Uma nobreza que é uma cópia apagada de si mesma. Se você "cansou" ou se você, o que é mais econômico e prático, quer fazer a "diferença por um dia", bem, é alguma coisa (aqui existe esse equivalente, o comic relief, que é suportado apenas uma vez por ano, como uma vacina amarga - é importante pra saúde mas é um saco).
Melhor do que nada, certo? Quem aí está pensando "se cada um fizesse sua parte o mundo seria melhor, blá, blá, blá"? Mas enquanto você enfia o dedo na rachadura da represa das tragédias, motivado por algum mantra benevolente da nova era, alguém que percebeu que frases inspiradoras desse tipo são a nova consciência coletiva - esqueça análise, se você jogar na mega-sena e tiver a fantasia de ganhar milhões, mas se não der, ok, pelo menos parte do dinheiro vai para alguma instituição de caridade, mas ei, você não doa para a instituição, você quer os milhões - e que ela, como todo o resto da existência, virou vendável, esse alguém vai se dar muito bem na fita, e não os pandas e gorilas em extinção, não o carinha que perdeu tudo na última enchente. Quem se contenta com sobrevivência? O ditado fala de um lugar ao sol, não na sombra...
A verdade, se há alguma nessa trapalhada toda, é que ninguém mais sabe o que é importante. Ou pelo menos não tem mais aquela certeza, que você descobre bem dentro de você, de que aquilo importa, aquilo vale a pena se lutar por. A certeza de quando você simplesmente Sabe. E quem é que sabe esses dias? Sabedoria é produto perigoso, é passível de ilusão.
E quem pensa que a seriedade é produto em falta no mercado, está enganado. Ela impera e ela castra. Mas é uma seriedade errada, que deixa as pessoas com medo de pensar diferente. Quem acredita que o politicamente incorreto morreu? Quando tudo o que você diz tem que ser pensado, analisado, escrutinado, dissecado, ponderado, criticado, relativizado, sob o risco de você ser taxado de alguma-coisa-ista? Os sentimentos andam mais sensíveis do que nunca. Todos podem ser feridos e ofendidos, todos são potencialmente minorias perseguidas, e você tem a impressão de que pisa num asfalto de ovos e pode tropeçar em algum nervo inflamado e exposto.
Mas então as pessoas ficam bravas porque as barracas não estão sendo mandadas a tempo para onde quer que elas tivessem que ir e estão apodrecendo nos escombros e nas ruínas da folia rockeira. Mas por quê ficam bravas? Por quê o mundo perdeu A chance de se redimir e ser salvo, por quê elas deixaram sua barraca à toa? Ou por quê agora elas vão ter que pensar em outra boa ação para contrabalançar o karma negativo?
A caridade hoje é mais uma desculpa "não vai dizer que eu não fiz a minha parte, o meu está fora da reta", que funciona melhor que Valium na hora de deitar a cabeça no travesseiro.
Quando uma multidão de jovens - que estão se matando a facadas todos os dias e em taxas alarmantes - vão protestar na frente da número 10, Downing Street, não por melhor escolas, ou por menos censura, ou por mais inserção no mercado, mas por não saber o que fazer - O Lord, please guide us and deliver us from evil -, bem, aí, pessoas, está na hora de olhar por cima do ombro e ver onde é que tudo foi pra merda.
Ou estou sendo muito pessimista?

