Há mais de um mês, mudou-se uma senhora para o apartamento do lado. Bem, na verdade eu não posso fazer mais do presumir que isso é o que está por detrás das vozes e toda sorte de barulhos que tenho ouvido nas últimas semanas.
Mas o fato é que eu nunca vi a tal senhora.
Vi uma enfermeira uma vez. Ela estava sem a chave e a senhora não ouvia a campainha - chovia muito - então ela (a enfermeira) tocou em casa. Isso às 8 da manhã, mas ok, lá fui eu abrir a porta e ver a dita cuja desaparecer flat 1 adentro.
Sei que vêm outras enfermeiras (são vozes diferentes e dia desses uma outra bateu na minha porta - às 8, claro).
Mas a senhora não sai de casa. Não abre a janela, não levanta a cortina. Nem vai ao banheiro.
O que me faz pensar. E se for alguma farsa? Tipo uma Sra. Kaplan saída de North by Northwest ou algo do gênero? Ela nunca existiu. É apenas o resultado de um ardil muito bem elaborado por agentes secretos que na verdade estão usando o lugar para monitorar suspeitos no prédio em frente. Ou um marido que matou a esposa e agora está criando um álibi, a impressão que ela está viva e ferrar com aquelas elucubrações policiais sobre hora da morte, momento do desaparecimento, esse tipo de coisa. Dubla-se uma segunda voz, faz-se uma movimentação, finge-se que a tal senhora pediu uma encomenda. Mas nunca ninguém viu, apenas presumem que os outros viram. Ora, se até pro Macauley Culkin deu certo...
E como explicar a trupe de saltimbancos que eu vi saindo de lá um dia, se despedindo da Sra Kaplan?
Heim? Como assim? Volte a fita!
E pior, eles se despediram de uma tal Sra. Caballo! Mas afinal, quantas senhoras de idade estão vivendo naquele cubículo que é o apartamento 1? Serão irmãs? Comparsas? Um erro de comunicação entre os agentes? Será que seu nome é Kaplan-Caballo? Caballo-Kaplan?
Um dia resolvi seguir uma das enfermeiras, que sempre vão embora por volta das 10. Não era a moça bonita que salvei da chuva, ou a outra mulher enorme que me despertou num sábado de manhã por ter se enganado de porta. Essa tinha barba. Maior que a minha. Suíças que fariam o Rei (não o Roberto, não o Pelé. O outro Rei) corar de inveja. O bigode era menos imponente, mas o restante da barba parecia saída de uma charge do Sunday sobre novos desdobramentos da política internacional afegã. Um cavanhaque em tranças coroava o prodígio capilar - pendia por quase um palmo em direção aos peitos enormes, que respiravam assanhados num decote imodesto.
E ela parecia uma Helena de Tróia dada. Exibia um vestido cetinado avermelhado e uma tiara dourada. Sandálias de tiras e brincos em forma de gigantescas argolas de ouro.
A segui até uma região que nunca havia ido. O ônibus que pegou foi até o ponto final e de lá pegamos ainda outro. A ordem e a atmosfera georgiana - vitoriana a que estou acostumado deu lugar a uma mistura de Harlem e Modadíscio.
Toto, I have a feeling we're not in Kansas anymore.
Então ela entrou em uma cabana que exibia o seguinte letreiro: Exotic dancing - adult massages - phone cards - shoe polishing.
Decidi que não queria entrar e me arrepender, depois de ser abordado por um niilista vestido com vinil preto ou descobrir que infiltrei uma segunda tocaia do serviço secreto inglês.
Ok, a maior parte do relato consiste de devaneios febris de uma mente doente. Mas que tem uma senhora X que vive como um vampiro no apartamento do lado, isso tem.