Hoje me peguei pensando no longo caminho que eu fazia, impulsionado por um namorico daqueles quase não mais adolescentes, entre Campo Grande e Niterói. Quase namorava uma moça que fazia economia na UFF.
Ia ao Rio, ficar na casa dos meus primos em Campo Grande, para de lá ficar algumas horas, as vezes alguns dias, com ela, em terras fluminenses. O longo, longo... longo e estranho percurso pela Brasil, naqueles ônibus lotados, suados, quase tombando em curvas rebeldes e teatrais. A perambulação pela Praça XV, o desviar das bisnagas de urina, da memória em fuga. E então os longos minutos embalado pelo balançar lento da barca, que avançava com preguiça, como uma grande lesma marinha, ruminando a água verde da baía e expelindo espuma branca como rastro. E, depois, toda a volta, com a testa encostada no vidro tremelizente do coletivo vazio, carregando as almas esgotadas, olhando para o escuro de fora com os olhos desfocados e baixos.
Como achava aquilo tudo esquisitamente mágico... as ruas feias, as pessoas de colarinho aberto andando apressadas... o mar lindo - ao Rio nunca faltou o sucesso do casamento com a natureza.
Vi o museu espaçonave de Niemeyer ser construído. Fui lá quando abriu, olhar aquela linda paisagem, mas duvidoso se ela não teria sido de alguma maneira estragada (quem lembra do mirante sem todo aquele concreto modernista? Há ali um tipo de mais valia bizarra, em que aquilo que sempre esteve ali começou a ser apreciado por detrás de um vidro pretensioso).
Daqueles tempos só guardei as lembranças das travessias. Da água salgada, dos malucos, das arquiteturas bonitas do Centro, daquelas ilhas de namorados, espalhadas pela Guanabara. Da moça, uma amargura rala, que nem se presta a ser trauma daqueles que você confidencia com uma garrafa de vinho, um vazio que só as medidas melodramáticas pode construir: queima tudo! Vidas outras, passageiras. O Rio, este fica. Sans dramas pessoais, mas com todos os dramas pessoais do mundo, reunidos mas nunca a se encontrar. As vezes alguns esbarrões, vislumbres das dores e amores alheios. Capturados de forma tão fugidia que não se espreme nem uma história contada - talvez uma imaginada, inventada. Mas que condensam um algo a mais, que se reproduz ao longo das gerações, mudando apenas de vestidos, de ternos e vestimentas.
Uma boniteza que não precisa ser bonita de fato. Pois está lá ainda.
PS - Este é o post de número 500! Puxa vida...
terça-feira, junho 14, 2016
domingo, junho 12, 2016
Passeando fora do tempo
Nas rebarbas do congresso em Coimbra, para onde fui na semana passada, passei dois dias em Lisboa, relembrando como gosto daquela cidade.
Na primeira vez que fui, lá pelos idos de 1997, não tinha gostado, na verdade. Era véspera da Expo 98 - aquela coisa esquisita que fizeram com Lisboa - e tudo me parecia um grande canteiro de obras. De bom, mesmo, eu só lembro que se podia fumar em qualquer lugar. Nem queria acender um cigarro no cinema, mas já que podia...
Sobre a Expo, aliás, fico pensando, dá pra se falar muito. É o tipo de remodelagem radical que se faz em uma urbe, que aparentemente deveria revitalizá-la, mas que no fundo é uma forma de algumas pessoas ganharem muito dinheiro e exacerbar as desigualdades urbanas de uma maneira brutal. Sempre é o mesmo discurso, normalmente em Olimpíadas ou grandes eventos: aproveita-se o grande fluxo de capital e de vontade política e investe-se em infra-estrutura. Bem, já vimos que na prática a coisa é bem menos bonita. Descontando-se os superfaturamentos (sempre rondando os grandes empreendimentos), o fato é que é uma oportunidade de ouro pra especulação imobiliária, para a gentrificação progressiva que separa os cada vez mais endinheirados (e ciosos de suas vizinhanças e fronteiras) e aqueles empurrados para as periferias reais e simbólicas da vida. Há algo de muito violento no tipo de rápida transformação citadina que me deixa horrorizado.
Demoraria 15 anos para voltar a Lisboa, para um congresso, justamente. E a mudança foi impressionante. Havia toda uma parte da cidade que antes não existia! Para um lugar tão antigo, onde as construções são as mesmas por décadas ou séculos, isso é ainda mais estranho.
E agora novamente, 5 anos depois dessa penúltima visita, voltei a perambular por Lisboa. Mas evitei toda aquela região do Parque das Nações, insípida, planejada, cheia de shoppings e pavilhões que lembram - certamente não manifestadamente, mas provavelmente não à toa - a megalomania colonial salazariana. Algo com que os portugueses certamente não querem mais fazer associações, mas que está sempre presente, nos pequenos e nos grandes detalhes, incrustado na arquitetura e na paisagem.
Lisboa é uma cidade muitíssimo agradável para andar, a esmo. Para passear, no sentido promenade mesmo. Quando a tarde cai e as luzes (que nunca parecem iluminar de fato) começam a acender eu tenho a impressão de estar em outra época. Os fantasmas que perambulavam por ali ficam mais densos, menos esvoaçantes sob o amarelado dos postes e das grandes lanternas dependuradas e espalhadas pelas ruas.
