Existem documentários que te deixam mal, ou então indiginado. Mas realmente poucos produzem alguma ação concreta por parte da maioria das pessoas.
Há os documentários de bichos. Tanto os na linha "a vida natural como ela é", como os de alerta para extinção de algum animalzinho. Claro, esses tocam. Talvez você até dê um dinheirinho pra WWF algum dia. No fundo acho que, sendo cruel, mas sincero, que esses documentários são aparentados com os sobre a miséria e a fome - essencialmente africana. A lógica é a da esmola, que anestesia a consciência e a culpa com uma doação anual para a Unicef ou órgão semelhante.
Já os documentários de atentado começaram a virar moda. Claro, com um aumento de 300% dos atentados terroristas nos últimos 5 anos, seria o normal. Esses horrorizam, fazem você se perguntar se este é o mundo que você quer para o seu filho, te deixam neurótico. Você critica o imperialismo americano, tenta compreender porque um cara se entupiu de explosivos e matou trocentos ao seu redor. Mas o que exatamente isso produz, além de uma sensação de que você está ciente da existência dos tumores terrestres e aquele monte de playboys e patricinhas no bar não? Como se essa grande vantagem sobre os demais ignorantes fosse algo que te faça dormir melhor. E no fundo sempre dizem respeito a umas pessoas por demais distantes de nós para que algo além de uma empatia por dó surja.
Existem também os documentários do tipo "Michael Moore", ligados aos documentários de terrorismo, mas focados principalmente nas mazelas da vida política dos grandes centros industriais e econômicos - EUA, essencialmente, mas existem vários sobre nossa própria violência simbólica e física tupiniquim. Esses fazem você ter nojo da política tal como ela se apresenta. Talvez sejam os mais eficientes, mas é difícil medir o que de fato muda na consciência da cidadania, exercida e presente na população. Às vezes o que acontece é o surgimento, simplesmente, de um discurso anti-americanista sem qualquer reflexão mais apurada de porque os tais imperialismos devem criticados. Daí para o chavismo é um pulo. Pode ser munição para os "fundamentalismos bem-intencionados".
Existem os variados documentários sobre a cultura e a vida cotidiana. A maioria desses entra para o repertório de "curiosidades" ou "cultura geral" no arcabouço de cada pessoa. Meio como um atestado de que realmente há algo de errado na pragmática da vida contemporânea, refletida nas bizarrices e absurdos do comportamento das inúmeras "tribos" sociais, sejam os gordos, os anoréxicos (o assunto do momento), ou o pessoal sm.
Claro, alguma coisa de bom todos esses documentários fazem. Os que criam alguma nova consciência nas crianças (tipo o "Nós que aqui estamos..." ou o "Ilha das flores", passados nas escolas). Os que ajudam a estender a indignação com as coisas terríveis que acontecem diariamente por aí.
E existem vários deles agora que ganharam um nicho cinematográfico considerável. O filme do Al Gore parece ser assustador (não porque diga algo novo, mas porque um ex-político importante confirma o que até agora apenas os ambientalistas desprestigiados diziam). O Lelê e a Vanessa disseram que o tal documetário "A carne é fraca" está convertendo diversas pessoas ao vegetarianismo (realmente você acaba se perguntando o quanto sua ignorância é desculpa para continuar a perpetuação de uma indústria no mínimo duvidosa). Efeito semelhante produzido pelos documentários sobre cigarro (como continuamos a fumar depois de saber de algumas coisas?), ou pelo já manjado "Supersize me". Na linha da consciência sobre nossa indústria alimentar - estamos falando de carne, especialmente - tem também o Earthlings, narrado pelo Joaquin Phoenix, com a trilha composta pelo Moby. Esse dá vontade de apertar o botão de desliga - seja qual for ele. Eu chorei como um bebê, meu coração parecia ficar menor e menor, fiquei enjoado e com a sensação que a humanidade não presta e é essencialmente cruel - e covarde, tanto pelo que faz como por preferir a ignorância do que é feito. É quase insuportável de assistir. Mas não é nem um pouco ignorável.
