Bem, era para concluir aquele post teste que tinha feito um tempo atrás. Mas a preguiça de fim de ano bateu mais alto. Preguiça, esta, que vai virar - bem picaretamente - o tema deste post de final de ano. Mas por um bom motivo escondido: depois de meses de correria, gostaria de elogiar um pouco a preguiça.
Mas só para não deixar completamente batida a ideia do post duplo temporal, algumas palavrinhas. A ideia era falar alguma coisa sobre o novo filme do Star Wars - afinal, àquela altura do post de outubro, eu já tinha ingressos comprados (de onde a noção meio esquisita de algo tão no futuro que já estivesse certo). Estava super animado para ver, depois de anos esperando (e depois da decepção dos tais prequels) um novo filme realmente empolgante da série. E o filme foi bom mesmo. Assisti no dia da estreia. Não sem seus defeitos, achei que o diretor conseguiu lidar muito bem com a enorme expectativa e a cobrança que foi feita em cima da produção, que já tem batido todos os recordes de arrecadação. Só por lidar com isso tudo já merece uma menção de louvor. Gostei dos personagens novos e, na maior parte das vezes, dos personagens clássicos. Ficam aqui meus cumprimentos ao diretor, que é ótimo para ter ideias: contarei em futuro post sobre o livro, de sua concepção, que estou lendo.
Então por que não fazer o tal post, tal como eu tinha planejado? Por conta da preguiça, principalmente. Mas também porque senti que decepcionei o universo scifi na última banca que participei - e fiquei um pouco traumatizado com o tema. Sem mais sobre isso - apenas a título de uma rápida explicação.
E a preguiça, você pergunta?
Normalmente palavrinha com conotação negativa, estou exercitando minha preguiça neste final de ano. E sabe o que é maluco? Com dificuldade. Alguma força sinistra está me impedindo de usufrui-la como se deve.
Justo ela, que me vinha tão fácil ao longo de toda a vida...
Bem, eu tinha decidido que não iria fazer nada até começo de janeiro. E realmente tenho dormido como há tempos não dormia. Mas todo dia eu acordo com uma sensação de que estou atrasado com alguma coisa, que deveria estar trabalhando em algo. Poderia estar fazendo isso e aquilo. É muito estranho e até um pouco angustiante.
Que bizarro ritmo de trabalho foi esse que adquiri que não me deixa desligar? Bom, pelo menos o corpo tem descansado - já é alguma coisa. É um pouco assustadora a quantidade de horas que estou dormindo, mas isso é sinal de que eu realmente estava precisando. Espero que em mais uns dias eu consiga desligar também mente - mesmo que depois seja difícil retomar as atividades. Tudo bem em relação a isso: sempre fui craque em desligar e depois correr atrás do prejuízo.
Fica aqui meu rápido e sem sal post de fim de ano.Mas achei que era legal fazer uma forcinha e pelo menos produzir algumas frases agora. Ano que vem recomeço com novas energias!
Meu desejo de que a preguiça venha na hora que tiver que vir, sem culpas. Antes de mais nada, que todo mundo se cuide mais e melhor no ano que começa!
quinta-feira, dezembro 31, 2015
segunda-feira, dezembro 21, 2015
Passeios pelas alamedas verdes
Fui, nesses dias, no CEASA (Centrais de Abastecimento de Campinas). Há anos que não ia. Lembro que ia de vez em quando com a minha mãe, que adorava levar os filhos pra esses lugares diferentes. Era aventura em fábrica de biscoito, em central de abastecimento de legumes e flores, em granja no bairro rural, em fazenda pra pegar leite na latona... Outra época, outra Campinas.