Eu fico com a impressão de estar em algum quadro pós-impressionista. Daqueles que comentam os costumes da modernidade que chega de repente e que vem substituir o que quer que seja que guardava aqueles espaços que se pode identificar como antigos, velhos mesmo - ainda que teimosos por ir por completo (de onde a tragédia das regiões ultra planejadas). Quadros que anunciam o fim do século XIX, a transição do campo para a cidade, o começo dos estilos modernos. Da vida em movimento quase maníaco de tão constante. Um quadro de Toulouse-Lautrec em alguns momentos, ao pé do castelo de São Jorge, sempre mais cheio de sombras e de recantos mais escuros, de espaços sem muita gente. Ou então um de Degas, junto às pessoas na Alfama e seus vermelhos todos, ou a agitação e boemia da Mouraria. A parte baixa e o Chiado são pintados por outras mãos. Mas talvez por sua movimentação ininterrupta não sejam tão apetitosas ao flâneur que busca essa mediunidade ambulante. Para isso é preciso, precisamente, pausar. Mesmo que rapidamente.
E dessa vez conheci o outro lado do Tejo, o sul, em Cacilhas. Com suas docas decrépitas, os pescadores noturnos, as paredes com os azulejos roídos e progressivamente roubados, não exatamente apagando seu passado, mas paradoxalmente conferindo um ar ainda mais forte, pela ausência cada vez mais presente daquilo que teria existido e que se esvai ano após ano. E de lá, em uma tasca a beira rio, tomando um vinho, comendo um arroz de Tamboril, depois bebericando uma bagaceira que desce rasgando sem queimar, ver o anoitecer me deu a chance de pensar tudo isso, de longe mas não tanto, sobre essa bonita, singular mas familiar e acolhedora cidade.
Na primeira vez que fui, lá pelos idos de 1997, não tinha gostado, na verdade. Era véspera da Expo 98 - aquela coisa esquisita que fizeram com Lisboa - e tudo me parecia um grande canteiro de obras. De bom, mesmo, eu só lembro que se podia fumar em qualquer lugar. Nem queria acender um cigarro no cinema, mas já que podia...
Sobre a Expo, aliás, fico pensando, dá pra se falar muito. É o tipo de remodelagem radical que se faz em uma urbe, que aparentemente deveria revitalizá-la, mas que no fundo é uma forma de algumas pessoas ganharem muito dinheiro e exacerbar as desigualdades urbanas de uma maneira brutal. Sempre é o mesmo discurso, normalmente em Olimpíadas ou grandes eventos: aproveita-se o grande fluxo de capital e de vontade política e investe-se em infra-estrutura. Bem, já vimos que na prática a coisa é bem menos bonita. Descontando-se os superfaturamentos (sempre rondando os grandes empreendimentos), o fato é que é uma oportunidade de ouro pra especulação imobiliária, para a gentrificação progressiva que separa os cada vez mais endinheirados (e ciosos de suas vizinhanças e fronteiras) e aqueles empurrados para as periferias reais e simbólicas da vida. Há algo de muito violento no tipo de rápida transformação citadina que me deixa horrorizado.
Demoraria 15 anos para voltar a Lisboa, para um congresso, justamente. E a mudança foi impressionante. Havia toda uma parte da cidade que antes não existia! Para um lugar tão antigo, onde as construções são as mesmas por décadas ou séculos, isso é ainda mais estranho.
E agora novamente, 5 anos depois dessa penúltima visita, voltei a perambular por Lisboa. Mas evitei toda aquela região do Parque das Nações, insípida, planejada, cheia de shoppings e pavilhões que lembram - certamente não manifestadamente, mas provavelmente não à toa - a megalomania colonial salazariana. Algo com que os portugueses certamente não querem mais fazer associações, mas que está sempre presente, nos pequenos e nos grandes detalhes, incrustado na arquitetura e na paisagem.
Lisboa é uma cidade muitíssimo agradável para andar, a esmo. Para passear, no sentido promenade mesmo. Quando a tarde cai e as luzes (que nunca parecem iluminar de fato) começam a acender eu tenho a impressão de estar em outra época. Os fantasmas que perambulavam por ali ficam mais densos, menos esvoaçantes sob o amarelado dos postes e das grandes lanternas dependuradas e espalhadas pelas ruas.
Eu fico com a impressão de estar em algum quadro pós-impressionista. Daqueles que comentam os costumes da modernidade que chega de repente e que vem substituir o que quer que seja que guardava aqueles espaços que se pode identificar como antigos, velhos mesmo - ainda que teimosos por ir por completo (de onde a tragédia das regiões ultra planejadas). Quadros que anunciam o fim do século XIX, a transição do campo para a cidade, o começo dos estilos modernos. Da vida em movimento quase maníaco de tão constante. Um quadro de Toulouse-Lautrec em alguns momentos, ao pé do castelo de São Jorge, sempre mais cheio de sombras e de recantos mais escuros, de espaços sem muita gente. Ou então um de Degas, junto às pessoas na Alfama e seus vermelhos todos, ou a agitação e boemia da Mouraria. A parte baixa e o Chiado são pintados por outras mãos. Mas talvez por sua movimentação ininterrupta não sejam tão apetitosas ao flâneur que busca essa mediunidade ambulante. Para isso é preciso, precisamente, pausar. Mesmo que rapidamente.
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