Você pode saber mais sobre Earthlings ou algum que ainda não viu no you tube. É rapidinho e fácil de achar. Se você procurar por "Terráqueos", acha legendado. Lembra muito as discussões com a Nádia sobre uma antropologia que lide com nossa relação com os animais. Na época, faltou-me a perspectiva sensitiva, acho. Como também a constatação de que é um assunto, sim, que merece atenção e é importante. Algo que o Peter Singer, no "Animal Liberation", tão bem colocou. Aliás, acho que é O assunto a ser discutido. O armagedon não é apenas mítico, nem apenas simbólico.
Bom, eu acho que as pessoas deveriam saber e ver, mas não acho que seja para qualquer um. Esteja avisado... Existem também alguns fóruns de discussão, que dão raiva, pra falar a verdade. Um monte de gente querendo chocar, mas no fundo acreditando em nada mais que novas formas de tortura e genocídio.
Mas no fundo são poucos os que fazem algo a respeito de todos esses problemas (eu, me apresso em dizer, não sou um). E há como uma chavinha que você desliga para poder viver a sua vida. Isso até é necessário, não dá pra ficar imaginando todo a hora nas milhares de mortes, nas milhões de pessoas que passam fome, nos milhares de estupros, em todos os cachorrinhos abandonados na rua que existem por aí nesse exato momento em que eu escrevo, e que continuarão a existir no momento em que você ler isso.
Agora, um documentário como esse "Fuerza Aerea S.A.", parece que pode gerar algum efeito a curto prazo. Parece que já está gerando, na Argentina. Porque se metade dele for verdade, alguém tem que fazer alguma coisa. Se você não ouviu falar desse filme ainda, não sou eu que vai te explicar. Procure. Acho que o efeito e a reflexão são maiores, nesses documentários, se a pessoa vai atrás.
quinta-feira, novembro 23, 2006
terça-feira, novembro 21, 2006
Grilo falante
Ontem uma querida e linda amiga veio visitar. Ficamos papeando, fumando e bebendo, e adorei! Depois de umas cervejinhas me aventurei - bem pouco, é verdade - numa pinga salineira. Pronto, foi o suficiente pra não conseguir fazer mais nada!
O convite era ir depois pra uma boate, fazer uma balada sem muitos planejamentos. Uma parte de mim queria muito ir - teria ido uns anos atrás, mesmo com a ebriedade comprometida - mas sabia que não seria uma boa idéia. Sinal amarelo: a consciência começa a vencer... e já não posso mais misturar.
O que me deixa relativamente tranquilo e não convencido de que virei um velho de 100 anos é que queria ir... pelo menos.
Outro dia tive daquelas aventuras estúpidas que se dá risada depois que passa a dor de cabeça. Depois de já suficientemente bêbado, resolvi, com um amigo igualmente empolgado, acabar com uma garrafa de aguardente - com tanto álcool que serviria de desinfetante. Não satisfeitos, começamos a segunda, seguida de vinho e mais cerveja. Lembro de flashs, discutindo política PSDB x PT, falando em línguas diferentes e, de repente, estou em casa, abraçado com minha amiga carina (meu vaso bege). Meu anjo da guarda sempre foi meio bebum, é certo, mas ultimamente começo a achar que não posso mais fazer essas coisas...
*******
PS - Por quê toda propaganda de pasta de dente é ruim? E por quê toda propaganda de pasta de dente é estruturalmente idêntica à propaganda de sabão em pó? Mulheres irreais, takes rápidos e mal-feitos, cenas familiares artificiais, figurantes inexpressivos, música deprimente, e um branco tão opressor que me lembra Poltergeist.
PS2 - Começo a ficar realmente com medo de avião... segundo meu pai, o problema não é o tráfego intenso, mas a comunicação babélica: "repeat it again, please?" é o jargão padrão.
O convite era ir depois pra uma boate, fazer uma balada sem muitos planejamentos. Uma parte de mim queria muito ir - teria ido uns anos atrás, mesmo com a ebriedade comprometida - mas sabia que não seria uma boa idéia. Sinal amarelo: a consciência começa a vencer... e já não posso mais misturar.