Bom, fui lá porque eu e a Dani decidimos que esse Natal iríamos dar plantas e flores de presente. E foi ótimo! O dia estava muito quente, mas quando chegamos na sessão das plantas tudo ficou mais fresco: não apenas porque, afinal, estávamos no meio do verde, mas porque tinha também aquele sprayzinho de água funcionando nos corredores imensos com as barraquinhas de vendedores. Passeamos bastante e saímos com o carro cheio de flores e plantas - suculentas e cactos, orquídeas e plantas carnívoras, plantas com folhões e plantas com folhinhas... e um jasmim cheiroso, pra ir pra janela da minha salinha na unicamp assim que terminarem as férias!
Voltei com as lembranças e os cheiros de anos passados. Mas também com ideias e vislumbres de ideias, oxigenadas provavelmente pela clorofila toda.
Memórias tão antigas que pertenciam a outros átomos. Geradas por outras paixões. Mas também inspirações refrescantes.
Me veio um diálogo à mente - de um diálogo real. Chegava hoje de manhã no ifch quase vazio, as 8 da manhã.
"Professorzinho" - Dona Marli me chama sempre assim, a senhora da limpeza da empresa terceirizada alocada no instituto. Um dínamo. "Professorzinho, não acredito que veio trabalhar!"
"É o último dia, dona Marli. Depois só no começo de janeiro."
"Ah, essa bendita empresa nova [recentemente houve uma troca das empresas e os funcionários migraram, mas com ainda menos direitos] vai nos obrigar a ficar até o dia 24 aqui. Toca sair correndo pra preparar ceia correndo depois de trabalhar. Uma maldade."
"Não acredito dona Marli!"
"Sim, e segunda estou de volta. Quer que regue seus bebês [é como chama as minhas plantinhas]?"
"Não, obrigado. E queria poder te responder em qualquer outro ano." Bem, essa última parte eu não respondi de fato. Só pensei. Queria dizer para ela que a vida era uma merda, que ela não precisava se preocupar comigo, mas que isso a fazia uma linda pessoa. Queria ter uma resposta que não soasse, não importa o quanto eu desejasse o contrário, constrangida.
Pensei o porquê pensei: "por que responder em outro ano?" O passado que talvez idealizamos. O futuro que vai chegar e deixar as amarguras mais anestesiadas. Porque vai passar. Há de passar.
Conversava com uma amiga ontem. Há algo de um princípio reparador no universo. Não exatamente místico, ou cármico, mas você pode pensar assim se quiser. Não exatamente algo compensatório, mas sinta-se à vontade de se confortar com essa noção. É que há um momento que a estatística, the big picture, nos alcança nas mais ínfimas intimidades - e tudo se mistura, não se equalizando. E a justeza da existência se assenta. É tão injusto esperar que a gratidão não discrimine, achar que basta esperar pelo bem. Mas ao mesmo tempo são nessas horas que o pessimismo da crueza da análise nua não funciona - e não vai funcionar mesmo. E acreditar em coisas melhores cria outras coisas - geralmente muito bonitas. De estar fodido, mas ainda sim fazer sorrir.
Bom, fui lá porque eu e a Dani decidimos que esse Natal iríamos dar plantas e flores de presente. E foi ótimo! O dia estava muito quente, mas quando chegamos na sessão das plantas tudo ficou mais fresco: não apenas porque, afinal, estávamos no meio do verde, mas porque tinha também aquele sprayzinho de água funcionando nos corredores imensos com as barraquinhas de vendedores. Passeamos bastante e saímos com o carro cheio de flores e plantas - suculentas e cactos, orquídeas e plantas carnívoras, plantas com folhões e plantas com folhinhas... e um jasmim cheiroso, pra ir pra janela da minha salinha na unicamp assim que terminarem as férias!
Voltei com as lembranças e os cheiros de anos passados. Mas também com ideias e vislumbres de ideias, oxigenadas provavelmente pela clorofila toda.
Memórias tão antigas que pertenciam a outros átomos. Geradas por outras paixões. Mas também inspirações refrescantes.
Me veio um diálogo à mente - de um diálogo real. Chegava hoje de manhã no ifch quase vazio, as 8 da manhã.
