segunda-feira, julho 03, 2017

Não fazem mais chocolate quente como antigamente


Há tempos eu ensaio alguma ideia para tentar retomar o blog, mas tão logo eu começo a formular algo mais concreto eu fico um pouco preguiçento e deixo a vontade de iniciativa de lado (diriam os epistemólogos, potência?), deixando isso aqui sempre naquele frustrante espaço do silêncio desconfortável do não dar o braço a torcer para o esquecimento e o abandono.

Ainda quero escrever aqui.

Então resolvi que preciso de baby steps. Nada de posts mágicos que vão fazer o turning point milagroso, chave dos caminhos destrancados do nirvana textual e da profusão de brilhantes sacadas. Pequenas crônicas cotidianas, no conforto da sentada breve, é isso! Menores do que um artigo, maiores do que um tuíte (que nunca tive e então eu não sei direito como funciona só sei que você tem que escrever o que imagino ser um aforismo de 140 caracteres cabalísticos o que deve ser mais difícil do que fazer resumo para trabalho na anpocs). E, para não descaracterizar o blog, temperadas com reminiscências arrepiantes do passado, claro.

Então vamos a isso.

Fui hoje no correio - essa instituição moribunda, com risco de extinção - mandar alguns documentos. Há uma agência relativamente perto de casa, que era até bem grandinha e recentemente encolheu de tamanho, certamente para cortar gastos e caber na exata medida da capacidade de importar das pessoas. Como uma espécie de metonímia das coisas públicas atualmente.

Na volta, com um pouco de frio e ainda não pronto para trabalhar, parei num café simpático que tenho frequentado ultimamente: atendentes simpáticas, preço muito camarada, comidas e um coado ótimos! Ao invés do cafezinho que me acostumei a pedir, resolvi me aventurar, ser rebelde e testar algo novo, um chocolate quente. Para acompanhar, um tostex, o que sempre faz bem para a alma.

Bebendo, torci o nariz ao ver que era feito de achocolatado em pó e me peguei lembrando do passado. Daydreaming na calçada perto de casa.

Filho de pais funcionários públicos, passei basicamente todas as férias da infância nas colônias de férias da associação dos funcionários públicos - jeito confortável e barato que o funcionário público orgulhoso, mas nunca rico ou preguiçoso como querem nos fazer engolir, tinha para descansar. São lugares ótimos, simples mas muito bem cuidados, em diversas cidades no Estado. E, destas idas em férias, para nós a grande maioria tomava lugar em Campos do Jordão, nosso destino favorito. Um dia eu conto um pouco mais das lembranças desse lugar - é uma espécie de hotel fazenda (ainda que perto do centrinho), de uma arquitetura meio colonial, meio germânica, feita com muita madeira e recintos grandes. Eu, que sempre gostei de romances de mistério, me sentia numa mistura de história de Agatha Christie e uma partida de Detetive (Coronel Mostarda, com o candelabro, na biblioteca).

Mas aí você me pergunta: o que o achocolatado fez para te lembrar das frias férias nas montanhas paulistanas? É que é de lá uma das lembranças mais aconchegantes da minha infância - dos anos em que começam as memórias até os intensos e apaixonados anos pré-teen, quando ia lá toda santa estação de inverno. Bebendo chocolate quente. Que não era achocolatado com gosto de nescau, mas uma coisa espessa de chocolate meio amargo derretido com suficiente leite quente apenas para poder chamar aquilo de bebida e para que se pudesse engolir.

Duas outras vezes consegui achar um chocolate quente que fizesse jus ao nome: uma vez em Bariloche, quando tinha meus 6 anos (o fato deve ter realmente me marcado, pois são poucas as imagens que guardo daquela viagem) e recebi uma barra de chocolate num copo de leite fervendo (singelamente chamado de submarino), e num Carluccio's perto da minha casa em St. Johns Wood (pessoas familiarizadas com Londres sabem da fama careira do Carluccio's, mas ninguém pode negar como aquele copinho de espesso chocolate brilhante derretido é um verdadeiro afago espiritual).

Desde então minha busca por bons chocolates quentes se tornou um exercício frustrante de comparações com o passado, que encontra paralelo com o mundo musical e o cinematográfico (ninguém mais faz filme bom como Goonies, isso não é música!), na minha rabugentice crônica que parece apenas piorar com o tempo, na igual medida que percebo que tudo isso se tornou uma metáfora para minha percepção do mundo - tudo o que era antes se perdeu e era melhor.

Até mesmo o cafezinho bom da esquina, iniciativa resistente à lógica das grandes redes e que merece ser frequentada, não consegue fazer um bom chocolate quente. Vou continuar aparecendo por lá, mas não peço mais o "coco" deles. Mas ao mesmo tempo fico morrendo de medo de voltar para Campos do Jordão, para onde não vou há umas duas décadas e desde então tornada refúgio de uma paulistandade barulhenta atrás de fondue inflacionado e cerveja encorpada (e que no verão migra em bando pra Riviera). Se lá encontrar achocolatado, fodeu.


Edição na postagem: o desenho que estava no final foi para o começo do texto! Desejo da querida Karina Kuschnir, que tem um maravilhoso blog, que lida tão bem com essa parceria texto-desenho!

Desenhar tem sido uma das grandes alegrias atuais - quero ver se escrevo mais sobre isso aqui, bem como mostrar umas aquarelas! Nesse desenho aqui, o cafezinho perto de casa.