Naqueles planejamentos do que ser quando crescer eu sempre soube que não conseguiria ser veterinário. Como disse no post anterior, não me dou bem com sofrimento dos bichos. Passo realmente mal e sofro junto.
Pois então, hoje fiquei sabendo que o Moustache, o filho da primeira ninhada da Judy, a gatinha que minha amiga Pati deixou comigo quando se mudou pra Alemanha, há tantos anos atrás (quando a Judy veio pra casa, veio kinder ovo, com surpresinha dentro já), está muito mal. Fui no veterinário onde ele está internado, visitar e fazer um pouco de carinho. Ele tava tão fraquinho... tão fraquinho que não dava nem pra arriscar e fazer os exames pra ter certeza do que ele tem. Eu fazia carinho e ele miava fraquinho, engasgado, começando um ronrom doído, quase imperceptível, até se cansar e ficar de novo um pouco quietinho. Logo ele, que demonstrava toda sua alegria parecendo um motorzinho potente sempre que me via. Consegui fazer ele comer uns 3 pedacinhos de carne, dando na boca dele, com ele deitadinho... e me segurando pra não chorar de soluçar ali e xingar o universo tão injusto.
O Moustache sempre foi o gato mais bonzinho, que sofria bullying de todo mundo. Patadas do irmão... até mesmo da mãe... assédio da cadelinha da casa... e sempre suportando tudo e vindo se refugiar no meu colo. Esfregando o nariz na minha barriga... Há uma pureza cruel e bonita na alegria genuína nessa simplicidade.
Há uma coisa muito poderosa no amor incondicional de um bichinho. Eles confiam inteiramente na gente e não têm nenhum pudor de demonstrar, constantente, sua gratidão e esse sentimento. No olhar, apaixonado, entregue, completamente honesto e sincero. E, nisso, aos que sabem apreciar, viram parte da família. Mais do que isso, na verdade. Essa história de que gato é egoísta é besteira. Nunca tive um gato que não tenha adorado se aninhar num colo e brincar de pegar.
Mas esse amor me dói profundamente, na alma, porque os bichos teimam em não ser eternos. E eu tenho problemas em perder meus amores. Tenho um egoísmo irrecuperável. Mas é porque acho que, apesar de nos darem muito mais do que damos a eles, mostrando o quanto são mais nobres do que nós, eu não consigo deixar de me sentir superprotetor, achando que são mais frágeis do que são. É que eles vivem mais intensamente - mas viver sete vezes mais rápido nos faz ficar desamparados, nós que somos mais lentos e demoramos tanto para amar.
Então espero o impossível da vida sem dor. Até que esta se refaça, invariavelmente, em saudades e depois em novos amores. Pois é assim que quebramos as promessas de não mais sofrer junto - "nunca mais terei um bichinho". Mas aquele amor incondicional, esse nunca é esquecido. Morro um pouco, junto, toda vez, até quando tenho de onde tirar, um pouco menor cada vez. Mas nunca arrependido.
terça-feira, janeiro 19, 2016
segunda-feira, janeiro 18, 2016
Pensamentos avulsos
Quantas vidas cabem numa pessoa com convicção suficiente pra
não se satisfazer ou não ter convicção suficiente pra teimar? Pensei nisso
hoje, lembrando de lembranças de um outro eu com tantos sonhos tão diferentes. Afinal,
quando é que esses sonhos deixam de definir e viram memórias? E como saber que
essas memórias de fato não são coloridas por sonhos novos?
Hoje fui pagar o IPVA do carro, mas tinha esquecido que era
possível quitar todas as taxas juntas. Paguei primeiro o IPVA e depois, quando
fui ver o licenciamento, descobri que não tinha como pagar separado. Só pagando
esse combo de taxa – com o IPVA incluído de novo. Toca pegar senha pra ser
atendido por bancário humano. Desvio da loira grossa que fica na mesa da frente,
distribuindo sua cota de miséria cotidiana – será que é castigo atender o
público? Quase sou atingido por um espirro tão grande, de um grande moço
novinho com cara de entediado que acompanhava a mãe no banco, que pensei que os
seguranças fossem sacar suas armas, achando tratar-se de um assalto (tenho
pavor de segurança de banco e mais ainda quando chega um carro forte). Dez e
dez da manhã, já existe uma fila considerável. Espera, espera. A bancária
humana, depois de ouvir meus lamentos, diz que não é possível pagar mais
separadamente. “Agora tem que esperar dois dias e tentar de novo, quando o
sistema computar o pagamento já feito”. “Dois dias?”. “Sim, dizem que é online,
mas não é coisa nenhuma”. Volto pensando nas vantagens da tecnologia a serviço
da burocracia. É por essas que eu continuo não achando que estou perdendo muita
coisa sendo um desfavorecido computacional. Não quando tudo ainda é decidido
por alguém sem muita boa vontade.
Fiquei uma semana na praia. Em Itamambuca, litoral norte de
São Paulo. Dias tranquilos, muita chuva, muito sono, então consegui descansar –
não sem brincar com o bebê-sorriso, Theo, e cozinhar bastante com a Luiza, que
se mostrou uma cozinheira de mão cheia. Nas tardes preguiçosas, nos intervalos
de trabalho de um textinho que estou escrevendo, li Flush, da Virginia Woolf,
presente da querida Karina – e gostei muito! Não sem algum sofrimento (tenho
problemas com os problemas dos animais), mas completamente fascinado pelo texto
e pela perspicácia da perspectiva canina sobre o mundo. A passagem sobre a
experiência constituída pelos cheiros é fantástica e deliciosa de ler! E pensar
que foi um livro escrito despretensiosamente, pra descansar de outros projetos...
Tinha levado um livro do Schneider, mas a biblioteca da casa que alugamos era
muito interessante, então resolvi investir em outra ficção. Achei lá um romance
da Agatha Christie, que eu sempre gostei de ler quando mais novo: Morte na rua
Hickory. Foi interessante ler dois best-sellers de duas inglesas mais ou menos
contemporâneas, num intervalo curto de tempo. A prosa de Christie é mesmo muito
boa e fácil de ler. E os mistérios ainda entretêm – eu me surpreendi com a
resolução do crime, pela dedução de Poirot (interessante que este é um dos
casos em que ele recebe bastante ajuda da polícia – ele está mais velho e já dá
sinais de que não é infalível). Mas é um romance que envelheceu. Diferente do
livro de Woolf, que dá pra ler e reler - e imagino que continue assim por muito
tempo.
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