"Professorzinho" - Dona Marli me chama sempre assim, a senhora da limpeza da empresa terceirizada alocada no instituto. Um dínamo. "Professorzinho, não acredito que veio trabalhar!"
"É o último dia, dona Marli. Depois só no começo de janeiro."
"Ah, essa bendita empresa nova [recentemente houve uma troca das empresas e os funcionários migraram, mas com ainda menos direitos] vai nos obrigar a ficar até o dia 24 aqui. Toca sair correndo pra preparar ceia correndo depois de trabalhar. Uma maldade."
"Não acredito dona Marli!"
"Sim, e segunda estou de volta. Quer que regue seus bebês [é como chama as minhas plantinhas]?"
"Não, obrigado. E queria poder te responder em qualquer outro ano." Bem, essa última parte eu não respondi de fato. Só pensei. Queria dizer para ela que a vida era uma merda, que ela não precisava se preocupar comigo, mas que isso a fazia uma linda pessoa. Queria ter uma resposta que não soasse, não importa o quanto eu desejasse o contrário, constrangida.
Pensei o porquê pensei: "por que responder em outro ano?" O passado que talvez idealizamos. O futuro que vai chegar e deixar as amarguras mais anestesiadas. Porque vai passar. Há de passar.
Conversava com uma amiga ontem. Há algo de um princípio reparador no universo. Não exatamente místico, ou cármico, mas você pode pensar assim se quiser. Não exatamente algo compensatório, mas sinta-se à vontade de se confortar com essa noção. É que há um momento que a estatística, the big picture, nos alcança nas mais ínfimas intimidades - e tudo se mistura, não se equalizando. E a justeza da existência se assenta. É tão injusto esperar que a gratidão não discrimine, achar que basta esperar pelo bem. Mas ao mesmo tempo são nessas horas que o pessimismo da crueza da análise nua não funciona - e não vai funcionar mesmo. E acreditar em coisas melhores cria outras coisas - geralmente muito bonitas. De estar fodido, mas ainda sim fazer sorrir.
quinta-feira, dezembro 17, 2015
Quick ones
Rapidinhas (a volta dos pensamentos avulsos e aleatórios)
Hoje o facebook (existia facebook na época em que escrevi o último post antes dessa nova fase?) me perguntou se eu queria fazer a retrospectiva do ano. Como parece ser algo generalizado, eu quero que 2015 acabe logo. Existem algumas boas coisas que aconteceram - e, no meio de tanta angústia, elas se sobressaem muito. Não preciso de ajuda pra lembrar, thanks very much, Mark.
***
Eu descobri o como ter estudado o que estudei não me preparou para uma parte da academia bastante dura. Percebi que preciso aprender a ser mais pé no chão para muita coisa. Mas percebi sobretudo que não quero nunca deixar de me angustiar com as coisas difíceis que irão acontecer. A possibilidade de dormir sem remorso quando isso acontece é assustadora. No thank you, life.
***
Faz parte das coisas que aconteceram nos últimos 5 anos e que queria contar eventualmente, mas hoje me peguei lembrando de um mercadinho de rua em Tartu, a segunda maior cidade da Estônia (o que não quer dizer que seja grande, em absoluto). É uma cidade linda, maravilhosa de passear (quando não está debaixo de neve), com prédios lindos e uma história fantástica, onde aconteceu um congresso em que fui. Lugar encantador mesmo. E lá, nesse mercado, do lado de uma praia de rio onde os quase albinos estonianos lagarteavam felizes com um sol de 15 graus, comprei sacos de morangos, framboesas e outras frutas vermelhas, já que estavam na estação, por preços muito baratos! Algo como um saco, pra comer até se empanturrar, por 2 euros, algo assim.
Os cogumelos são incríveis também! Lindos e muito baratos. Já tinha percebido isso quando fui pra Finlândia, fuçando nos mercados de rua, que essas coisas naquelas bandas, são privilégio daquele pessoal. Mas as frutas vermelhas eram algo de outro mundo - e dava pra comer na hora. Doces, deliciosas, saídas de contos de fada.