PS - Não sou contra os festivais.

sábado, agosto 25, 2007

Requiem



A propósito da lavanderia, coloco uma fotinho da rua em que a lavanderia, singelamente batizada "My-Fair Laundry", está situada.
Meu bairro tem um centrinho, com uma high road com algum comércio, como uma verdadeira cidade pequena. Um banco, um starbucks, uma boots, um tesco, um açougue, uma floricultura, um empório, um pub, uma deli, uma igreja com seu próprio cemitério, um jornaleiro, uma GAP, umas outras lojinhas de roupas, alguns restaurantes e cafés... essas amenidades indispensáveis da vida moderna dos abastados.
Mas pertinho de casa mesmo, há um comércio mais modesto. Trata-se de uma ruazinha, perpendicular à minha, munida com uma vendinha na esquina - a Corner Shop, que vende desde cigarro e Jack Daniels até uma seleção de comidas rápidas para os moradores locais que estão com pressa ou preguiça de ir ao supermercado. Mas existe também uma farmácia de manipulação, um jornaleiro, um salão de beleza, uma imobiliária, um alfaiate, um café que explora o fato de ser pertinho da Abbey Road e que tem duas mesinhas na calçada, a lavanderia do outro lado da rua e algumas lojas vazias (uma loja de brinquedos que ainda estava aberta até mês passado, um escritório de representação que fechou no começo do ano, uma barbearia que nunca vi funcionando e duas outras que nem sei o que eram; sinto como se estivesse no olho do furacão, testemunha da morte de uma era e o amanhecer de um novo mundo). Ah, e abriu esta semana uma mini academia de ginástica.
A lavanderia é o único comércio que eu imagino que não tem perigo de fechar, já que não existe - ainda - nenhuma grande corporação de lavadores de roupa: venha lavar sua roupa enquanto toma um mochaccino descafeinado com creme e lê um livro da penguin (os clássicos da literatura em papel jornal e capa mole cor pastel, por x pounds e 99 pence) no sofazinho de couro fagocitante!
De resto, bem, talvez esteja contemplando o canto da banshee do pequeno comércio tradicional londrino (talvez o salão de beleza também ainda tenha lá sua clientela, ao menos no meu bairro).
No Brasil temos algo parecido, em que teatros e cinemas antigos se metamorfoseiam na calada da noite e - plim - de manhã são templos pentecostais ou bingos; em que as livrarias pequenas não conseguem competir com redes francesas de siglas que ninguém sabe o que significam e que vendem de tudo (inclusive livros).
Aqui esses espaços urbanos se transformam em supermercados - Tesco e Sainsbury's, que proliferam como cogumelos na chuva. Ou pior, viram possibilidades imobiliárias, estéreis e impessoais, completamente despidas de propósito que não o do lucro maior na compra e venda ou aluguel.
Existem campanhas para manter os mercados de rua e a lojinha da esquina vivos. Afinal, a Inglaterra ainda é um país conservador e gosta de sua tradição: mobile, ok, but don't mess with my fish and chips!
Mas essas vozes geralmente são abafadas pelo trânsito e morrem ignoradas, com ouvidos surdos e indiferentes e o peso da lógica da vida selvagem highlander (ou seja, "there can be only one!" Que, afinal é a premissa por trás de programas como Big Brother, Survivor, American Idol, Supernova, America's Next Top Model, Fama...).
O lugar onde aconteceu a festa em que perdi minhas calças, dois posts atrás, é um desses dinossauros moribundos, timidamente tentando comer suas folhagens, passar despercebido e esquecer que o fim está próximo - e vindo num grande cometa destruidor. Com trademark e copyright, claro.
A festa foi uma espécie de ritual fúnebre para um dos recantos bacanas de Camden Town, um lugar em que bandas tocavam e artistas expunham fotografias, quadros, performances. As pessoas foram lá beber e prestar sua última homenagem. Vai ser demolido e virar um supermercado.
Não acho difícil que o maravilhoso mercado de Camden - centenas de lojinhas que vendem as mais bizarras e esquisitas coisas, num labirinto de corredores e ruas, de cheiros e cores mais variadas - dará lugar a um condomínio ou um shopping center em um futuro não muito distante.
Azar, queridos e queridas, é a marcha inexorável da civilização, a pedra lascada que deu lugar ao cobre que deu lugar ao telégrafo que deu lugar ao trem que deu lugar à psicanálise que deu lugar ao mall que deu lugar a um espaço de ninguém, protótipo acabado e inevitável do panóptico foucaultiano. O processo começou (e nem é o primeiro estágio, como atestam as redes de sanduíches de inspiração taylorista que colorem a paisagem de qualquer recanto urbano) e corre com dentes e engrenagens de plástico (aço é démodé) - e se parece com um pesadelo marxista transviado e distorcido. Marx on acid.
Claro que o gado não é passivo e o espaço vira território, mesmo que seja de guerra - ou guerrilha. Ou você acha que os carros queimados nas cités parisienses são comemorações juninas ligeiramente mais empolgadas?
Mas a ciência deste fato não melhora a situação, melhora?
É notável como, numa cidade tão preocupada em lembrar sua história, as coisas se tornam cada vez mais pasteurizadas.
Vou em zoológicos e vejo um gorila ameaçado de extinção, uma foto de um demônio da tazmânia que já não mais caminha nas terras de Nosso Senhor, deste nosso pequeno, lotado e esvairido planeta azul. SOLD OUT. FULL. Sorry, try the moon, or perhaps that red planet over there.
No museu, vasos helênicos e painéis babilônicos e no canto, reservado num espaço entre o modernismo e o pós-whatever, uma pipa colorida e a estátua de um sorridente, bigodudo e grisalho barbeiro, de tesoura em punho e trajado com um avental branco, com a legenda no chão "exemplos da vida cotidiana - homo sapiens - final do século XX AD".