O que me deixa relativamente tranquilo e não convencido de que virei um velho de 100 anos é que queria ir... pelo menos.
Outro dia tive daquelas aventuras estúpidas que se dá risada depois que passa a dor de cabeça. Depois de já suficientemente bêbado, resolvi, com um amigo igualmente empolgado, acabar com uma garrafa de aguardente - com tanto álcool que serviria de desinfetante. Não satisfeitos, começamos a segunda, seguida de vinho e mais cerveja. Lembro de flashs, discutindo política PSDB x PT, falando em línguas diferentes e, de repente, estou em casa, abraçado com minha amiga carina (meu vaso bege). Meu anjo da guarda sempre foi meio bebum, é certo, mas ultimamente começo a achar que não posso mais fazer essas coisas...
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PS - Por quê toda propaganda de pasta de dente é ruim? E por quê toda propaganda de pasta de dente é estruturalmente idêntica à propaganda de sabão em pó? Mulheres irreais, takes rápidos e mal-feitos, cenas familiares artificiais, figurantes inexpressivos, música deprimente, e um branco tão opressor que me lembra Poltergeist.
PS2 - Começo a ficar realmente com medo de avião... segundo meu pai, o problema não é o tráfego intenso, mas a comunicação babélica: "repeat it again, please?" é o jargão padrão.
sexta-feira, novembro 17, 2006
Zapping
Sitcoms e seriados em geral viraram uma grande indústria. Talvez mais estável e segura que Hollywood, arriscaria dizer - ainda que potencialmente não tão lucrativa. A fórmula "fazer sucesso em um seriado e depois ir fazer filme", está mudando. Vários atores que fizeram cinema emprestam seus nomes, junto com algum produtor fodão, para lançar um novo seriado e então revertar a tal fórmula.
E estes seriados vão se segmentando, abocanhando um bom pedaço do mercado televisivo - que não é apenas americano há tempos.
Cada seriado tem seu público específico. Há gosto para tudo e os produtores perceberam isso. O resultado é que quem tem a grana está apostando nas mais variadas idéias. Claro que muitas não vingam - há seriados que não completam sequer uma temporada antes de serem tirados do ar. Mas o que acontece também é que muitas boas idéias são produzidas. E diferentes. Os que mais gosto começam a superar a tirania da chatice do politicamente correto, que dominou completamente a década passada - ainda que não consigam fazê-lo completamente, no fundo. Seriados em que os protagonistas não são bons, trapaceiam e fazem merda.
Na verdade já não consigo acompanhar nem metade dos seriados que passam na tv. Isso porque estou no Brasil; não temos aqui nem metade do que é feito lá fora. Isso porque eu fico horas todo dia na frente da tv...
Mas alguns seriados têm me cativado ultimamente. Earl é bom, Lost ainda me agrada muito (agora está na terceira temporada, mas haverá um irritante intervalo até o ano que vem). Descobri pelo meu irmão Heroes, que é muuuito legal também, mas só estréia aqui no ano que vem. Brotherhood, o dos irmãos irlandeses, é excelente - malvado (como foi o filme do Scorsese) e bem feito. House é fascinante e o Hugh Laurie é fenomenal. E há outros seriados novos que prometem também...
E ainda vejo, sempre que passa, Gilmore Girls, Scrubs, E.R., os programas de madrugada, os de culinária, os de construir motos e carros, os behavioristas (ou reality shows, como querem designá-los)... mesmo Seinfeld e Friends de vez em quando eu dou uma olhada. Agora só falta eu mudar de tema de pesquisa e fazer um trabalho sobre isso... :p
E estes seriados vão se segmentando, abocanhando um bom pedaço do mercado televisivo - que não é apenas americano há tempos.
Cada seriado tem seu público específico. Há gosto para tudo e os produtores perceberam isso. O resultado é que quem tem a grana está apostando nas mais variadas idéias. Claro que muitas não vingam - há seriados que não completam sequer uma temporada antes de serem tirados do ar. Mas o que acontece também é que muitas boas idéias são produzidas. E diferentes. Os que mais gosto começam a superar a tirania da chatice do politicamente correto, que dominou completamente a década passada - ainda que não consigam fazê-lo completamente, no fundo. Seriados em que os protagonistas não são bons, trapaceiam e fazem merda.