Não tenho foto das frutas vermelhas - uma coisa linda só de olhar -, mas aqui uma fotinho do mercado e das várias coisas mágicas que você encontrava. Saídas de outra época, parece. De outro mundo. Um que está se redescobrindo, depois de áridas décadas soviéticas que devem ter sido uó.
Thanks, estonian people!
Hoje o facebook (existia facebook na época em que escrevi o último post antes dessa nova fase?) me perguntou se eu queria fazer a retrospectiva do ano. Como parece ser algo generalizado, eu quero que 2015 acabe logo. Existem algumas boas coisas que aconteceram - e, no meio de tanta angústia, elas se sobressaem muito. Não preciso de ajuda pra lembrar, thanks very much, Mark.
***
Eu descobri o como ter estudado o que estudei não me preparou para uma parte da academia bastante dura. Percebi que preciso aprender a ser mais pé no chão para muita coisa. Mas percebi sobretudo que não quero nunca deixar de me angustiar com as coisas difíceis que irão acontecer. A possibilidade de dormir sem remorso quando isso acontece é assustadora. No thank you, life.
***
Faz parte das coisas que aconteceram nos últimos 5 anos e que queria contar eventualmente, mas hoje me peguei lembrando de um mercadinho de rua em Tartu, a segunda maior cidade da Estônia (o que não quer dizer que seja grande, em absoluto). É uma cidade linda, maravilhosa de passear (quando não está debaixo de neve), com prédios lindos e uma história fantástica, onde aconteceu um congresso em que fui. Lugar encantador mesmo. E lá, nesse mercado, do lado de uma praia de rio onde os quase albinos estonianos lagarteavam felizes com um sol de 15 graus, comprei sacos de morangos, framboesas e outras frutas vermelhas, já que estavam na estação, por preços muito baratos! Algo como um saco, pra comer até se empanturrar, por 2 euros, algo assim.
Os cogumelos são incríveis também! Lindos e muito baratos. Já tinha percebido isso quando fui pra Finlândia, fuçando nos mercados de rua, que essas coisas naquelas bandas, são privilégio daquele pessoal. Mas as frutas vermelhas eram algo de outro mundo - e dava pra comer na hora. Doces, deliciosas, saídas de contos de fada.
Não tenho foto das frutas vermelhas - uma coisa linda só de olhar -, mas aqui uma fotinho do mercado e das várias coisas mágicas que você encontrava. Saídas de outra época, parece. De outro mundo. Um que está se redescobrindo, depois de áridas décadas soviéticas que devem ter sido uó.
Thanks, estonian people!
sábado, dezembro 12, 2015
Descobrir a si
Fui nesta sexta para Santo André, essa cidade tão estranha, onde pude comprovar a existência daquela palavrinha que aprendi nas aulas de geografia e que mais parece sintoma de resfriado: conurbação. Não deve ser fácil ser conurbado com São Paulo (e adjacências do abecedário). Parece que é tudo uma grande cidade que só termina chegando no pé da serra. É mesmo uma cidade feia, mas com charme... se é que isso faz sentido.
Bom, mas sobre ontem... Fiquei alguns anos sem ir pra lá. Fui algumas vezes enquanto o pai da Dani tinha consultório naquelas bandas. E ontem fui lá de novo, acompanhando, como ajudante de pesquisa, a Dani, que ia fazer a última reunião de grupo de mindfulness que ela estava ajudando a coordenar, no prédio da Escola de Saúde, na praça do Carmo, no centrão de Santo André.
É um programa muito bonito, feito em parceria com a prefeitura de Santo André, para implementar um protocolo de atendimento para trabalhadoras do SUS, sofrendo com depressão, sofrendo com stress, dores crônicas. Daquelas coisas que salvam um pouco o mundo, sabe?
A Dani me pediu pra ajudá-la. "É só ser antropólogo e me ajudar a anotar o que acontece na prática". E foi legal mesmo. Fazia algum tempo que eu não pegava meu caderninho e ficava anotando. Arrisquei até um desenho da coisa toda.
