domingo, novembro 01, 2015

Conversa de consultório

Post um pouco atrasado... era pra ter saído ontem. Eu já estava escrevendo toda uma crítica social espirituosa e um pouco apimentada. Mas resolvi que ia deixar guardado, o texto. Quem sabe depois... quem sabe nunca... tenho ficado cansado do embate tosco e polarizado.

Ao invés disso, um post mais breve, mais light. E um pouco estranho.

Tenho tido umas dores esquisitas ultimamente. Que me fizeram cortar o glúten (e agora, querendo cortar o leite, pra ver se ajuda) e, essa semana, fazer alguns exames meio que a contragosto. Um deles, uma endoscopia, me rendeu uma conversa que (não) tento contar mais adiante.

***

Lá fui eu, sexta cedinho, de jejum, no consultório de gastrologia. É incrível porque é uma verdadeira linha de produção, para um exame não tão simples. Espera na salinha com mesas com revistas de variedade, entra na outra salinha, deita de lado na maca, ganha agulha na mão, "ai, dói", toma um gás na fuça, apaga. Repete o processo com o próximo alguns minutinhos depois. Eu ganhei um baita de um hematoma na mão por conta dessa agilidade.

E aí acordo, talvez meia hora depois, não sei, não lembro, em outra salinha ainda, numa poltroninha reclinável, ao lado de outras pessoas desacordadas em suas poltroninhas reclináveis. Cena estranha, né? Também achei. Eu que não tenho lembrança nenhuma de ser carregado, como vi uma moça que estava chegando nesta terceira salinha ser. Ainda bem grogue, fiquei olhando para as outras 3 pessoas ali apagadas (uma enfermeira por duas vezes ficou chamando uma delas, ainda na maca, mas nada, nem um sinal, mesmo com uma sacudida). Estava tentando entender o que tinha acontecido. Nem nas piores bebedeiras eu fico sem me lembrar de nada.

Fiquei vendo as pessoas apagadas e uma outra moça, mais velha, que estava olhando sonolenta pros lados, como uma passageira de avião acordando depois de uma turbulência, ou depois das luzes se acenderem; e então tentar se localizar - justamente o que não dá pra fazer num avião em movimento. Você espera a familiaridade da sua cama, então demora um pouquinho pra perceber onde está. Não sei se é uma sensação necessariamente ruim, mas beira o surreal.

Dois minutinhos, a moça, já mais consciente, é levada para outra salinha (quantas salinhas existem?). Espero mais um pouco e logo uma enfermeira (será a mesma de antes?), que já percebeu que estou acordado, se aproxima, pega no meu braço e me leva dali.

Chego na mesma salinha (a quarta, se você não está contando) da moça que acabou de ser levada. Ela está sentada na frente de uma mesa, tomando chá e comendo bolachas. Começo a fazer o mesmo. O chá está bom, a bolacha também. Mas também, depois de horas de jejum de comida e bebida, qualquer coisa ia ser bem vinda!

E aí começa uma conversa estranha, devagar, arrastada. Os raciocínios ainda nublados, ainda acordando, tentando entrar em movimento. Falamos de nossos sintomas, claro. Por quê estamos ali? Não é por causa do chá - que está muito bom, por sinal. Falamos do stress da vida cotidiana. Seria inevitável chegar no assunto Cantareira ou na lama da crise nacional? Aquela conversa de reconhecimento de território nos não-lugares, de que fala o Augé? Dos shoppings e aeroportos, espaços de passagem em que as fronteiras sociais estão sendo justamente testadas e o ressentimento aflora?

Mas não. Descobrimos que gostamos de quadrinhos. Conversa vai e vem; algum tempo depois chega a enfermeira (será outra?), trazendo um rapaz, que deve ter acordado recentemente, que senta-se e pega seu copo de chá e sua cota de bolachas. A enfermeira então pergunta se estamos bem para irmos. -Só mais um pouco, já já. A conversa está boa, o chá não muito quente, não sei em que sala estou. Fight the power, resistimos ao sistema!

Foram ótimos - o que, 10 minutos? No final fomos levados para a sala da entrada (essa bem grande), fora do labirinto clínico. Me despedi da minha amiga, que nem sei o nome. "Boa sorte, heim?!", "Tchau!".

O problema é que eu não lembro do que falamos sobre os quadrinhos...

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