Ah, a título de esclarecimento sobre o custo da roupa lavada: 4 libras a máquina menor, 5 a maior. A secadora varia... depende de quanto tempo você quer deixar... umas duas libras é um valor razoável.

sexta-feira, agosto 24, 2007

O custo de vida em Londres e a Lavanderia

Londres é uma cidade cara. Nada de novo até aí. É uma das mais caras do mundo faz tempo.
Mas você consegue economizar uma nota depois que começa a pegar uns macetes.
Claro, sempre que você vai num lugar novo, exibindo sua cara de turista por lá, acaba pagando mais do que deveria. Isso vale para qualquer lugar. Mas em Londres a diferença entre o que você pode economizar e o que você acaba pagando inadvertidamente é enorme.
E nem entro na questão das promoções, que realmente são boas. Se você espera o momento certo, acaba pagando muitas vezes algo como 80 por cento mais barato! Sim, isso mesmo, descontos realmente descontados! É só esperar passar a novidade ou o lançamento.
Eu pago uma fortuna pelo meu flat, mas em comparação com o que se cobra por aí, até que dei sorte. Mas poderia morar de graça, no esquema squat, se tivesse paciência e espírito aventureiro, como uma amiga fez aqui, por um ano. Tudo perfeitamente legal - você e um pessoal podem entrar em qualquer propriedade que esteja vazia e ficar por lá, no verdadeiro espírito comunidade flower power ou London Calling.
A mobília? Você encontra tudo na rua. Os ingleses são muito consumistas e tão logo compram um novo sofá ou uma nova tv de plasma último modelo que você não tem como não comprar ou estará assinando seu atestado de pária, eles largam o eletrodoméstico antigo na rua. E você só precisa carregar o dito cujo para o seu lar.
Roupa? É só ir numa loja de caridade de bairro chique (tipo Oxfam). Eles vendem livros, utensílios domésticos e roupas de segunda mão. Mas nada de roupa de defunto em brechó de hospital. Nessas lojas você encontra vestido Versace, sapato Calvin Klein, bolsa Donna Karan, terno Armani, que algum ricaço usou meia dúzia de vezes e se desfez - num arroubo de bons sentimentos / bom karma, ou simplesmente pra renovar o guarda-roupa com a nova coleção (lembre-se: aqui não é essa coisa pouca de duas coleções como em terras tupi; aqui tem primavera, verão, outono e inverno bem diferenciadas). E todas essas roupas por algumas poucas libras. Mesmo em lojas normais você encontra roupa boa e bonita por muito pouco.
Comida. Uma refeição em um restaurante decente (nada de coisa chique) encheria sua geladeira com comida para uma semana (coisa de 20 libras). Isso porque supermercado é barato - alguns produtos custam menos ainda que no Brasil, mesmo em termos absolutos. E se você não for muito exigente, pode sempre comprar as comidas nas promoções, que mudam toda semana - o que é bom, porque você vai variando o cardápio e não enjoa. Ora, se não ligar muito para isso, pode ir na sessão de "clearance" e pegar as comidas por menos da metade do preço normal, porque essas são "ou leva logo ou vai pro lixo". Não, nada estragado, me apresso em adicionar. O que esse pessoal menos quer é um processo por intoxicação alimentar nas costas - isso é uma possibilidade real por essas bandas.