Assisti apenas essa última sessão (foram duas semanas de práticas) e não participei desde o começo, mas deu para perceber que a iniciativa deu certo. As mulheres (eram nove, duas bem jovenzinhas e uma mais idosa, e seis outras com idades no intervalo) fizeram questão de agradecer muito as coordenadoras das práticas de meditação - a Dani e duas amigas dela, uma nutricionista e uma psicóloga. Quiseram deixar claro como tinham gostado, como a meditação tinha ajudado. No final até eu, que estava lá como "ajudante antropólogo que ia tomar umas notas" e fiquei quieto todo o tempo, ganhei abraços de todas - tão agradecidas estavam. Foi muito bom ganhar um abraço de alguém que nunca tinha visto antes e isso não ter sido constrangedor. Abraços de pessoas que não ajudei em absoluto, mas que nem por isso estavam dispostas a deixar de mostrar que estavam felizes. Me senti bem, mesmo que um pouco embaraçado depois. Não fiz nada por aqueles abraços. Mas no final das contas... isso importa para um abraço?
Há algo de muito bacana numa dinâmica de grupo. Depois que a primeira pessoa arruma coragem para contar algo, as outras conseguem fazer também. E os relatos são tão doloridos... Mas bonitos também. A mais idosa logo lembrou como a meditação ajudou nas dores do corpo - e também da mente; ela havia perdido a irmã apenas há duas semanas e estava fragilizada. Estava com medo de ter que ir num psiquiatra e só remédios ajudarem.
Uma outra moça, de vestido vermelho, logo deu o depoimento mais contundente: ela descobriu que não conhecia o próprio corpo... "Tocava o pé e não parecia que era meu", disse. Nestas duas semanas começou um exercício de sentir sensações nas pernas, que não sabia que tinha perdido.
Outra contou como era duro ser taxada de louca; como esse medo, de acabar sendo despedida se descobrirem o nível de stress que passa, faz com que sempre engula as piadinhas, o bullying. E como estava conseguindo não brigar com ninguém. E que isso era importante pra ela.
Mas o que foi mais falado mesmo é a dor. A dor que, para melhorar, primeiro tem que ser reconhecida. Não por acaso, quando a Dani perguntou qual foi o exercício preferido, elas disseram que foi o escaneamento corporal. Havia algo de muito assustador ouvir como essas mulheres, com seus turnos de trabalho extenuantes, de horas de pé a fio, tão fortes, tão resilientes, perderam a conexão com os próprios corpos.
Falaram, quase todas, como descobriram que merecem ser cuidadas também. Porque trabalham com o cuidar de pessoas. E, para isso, precisam estar bem primeiro. A moça de vermelho disse "passei a prestar atenção em mim". Várias concordaram que é muito fácil não se importar. Ou então virarem máquinas, para dessensibilizar o que no fundo não pode ser dessensibilizado. Ou guardarem tudo, ou descontarem nos outros, ou de querer controlar tudo - e não conseguirem, ao final. De como é fácil lidar da pior maneira com o sofrimento dos outros, de deixar de acolher para se proteger. A mais idosa resumiu: "os primeiros pacientes do SUS temos que ser nós". E a moça de vermelho completou: "é bom pensar em mim, em nós, como somos importantes. Me valorizar".
As pessoas estavam descobrindo a si mesmas. E foi difícil ver como a consciência da renúncia de si pode ser avassaladora. Para outras foi demais. Afinal, começaram o grupo com 39 pessoas, há duas semanas. Estas 9 chegaram, como disseram, como sobreviventes. Mas ao mesmo tempo, testemunhar esse sobreviver e esse reconhecer do próprio corpo foi um privilégio.
Que nos sirva de lição, para cuidarmos de nós mesmos também. Ou, como dizia a mensagem de biscoito da sorte, mas no pirulito que eu também ganhei, ao final: "A inspiração que você procura está dentro de você, fique em silêncio e escute" (Rumi).