Na verdade já não consigo acompanhar nem metade dos seriados que passam na tv. Isso porque estou no Brasil; não temos aqui nem metade do que é feito lá fora. Isso porque eu fico horas todo dia na frente da tv...
Mas alguns seriados têm me cativado ultimamente. Earl é bom, Lost ainda me agrada muito (agora está na terceira temporada, mas haverá um irritante intervalo até o ano que vem). Descobri pelo meu irmão Heroes, que é muuuito legal também, mas só estréia aqui no ano que vem. Brotherhood, o dos irmãos irlandeses, é excelente - malvado (como foi o filme do Scorsese) e bem feito. House é fascinante e o Hugh Laurie é fenomenal. E há outros seriados novos que prometem também...
E ainda vejo, sempre que passa, Gilmore Girls, Scrubs, E.R., os programas de madrugada, os de culinária, os de construir motos e carros, os behavioristas (ou reality shows, como querem designá-los)... mesmo Seinfeld e Friends de vez em quando eu dou uma olhada. Agora só falta eu mudar de tema de pesquisa e fazer um trabalho sobre isso... :p
quinta-feira, novembro 16, 2006
Brit invasion all over again
Ontem, assistindo besteiras pela tv, caí num desses programas de carro, Fuel. Programa inglês em que o apresentador vai nas casas dos aficionados por carros, mostrar as carangas que eles têm. O interessante do programa, na verdade, foi que um dos entrevistados era o Bez! Ele está vivo! E com uns carros muito estranhos (bem, ELE está muito estranho - o que é o esperado depois de décadas de uma dieta intensiva de drogas - mas também ligeiramente compreensível, considerando tudo)...
O programa serviu pra comprovar duas coisas: os ingleses estão tomando alguns espaços, e também são muito mais resistentes que os americanos (compare as cervejas, por exemplo).
Bom, e a nova invasão britânica não fica agora só na música. É só dar uma olhada nos programas da gnt, multishow e por aí vai. É programa de babá, de cozinheiro(s), programa com fundo psicológico para leigos, de decoração, de moda, de dieta (sim, eles estão alcançando os americanos no quesito obesidade)...
Agora, por quê mais resistentes? Começo a achar que isso é verdade. Pelo menos em relação aos equivalentes junkys americanos. Os ex-colonizados morrem aos montes, de overdose, suicídio, acidente... mas seus parentes do velho continente estão aí, nem tão firmes, nem tão fortes, é verdade, mas alive and kicking at least.
Essa geração de setenta/oitenta é impressionante. É verdade que houveram os que ficaram pelo caminho, como Ian Curtis ou o baterista do Lush. Mas de maneira geral os caras sobreviveram às bebedeiras, ao extasy e à heroína.
E muitas vezes ainda fazendo bom som!
O programa serviu pra comprovar duas coisas: os ingleses estão tomando alguns espaços, e também são muito mais resistentes que os americanos (compare as cervejas, por exemplo).
Bom, e a nova invasão britânica não fica agora só na música. É só dar uma olhada nos programas da gnt, multishow e por aí vai. É programa de babá, de cozinheiro(s), programa com fundo psicológico para leigos, de decoração, de moda, de dieta (sim, eles estão alcançando os americanos no quesito obesidade)...
Agora, por quê mais resistentes? Começo a achar que isso é verdade. Pelo menos em relação aos equivalentes junkys americanos. Os ex-colonizados morrem aos montes, de overdose, suicídio, acidente... mas seus parentes do velho continente estão aí, nem tão firmes, nem tão fortes, é verdade, mas alive and kicking at least.
Essa geração de setenta/oitenta é impressionante. É verdade que houveram os que ficaram pelo caminho, como Ian Curtis ou o baterista do Lush. Mas de maneira geral os caras sobreviveram às bebedeiras, ao extasy e à heroína.