Quer coisa ainda mais barata e não tem preguiça de dar uma andadinha? Simples, é só ir no mercado de New Covent Garden e pegar as comidas do final da feira. De novo, nada estragado. Vegetais, frutas e legumes de qualidade, mas que não vão aparecer no estande no dia seguinte.
Imagino que com a certa disposição, é possível viver praticamente de graça por aqui!
E tem muitas outras coisas que são de graça mesmo: você visita museu de graça, você faz sua carteirinha da British Library de graça, você pode ficar membro da biblioteca do bairro, só provando que você é você, sem desembolsar um tostão. Aí você pode emprestar livros, dvds ou cds (sou membro da de Westminster, que me dá o direito de pedir livros em 12 outras bibliotecas interligadas). E eles te deixam usar até uma hora internet por dia!
Além disso, quase tudo tem desconto para estudante. Apresento meu RA - ops, CU, unicampeiro (que ISIC que nada) e tchum, 10 por cento aqui, tcham, 15 por cento lá. Compro dvds, cds, livros. Poderia comprar eletrônicos na Virgin e HMV se quisesse. Não faz a mínima diferença eu ser estudante de uma universidade que nem da UE é.
E eu sou preguiçoso. Nem fui me cadastrar no meu GP, o médico local que atende a galera do bairro. De graça. Serviço odontológico, idem. Ora, é possível ir no community centre local e ter vários benefícios. Para pais, filhos, desempregados, deficientes, minorias, doentes... sempre tem algo para sua categoria, seja ela qual for. Academia de graça, descontos em transporte público, casas de graça dependendo do caso, incentivo pra isso, incentivo pra aquilo, e por aí vai. Não sei nem da metade dos direitos que se tem por morar aqui - sem precisar ser inglês, diga-se de passagem.
Aliás, por falar em passagem, viajar é baratíssimo. Quer ir pra Varsóvia? 20 libras. Berlin? 12 libras. Eu pago mais no metrô do que em avião.

Mas algo que ainda é preciso pagar é lavar roupa. Hoje fui lavar roupa. Coisa que não faço quase nunca na lavanderia - lavo em casa mesmo, aos poucos. Mas acumulou tanta coisa, minha e da Dani, que tivemos que ir.
Lavanderia é uma dessas coisas que coloco na categoria de choque etnográfico (bem, não pesquiso lavanderias, mas gosto de transformar tudo aqui em reflexão; e todo momento descubro novos segredos reservados apenas aos iniciados e aos locais): é tão particular de uma outra cultura - digo, a lógica do funcionamento - que é ininteligível num primeiro momento (e assustador). Qual máquina usar, que botão apertar, onde colocar o sabão (tenho que trazer o meu?), quando coloco as moedas? Warm wash, complete, linen, stir? Tiro as roupas e coloco no secador? High, middle term, low? Quanto tempo? E as moedas?
E eu fico desesperado, sempre pedindo ajuda aos donos, um casal de indianos que falam exatamente como o Apu. E fico envergonhadíssimo de não saber nem onde esperar, toda hora me pedem para "sentar mais pra lá". Digo dezenas de "I'm sorry" e recebo uns meio-sorrisos "that's ok" e rezo para que a paciência deles dure até eu poder perguntar como faço para colocar uns minutos extras na secagem. E depois sair correndo para casa.
Me pergunte sobre bruxaria zande, mas não sobre que tipo de tecido vai com que tipo de sabão. Porque então o pavor vem.