*******
O lindo desenho, que ficou perfeito no post, é da minha querida amiga Karina, que está virando parceira deste blog! Quando eu contei um pouco do dia de ontem ela quis me mandar um desenho de modelo vivo, para simbolizar o descobrimento de si...
A foto é do pirulito que ganhei da Vera, a simpática nutricionista, que tem um filho de 14 anos que, como eu, adora ver vídeo de joguinhos no youtube.
sábado, dezembro 05, 2015
Um brilho.
A minha geração aprendeu que o ensino público e gratuito provido pelo Estado estava falido. Aquilo que havia sido a joia e o orgulho da geração anterior, a dos meus pais, era coisa do passado. Apenas quem não tinha dinheiro ou talento, quem não queria novamente repetir de ano ou não estava a fim de estudar, "ia para o Estado". A conversa era apenas em que colégio particular você iria ter mais chance de ter uma boa formação e em qual você tinha mais chance de passar no vestibular.
E então, o que vinha a ser mais um golpe, inevitável e melancólico, ao legado do ensino público - o mal disfarçado eufemismo reorganizatório (rumo ao fim do direito ao ensino, na sanha privatizante) - encontrou resistência. Começaram algumas ocupações, realizadas pelos jovens e pelas jovens estudantes secundaristas - ocupações que a imprensa teimava em colocar em suspeita, numa nojenta e tosca tentativa de criminalização, ao invés de louvar o espírito de luta e a recusa da dor de uma vida em constante resignação, tão esperada e certa para esta geração.
Essas ocupações logo multiplicaram-se. Começamos a prestar atenção, admirados com o idealismo destes estudantes. E essa admiração começou a virar orgulho, destas pessoas e sua crença de que algo valia a pena ser defendido.
Logo veio a repressão. As manobras, as chantagens, a tentativa de desmobilizar quem só ficou mais convicto da justeza de sua peleja. Aulas públicas foram organizadas, doações de alimentos foram realizadas, para que estes estudantes tivessem algum apoio em suas ocupações. Mas o protagonismo foi sempre destes e destas adolescentes. E era assim que devia ser. E o sacrifício também foi deles, mas também a nobreza. Recusaram o partidarismo, a cooptação dos movimentos já engessados em suas visões viciadas. Mantiveram como bandeira a defesa por uma educação mais digna e a possibilidade de continuar estudando onde têm direito de assim o fazer. E isso mais do que bastava.
O país pegava fogo. Em Minas, escorremos rumo ao Espírito Santo, correndo incrédulos e dilacerados rumo ao mar. Mas também em revoltas em condições bárbaras no cárcere nordestino. Em genocídios da juventude negra na cidade bonita. No machismo endêmico e assassino. Em revanchismos egoístas e irresponsáveis de um bandido com diploma e mandato. E o governo do estado ressecado e murcho, sedento e indiferente, anestesiado e doente, quis engrossar a voz e colocar a molecada no seu lugar. Quebrou a cara. A cada cena das atrocidades cometidas contra os jovens a vontade apenas intensificava.
Falaram "mas e as reposições? E o perigo do teor político do movimento?" Eu tenho certeza de que estes meninos e estas meninas aprenderam muito mais do que a bonita derivada e a nobre gramática. Aprenderam a boa política. E nós, aprendemos alguma coisa juntos - inclusive a sermos menos cínicos e podermos de novo nos permitir maravilhar.
O governo que resolveu recuar, mas que tentou ser malandro deixando a possibilidade de retomar os planos eufemísticos, pode se livrar, novamente. É provável, aliás, que isso aconteça. Como tem acontecido, incrivelmente e quase incompreensivelmente, nos últimos anos. Mas como todo autoritarismo, este carece de inteligência. Não percebe que aquilo que o constitui é o que o torna abjeto e é o que o destituirá eventualmente.