E muitas vezes ainda fazendo bom som!
terça-feira, novembro 14, 2006
Um bom dia
Hoje fui me vacinar e conheci a parte nova de Viracopos. Hoje recebi meus resultados linguísticos - yes, everything is fine! Hoje também fui assistir ao filme do Scorsese (gostei muito!). E comprei 1 guinness pra comemorar...
Por falar em cerveja que não é cerveja, eis meu novo sonho de consumo (não, não se trata da homônima cerveja dos amigos):
Cara de vinho, preço de vinho, teor de vinho, mas é cerva! Agradecimentos ao Chaplin.
Agora rumo à terra zulu!
Por falar em cerveja que não é cerveja, eis meu novo sonho de consumo (não, não se trata da homônima cerveja dos amigos):
Cara de vinho, preço de vinho, teor de vinho, mas é cerva! Agradecimentos ao Chaplin.
Agora rumo à terra zulu!
sábado, novembro 11, 2006
Devaneio
Fiquei pensando, não sei exatamente porque, sobre algumas diferenças entre as pessoas. Bom, na verdade até sei porque. Agora mesmo, quase 2 da manhã, sou importunado por um carinha que acelera seu motor, já barulhento, há algum tempo lá na rua. Esse é um exemplo. Mas exatamento o que ele tem de diferente (fora um senso do que é legal meio deturpado e um futuro de surdez)?!
Me lembrei de um amigo meu de infância (são, aliás, nas amizades de infância que essas coisas mais me intrigam. Já contei sobre um amigo que virou um idiota completo). Enfim, esse meu amigo, oriundo de Teresina, Piauí, aquele estado-quase-não-estado, mas que cresceu na Alemanha Ocidental (tinha um sotaque muito legal, mas quando se punha a falar alemão era estranhíssimo), morava no mesmo quarteirão que eu, quando criança-quase-adolescente.
Fazíamos muita coisa juntos. Molecagens, geralmente. Mas molecagens ingênuas... Bom, uma vez quase nos ferramos quando uns caras (seriam a versão dos suburbanos americanos enamorados de suas armas?) sairam armados em bando (como se reunem rápido os cidadãos pra linchar alguém) por causa de nossas arruacinhas nos terrenos baldis das redondezas (sim, existiam muitos naquela época), pensando que fôssemos assaltantes.
Bom, mas geralmente não fazíamos nada muito pior que eventualmente quebrar uma janela jogando bets, levar uma bronca por fazer guerra de mamona, brincar com estilingue e ralar o couro caindo de bicicleta.
Só que esse amigo, quando começou a entrar de fato na adolescência, começou a ficar muito diferente. O pai dele, cirurgião do PS do HC (que deveria saber dos riscos de uma moto nas mãos de um moleque bem como a tragédia das armas de fogo), deu uma patinete motorizada ao rapaz. Depois deu uma ao irmão menor. Sem muita choradeira dos filhos, diga-se de passagem. Não sei com que idade foi isso. Lá pelos 12, 13, imagino.
Claro que naquela época eu também queria. Não uma patinete, que achava besta, mas uma mobilete, ou uma vespa, que alguns outros já tinham também.
Bom, algum tempo depois esse meu amigo ganhou uma vespa. Depois aprendeu a dirigir. Isso com uns 14, 15. Não só aprendeu a dirigir como o pai o ensinou a dar cavalo de pau, dar umas enquadradas. Pouco depois o ensinou a atirar. Acho que era o tipo de pai que leva o filho ao puteiro como presente de 15 anos.
Vira e mexe ele me contava que dava uns tiros com o 38 do pai. Uma vez até me convidou. Eu, que não tinha inveja da patinete, nem das manobras ao volante (mas tinha pela vespa), realmente não me interessei pela coisa. Pra falar a verdade, acho que nunca peguei numa arma. Não tenho uma repulsa de pessoa liberal-consciente, apenas não tenho vontade ou curiosidade...
Enfim, por essa época eu comecei a evitá-lo. Lembro que fazia uma verdadeira operação ninja quando ele tocava a campainha e eu fingia não estar em casa, me rastejando pelo chão da sala e espiando pela janela. Será que eram essas coisas todas o motivo disso? Não sei direito porque fiquei evitando-o, na verdade. Agora isso até me dá vergonha.