segunda-feira, agosto 20, 2007

noticias

O tempo está uma caca, o ânimo pra pesquisar pior. A internet não funciona. E não tenho nenhuma inspiração pra escrever aqui...
Mas vai lá uma notícia: fui numa festa à fantasia, tive uma conversa surreal com um negão que dava sabão no banheiro ("use the fancy soap, it's free!") e perdi as calças no meio do bar.

segunda-feira, agosto 13, 2007

Juventude transviada

Hoje falava com a Dani e a Mila, estimulados pelo café, sobre redações de escola.
Lembrei que lá pela quarta série, escrevi um pequeno livro e, deste livro, pingavam gotas de sangue.
Eu e um amigo estávamos numa fase gótica / terror total. Ouvíamos Bauhaus e assistíamos Evil Dead. Bem, normal. Muitos garotos faziam isso na época.
Mas também criávamos muitas sagas macabras - com muito splatter e muito gore (dessas palavrinhas que são melhores no idioma anglo-saxão). Eram estórias orais que íamos criando juntos, quase todos os dias. Um dia então resolvi colocar uma dessas estórias no papel. Achei que ficou tão bom (e isso é raro - eu achar algo meu bom. Passado algum tempo acho as coisas que escrevi simplesmente abomináveis) que resolvi presentear meus colegas com minha prosa, digamos, menos convencional. Afinal, os protagonistas eram eles mesmos. Não mudara nem os nomes.
Todos eram mortos (os cerca de 40 colegas de classe, um de cada vez) das maneiras mais diferentes. Evisceramentos, enforcamentos, esquartejamentos, marteladas, facadas, tiros, mordidas... por aí vai. Um foi até canibalizado pelos sobreviventes restantes - sem saberem, claro (e eu ainda nem tinha ouvido falar de Peter Greenaway). Décadas antes de Saw, note bem.
Mas juro que nem tinha intenção de chocar. Queria mesmo mostrar como a história era boa (e acho que era mesmo: o esquema galera presa num casarão e um assassino - ou mais de um - à solta, misterioso; mas a cadência era boa, bem como a apresentação das situações, e havia o elemento fortuito no enredo que me agradava). E era, não nos enganemos, uma homenagem aos colegas. Bom, acho que a maioria não conseguiu encarar dessa maneira... eu vi isso em seus olhos, uma hora que resolvi conferir o efeito da leitura, aproveitando para um fôlego.
Olhando para trás me espanto como a professora me deixou até mesmo terminar a longa narrativa (a escola era bem conversadora. Ela um colégio alemão com uma filosofia patrioteira que chegava a flertar com o integralismo - eu marchava, vejam só, com este mesmo amigo, pelo pátio, como se estivéssemos num campo de concentração; imaginávamos as torres com metralhadoras e tudo). Não sei também como a professora, uma doce criatura pelo que me recordo, não me mandou para a diretoria, escreveu algum aviso aflito aos meus pais ou me encaminhou para um psiquiatra logo de vez.
E este não foi o único incidente levemente doentil dessa época. Neste mesmo colégio fui suspenso uma vez (com este mesmo amigo, sim) ao aterrorizar os meninos mais novos com uma faca retrátil que havíamos comprado no Play Center: a enfiávamos no olho, gritando como animais no matadouro logo em seguida; atuações primorosas de fato. Em outra ocasião, durante a feira de ciências, consegui emprestado um cérebro num jarro de formol do laboratório de anatomia da unicamp para levar para a classe... não sei o que era pior, a gosma encefálica amarelada (era anatomia patológica, afinal de contas; alguma anomalia havia) ou o cheiro pestilento do formol. E houveram outros episódios do tipo Ensina-me a Viver, em graus variados...
Hoje não sei se fico horrorizado comigo mesmo ou se acho graça...
Enfim, eu e Dani refletimos sobre as diferenças dessa nova geração e os "novos tempos" (velho!). E acho que se essas coisas acontecessem hoje em dia eu poderia ter alguns problemas... estranhamente, talvez, já que os jovens de hoje em dia fazem coisas muito piores.