Pois uma geração de gente muito melhor do que a minha acaba de nascer. E podemos ter alguma esperança novamente. Em um futuro em que os que hoje odeiam irão, aos poucos, sendo colocado de lado. Em que passem como nada mais do que uma memória incômoda e um tanto embaraçosa.
E mesmo um futuro em que aqueles que, como eu, acreditavam que as coisas estavam fadadas - como estava fadado, o ensino público e gratuito, à miséria e à mediocridade -, fadadas a algo, a qualquer coisa, redescubram alguma coisa para chorar emocionados.
E então, o que vinha a ser mais um golpe, inevitável e melancólico, ao legado do ensino público - o mal disfarçado eufemismo reorganizatório (rumo ao fim do direito ao ensino, na sanha privatizante) - encontrou resistência. Começaram algumas ocupações, realizadas pelos jovens e pelas jovens estudantes secundaristas - ocupações que a imprensa teimava em colocar em suspeita, numa nojenta e tosca tentativa de criminalização, ao invés de louvar o espírito de luta e a recusa da dor de uma vida em constante resignação, tão esperada e certa para esta geração.
Essas ocupações logo multiplicaram-se. Começamos a prestar atenção, admirados com o idealismo destes estudantes. E essa admiração começou a virar orgulho, destas pessoas e sua crença de que algo valia a pena ser defendido.
Logo veio a repressão. As manobras, as chantagens, a tentativa de desmobilizar quem só ficou mais convicto da justeza de sua peleja. Aulas públicas foram organizadas, doações de alimentos foram realizadas, para que estes estudantes tivessem algum apoio em suas ocupações. Mas o protagonismo foi sempre destes e destas adolescentes. E era assim que devia ser. E o sacrifício também foi deles, mas também a nobreza. Recusaram o partidarismo, a cooptação dos movimentos já engessados em suas visões viciadas. Mantiveram como bandeira a defesa por uma educação mais digna e a possibilidade de continuar estudando onde têm direito de assim o fazer. E isso mais do que bastava.
O país pegava fogo. Em Minas, escorremos rumo ao Espírito Santo, correndo incrédulos e dilacerados rumo ao mar. Mas também em revoltas em condições bárbaras no cárcere nordestino. Em genocídios da juventude negra na cidade bonita. No machismo endêmico e assassino. Em revanchismos egoístas e irresponsáveis de um bandido com diploma e mandato. E o governo do estado ressecado e murcho, sedento e indiferente, anestesiado e doente, quis engrossar a voz e colocar a molecada no seu lugar. Quebrou a cara. A cada cena das atrocidades cometidas contra os jovens a vontade apenas intensificava.
Falaram "mas e as reposições? E o perigo do teor político do movimento?" Eu tenho certeza de que estes meninos e estas meninas aprenderam muito mais do que a bonita derivada e a nobre gramática. Aprenderam a boa política. E nós, aprendemos alguma coisa juntos - inclusive a sermos menos cínicos e podermos de novo nos permitir maravilhar.
O governo que resolveu recuar, mas que tentou ser malandro deixando a possibilidade de retomar os planos eufemísticos, pode se livrar, novamente. É provável, aliás, que isso aconteça. Como tem acontecido, incrivelmente e quase incompreensivelmente, nos últimos anos. Mas como todo autoritarismo, este carece de inteligência. Não percebe que aquilo que o constitui é o que o torna abjeto e é o que o destituirá eventualmente.
Pois uma geração de gente muito melhor do que a minha acaba de nascer. E podemos ter alguma esperança novamente. Em um futuro em que os que hoje odeiam irão, aos poucos, sendo colocado de lado. Em que passem como nada mais do que uma memória incômoda e um tanto embaraçosa.
E mesmo um futuro em que aqueles que, como eu, acreditavam que as coisas estavam fadadas - como estava fadado, o ensino público e gratuito, à miséria e à mediocridade -, fadadas a algo, a qualquer coisa, redescubram alguma coisa para chorar emocionados.
Assinar:
Postagens (Atom)