O fato é que ele se mudou para o Piauí depois. Fiquei sabendo que o pai arrumou uma amante e foi embora. A mãe morreu de câncer um tempo depois. Fiquei anos sem nem pensar nele. Até que o encontrei outro dia no banco, pagando umas contas. Estava careca, montou uma empresa, mas estava esquisitíssimo. Sua vida já não tem nada a ver com a minha. Acho que estava esquisito porque tinha toda a pinta de ser um desses caras que saem buzinando de madrugada, só que eu o conheci. Faz sentido?
Me lembrei de um amigo meu de infância (são, aliás, nas amizades de infância que essas coisas mais me intrigam. Já contei sobre um amigo que virou um idiota completo). Enfim, esse meu amigo, oriundo de Teresina, Piauí, aquele estado-quase-não-estado, mas que cresceu na Alemanha Ocidental (tinha um sotaque muito legal, mas quando se punha a falar alemão era estranhíssimo), morava no mesmo quarteirão que eu, quando criança-quase-adolescente.
Fazíamos muita coisa juntos. Molecagens, geralmente. Mas molecagens ingênuas... Bom, uma vez quase nos ferramos quando uns caras (seriam a versão dos suburbanos americanos enamorados de suas armas?) sairam armados em bando (como se reunem rápido os cidadãos pra linchar alguém) por causa de nossas arruacinhas nos terrenos baldis das redondezas (sim, existiam muitos naquela época), pensando que fôssemos assaltantes.
Bom, mas geralmente não fazíamos nada muito pior que eventualmente quebrar uma janela jogando bets, levar uma bronca por fazer guerra de mamona, brincar com estilingue e ralar o couro caindo de bicicleta.
Só que esse amigo, quando começou a entrar de fato na adolescência, começou a ficar muito diferente. O pai dele, cirurgião do PS do HC (que deveria saber dos riscos de uma moto nas mãos de um moleque bem como a tragédia das armas de fogo), deu uma patinete motorizada ao rapaz. Depois deu uma ao irmão menor. Sem muita choradeira dos filhos, diga-se de passagem. Não sei com que idade foi isso. Lá pelos 12, 13, imagino.
Claro que naquela época eu também queria. Não uma patinete, que achava besta, mas uma mobilete, ou uma vespa, que alguns outros já tinham também.
Bom, algum tempo depois esse meu amigo ganhou uma vespa. Depois aprendeu a dirigir. Isso com uns 14, 15. Não só aprendeu a dirigir como o pai o ensinou a dar cavalo de pau, dar umas enquadradas. Pouco depois o ensinou a atirar. Acho que era o tipo de pai que leva o filho ao puteiro como presente de 15 anos.
Vira e mexe ele me contava que dava uns tiros com o 38 do pai. Uma vez até me convidou. Eu, que não tinha inveja da patinete, nem das manobras ao volante (mas tinha pela vespa), realmente não me interessei pela coisa. Pra falar a verdade, acho que nunca peguei numa arma. Não tenho uma repulsa de pessoa liberal-consciente, apenas não tenho vontade ou curiosidade...
Enfim, por essa época eu comecei a evitá-lo. Lembro que fazia uma verdadeira operação ninja quando ele tocava a campainha e eu fingia não estar em casa, me rastejando pelo chão da sala e espiando pela janela. Será que eram essas coisas todas o motivo disso? Não sei direito porque fiquei evitando-o, na verdade. Agora isso até me dá vergonha.
O fato é que ele se mudou para o Piauí depois. Fiquei sabendo que o pai arrumou uma amante e foi embora. A mãe morreu de câncer um tempo depois. Fiquei anos sem nem pensar nele. Até que o encontrei outro dia no banco, pagando umas contas. Estava careca, montou uma empresa, mas estava esquisitíssimo. Sua vida já não tem nada a ver com a minha. Acho que estava esquisito porque tinha toda a pinta de ser um desses caras que saem buzinando de madrugada, só que eu o conheci. Faz sentido?
domingo, novembro 05, 2006
Momento neuras
Não aguento mais o pagode que reina em cada canto do meu bairro. Como não aguento mais os imbecis que adoram ficar gritando na rua às 5 da manhã pra "causar".