sexta-feira, agosto 10, 2007

Banksy

Já havia falado sobre ele antes aqui no blog. E esses dias comprei um livro com várias fotos das obras do grafiteiro / artista de rua Banksy. Coisas inventivas e extremamente simples - basicamente estêncil e bom senso de aplicação.
Há muito tempo não via nada que fosse original e sincero. A ousadia apenas dá um toque especial. E não falta ousadia.
O interessante é que a constituição da arte em si - a que é vista, o produto final - é instantânea. Alguns minutos roubados da madrugada, sorrateiro e atento para agentes da lei e câmeras de vigilância. O maior trabalho consiste em olhar para o cotidiano e vê-lo como realmente é: regulador e normatizador. Então pensar em como mostrar essa repressão com um mínimo de imagem, criando um novo significado a partir do outro, brincando com os sentidos do transeunte. O próximo passo é desenhar e criar um estêncil em casa, e então esperar pela calada da noite, para sair na surdina, com tinta no bolso e muita cara de pau.
Comentando com minha amiga Camila sobre o cara, ela disse "ah sim, tem um graffiti dele perto de casa, passo sempre na frente e dou uma risadinha". Claro que eu fui na mesma hora ver, já que eles não duram muito tempo e são logo apagados - o que no fundo é parte da graça: o elemento perecível da coisa. Arte sem duração, com contexto, sem copyright e aberta a todo tipo de manipulação - porque pretende manipular qualquer coisa. Democrática porque para qualquer um, mas especial porque com prazo de validade - indeterminado (depende do nível de indecência que o dono da parede ou que a polícia atribuírem ao trabalho em questão; ou quanto tempo eles demoram para se dar conta de que aquilo é protesto). Apesar que descobri que esse graffiti é uma exceção: está lá desde o ano passado (está no catálogo e foi feito em 18 minutos).
Isso, aliás, criou um estranho paradoxo. É uma arte que reclama da autoridade dos estabelecidos, mas que não vive sem a censura destes. Uma arte com propósitos suicidas, portanto. Que almeja ser obsoleta.
Uma espécie de mistura de Luther Blisset com Hackim Bey e algo mais, Banksy é um artista sem cara, de arte sem dono (o que não é sinônimo de falta de personalidade; é pública, no sentido mais estrito do termo), carregada de manifesto e ironia. Um delicioso amálgama de ultraje e revolta com muito bom humor.
E ele consegue falar muito, pela técnica mais eficiente para isso: endereçar assuntos seríssimos, sem se levar a sério.
Fazia tempo que eu queria ver uma obra dele. Ao vivo, digo. Na rua, numa parede. Ainda que agora seja mais simples ver suas obras, já que ele começa a ser reconhecido (mas também mais demonizado, ao mesmo tempo). Uma galeria já expõe alguns trabalhos (ele produz telas e esculturas também), e alguns outros já foram incorporados como arte em alguns museus. Essa semana vi que uma exposição acaba de ser montada, contrapondo Banksy com Warhol. Claro que iriam associar o pós-nadismo do novo milênio do Banksy com pop art. Num primeiro momento parece óbvio. Mas até que o grafiteiro entre no circuito da arte-negócio de vez (o que espero que não aconteça e até imagino que não seja intenção do artista) e pare de re-interpretar e denunciar o absurdo da realidade e saia desse rótulo que combate - a marginalidade - isso não será verdade. Ele pode até virar um artista convencional (e ser muito bom mesmo assim), mas seu trabalho será outra coisa.
Como outros revolucionários, sua luta é, necessariamente, perdida (o que não quer dizer que seja em vão).

quarta-feira, agosto 01, 2007

Terror?

Alguém poderia imaginar que uma nova bastilha se aproxima. Afinal, as diferenças entre as pessoas nunca foram tão gritantes como nos últimos tempos. E não falo apenas de Brasil. Aqui, no "primeiro mundo", também é assim.
Claro, as pessoas ganham melhor aqui. E miserável, miserável mesmo, não tem muito (apesar que o serviço social está aquém do que se poderia esperar de um país tão rico).
Mas nem por isso pode-se dizer que a coisa esteja nivelada. Bom, não sei direito em termos estatísticos. Quem sabe um sociólogo possa me provar que comparativamente a desigualdade brasileira seja pior (por ser mais miserável?). Mas é impressionante como aqui tem gente muito mais rica do que o resto. Estou falando o óbvio? Pode ser, mas vira e mexe saem umas notícias sobre despesas milionárias que deixam até mesmo os ingleses perplexos.
Todo mundo tem seu i-pod, ok. Celular idem. Mas ferraris, apartamentos de alguns milhões de libras e gastanças completamente despirocadas...
O mercado imobiliário não pára de valorizar há alguns anos já (os preços dobraram nos últimos 5, o que significa que existe um terreno fértil para especuladores), deixando os economistas mais conservadores de queixo caído, já que foi previsto há algum tempo que estava se chegando no ponto de saturação. Pelo jeito ainda não. Apartamentos de 2, de 3 milhões, são comuns. Casas de 10 milhões também. Outro dia fiquei abismado com um apartamento de 100 milhões de libras (400 milhões de reais). Vai, isso sim que é elefante branco. O cara do banco Santos ficaria até envergonhado. E não consigo imaginar o que possa ter dentro de um apartamento para valer isso.
E não é apenas imóvel. Ultimamente há uma competiçãozinha, narrada pelos tablóides, claro, de ricos e famosos para ver quem gasta mais numa balada. Outro dia vi que um tiozinho gastou 105 mil libras numa noite, com vinho, champanhe e vodka. Por mais que os lugares bacaninhas aqui sejam caros, precisa muito pra beber 100 mil libras, heim?! Não seria melhor comprar um Porche e pelo menos ter um carro na garagem para olhar e se arrepender no dia seguinte?
Uma galera de 20 e poucos anos, engravatada e armada de Blueberries (ou Blackberries, sei lá) ganha mais do que eu posso sequer pensar em ganhar, mesmo se meus sonhos de passar num concurso público fossem realizados. Na idade deles eu pensava em beber na cantina e jogar basquete! Eles pensam se vão comprar uma casa na Grécia ou na Espanha (sim, a colonização inglesa continua: com alguns meses de salário é possível comprar uma propriedade numa praia européia qualquer, o que deixa os locais evidentemente exasperados, porque isso puxa os valores pra cima).
Toda vez que vou pagar meu aluguel me dá um aperto no coração, porque não posso deixar de pensar o que esse dinheiro me compraria no Brasil. Mas sempre que vejo as ofertas de aluguel para as classes mais abastadas na imobiliária, um sentimento de que existe um mundo completamente alheio ao meu cotidiano e que eu nunca irei sequer vislumbrar ou conseguir compreender, me atinge como uma martelada. Afinal, quem paga 5 mil libras por semana (veja bem: SEMANA!) de aluguel? Em 2 meses você compraria um apartamento no Brasil, ora bolas!
Se aproximam os jacobinos?

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Puxa, Antonioni e Bergman de uma vez só...