Não quero pirar em nenhuma mamata que deixa dezenas de pessoas 1064 reais mais ricas.
Não quero saber se a apresentadora de 6 dedos trepou com o namorado na praia.
Me irrita pensar que a única profissão mais ingrata que a minha, a de músico, provenha fortunas a tantos medíocres (ou pior que isso), enquanto tenho dúzias de amigos excelentes que pagam pra tocar.
Me irrita, mais do que tudo, que tudo isso pareça normal.
Não quero pirar em nenhuma mamata que deixa dezenas de pessoas 1064 reais mais ricas.
Não quero saber se a apresentadora de 6 dedos trepou com o namorado na praia.
Me irrita pensar que a única profissão mais ingrata que a minha, a de músico, provenha fortunas a tantos medíocres (ou pior que isso), enquanto tenho dúzias de amigos excelentes que pagam pra tocar.
Me irrita, mais do que tudo, que tudo isso pareça normal.
quinta-feira, novembro 02, 2006
Escrito nas estrelas
Às vezes eu tenho esses arroubos espirituais. Sei lá, é quando meu ceticismo - já não muito convicto - entra em parafuso e dá lugar a algumas superstições e crendices diferentes.
Nem sei como começa e como termina. Mas fico meses pensando nas contas, na tese que anda parada, nas milhões de coisas muito terrenas e pragmáticas que preciso fazer e, de repente, me descubro rezando (da minha maneira toda particular), pensando em fantasmas, espíritos e na atmosfera diferente de um final de semana.
Acho que estou numa dessas fases. Estou achando tudo meio esquisito, pra começar com um certo mal-estar que me ronda esses dias - que, aliás, me impede de fazer qualquer coisa de produtiva (como se eu precisasse de mais desculpas pra ser vagabundo). Ontem chegou às raias de dar umas tonturas (talvez o fato de que tenho bebido praticamente todo dia desde meados de outubro ajude). Mas, enfim, é algo que há algum tempo queria entender melhor e não consigo.
Em São Carlos, no final de semana, acabei estacionando numa praça de lá. Como era sábado, a polícia não multaria quem não tivesse o cartão de zona azul depois da 1:00. Era quase meio-dia, então não achei que haveria qualquer problema.
Saio do carro, fecho, começo a andar e, meio com o canto do olho, reparo num carinha na esquina, olhando pro meu carro e anotando algo num bloquinho. Claro que fiquei meio incomodado. Não que o cara fosse um amarelinho à paisana, pensei, mas vai saber o que ele estava fazendo. A quantidade de novos golpes que eu fico sabendo quase todo dia, eleva meu nível de alerta ao vermelho com facilidade. As pessoas são muito criativas para se dar bem. Claro que, quando você sabe de um desses golpes, eles já não são mais aplicados e inventam outro mais mirabolante. Mas dá pelo menos para não subestimar a capacidade de charlatães e bandidos de toda sorte por aí.
Voltei. Decidi tirar o carro dali e estacionar mais pra frente. É, ele anotava a placa mesmo.
"Com licença, o senhor quer alguma coisa?"
"Você sabia que a placa deste carro é numerologicamente muito boa?"
(Misto de expressão com suspeitas com aquela estupefatação e preocupação de quem percebe estar na frente de um potencial maluco místico)
"Pois é, deixe-me mostrar..."
(Anota a placa e começa um complicado cálculo de somas e conversões de números e letras)
"É uma placa 6, que tem poderes muito diferentes. É ótima para não causar acidentes. Tem muita gente que morre por aí em acidente de carro e não se sabe porque. As placas. São as placas. Você tem sorte. Seria melhor apenas se fosse uma placa 3."
(Cara de quem começa a ficar assustado)
"Sinto muito, estou com pressa. Faça o favor de me dar esse papel."
Aí vou embora até a esquina seguinte com uma sensação não muito boa. Será que há uma numerologia que governa minha perícia automotiva? Ou que vai colocar em meu caminho os infelizes ineptos com placas não múltiplas de 3?
Sequer me senti muito reconfortado com o fato da minha placa ser boa. Se fosse ruim ele me diria? E se me dissesse, voltaria dirigindo pra casa? Tudo bem, não sou assim tão crédulo, mas também não sou totalmente imune a um desses malucos. Guimarães Rosa teria respeito pelo cara. Talvez eu também devesse ter. Por via das dúvidas.
Enfim, a semana passou meio esquisita.
Ante-ontem, pleno Halloween, descobri que Geertz morreu.
A única coisa boa? O Timão ter saído de vez do rebaixamento.
Nem sei como começa e como termina. Mas fico meses pensando nas contas, na tese que anda parada, nas milhões de coisas muito terrenas e pragmáticas que preciso fazer e, de repente, me descubro rezando (da minha maneira toda particular), pensando em fantasmas, espíritos e na atmosfera diferente de um final de semana.
Acho que estou numa dessas fases. Estou achando tudo meio esquisito, pra começar com um certo mal-estar que me ronda esses dias - que, aliás, me impede de fazer qualquer coisa de produtiva (como se eu precisasse de mais desculpas pra ser vagabundo). Ontem chegou às raias de dar umas tonturas (talvez o fato de que tenho bebido praticamente todo dia desde meados de outubro ajude). Mas, enfim, é algo que há algum tempo queria entender melhor e não consigo.
Em São Carlos, no final de semana, acabei estacionando numa praça de lá. Como era sábado, a polícia não multaria quem não tivesse o cartão de zona azul depois da 1:00. Era quase meio-dia, então não achei que haveria qualquer problema.
Saio do carro, fecho, começo a andar e, meio com o canto do olho, reparo num carinha na esquina, olhando pro meu carro e anotando algo num bloquinho. Claro que fiquei meio incomodado. Não que o cara fosse um amarelinho à paisana, pensei, mas vai saber o que ele estava fazendo. A quantidade de novos golpes que eu fico sabendo quase todo dia, eleva meu nível de alerta ao vermelho com facilidade. As pessoas são muito criativas para se dar bem. Claro que, quando você sabe de um desses golpes, eles já não são mais aplicados e inventam outro mais mirabolante. Mas dá pelo menos para não subestimar a capacidade de charlatães e bandidos de toda sorte por aí.
Voltei. Decidi tirar o carro dali e estacionar mais pra frente. É, ele anotava a placa mesmo.
"Com licença, o senhor quer alguma coisa?"
"Você sabia que a placa deste carro é numerologicamente muito boa?"
(Misto de expressão com suspeitas com aquela estupefatação e preocupação de quem percebe estar na frente de um potencial maluco místico)
"Pois é, deixe-me mostrar..."
(Anota a placa e começa um complicado cálculo de somas e conversões de números e letras)
"É uma placa 6, que tem poderes muito diferentes. É ótima para não causar acidentes. Tem muita gente que morre por aí em acidente de carro e não se sabe porque. As placas. São as placas. Você tem sorte. Seria melhor apenas se fosse uma placa 3."
(Cara de quem começa a ficar assustado)
"Sinto muito, estou com pressa. Faça o favor de me dar esse papel."
Aí vou embora até a esquina seguinte com uma sensação não muito boa. Será que há uma numerologia que governa minha perícia automotiva? Ou que vai colocar em meu caminho os infelizes ineptos com placas não múltiplas de 3?
Sequer me senti muito reconfortado com o fato da minha placa ser boa. Se fosse ruim ele me diria? E se me dissesse, voltaria dirigindo pra casa? Tudo bem, não sou assim tão crédulo, mas também não sou totalmente imune a um desses malucos. Guimarães Rosa teria respeito pelo cara. Talvez eu também devesse ter. Por via das dúvidas.
Enfim, a semana passou meio esquisita.
Ante-ontem, pleno Halloween, descobri que Geertz morreu.
A única coisa boa? O Timão ter saído de vez do rebaixamento.
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