segunda-feira, junho 04, 2007

Killing time

Sabe aquela coisa que a pessoa faz quando vê ou vive alguma coisa - passa a falar com propriedade sobre o caso? Os antropólogos usam o pomposo nome de "autoridade etnográfica" (bem, ao menos os antropólogos que tiveram que lidar de alguma forma com essa chatice que pode ser a pós-modernidade), mas isso pode, acoxambrando, também ser chamado de arrogância.
E nós não gostamos de arrogância, ainda que sempre nos rendamos à ela eventualmente; todo mundo gosta de mostrar que sabe de algo.
Os antropólogos conseguiram elaborar razões teóricas para a condenação da prática, principalmente no contexto anti-colonialista. Mas basicamente poderíamos, assim, dizer que é um pé no saco neguinho ter o rei na barriga.
Agora, a linha entre essa arrogância e um desejo genuíno de compartilhar as coisas com as pessoas, é tênue. E muitas vezes essa linha vem mais pra cá ou mais pra lá, atendendo à influência de uma coisa bem subjetiva mas muito real - a empatia. Não tem jeito. Se a gente não vai com a cara da pessoa e essa começa a falar sobre uma viagem que fez pra Cannes, já vem o pensamento "puta que o pariu, lá vem". Mas a pessoa querida, essa sim é ouvida. Mesmo porque sabemos que ela não tem intenção de se mostrar, e quer genuinamente contar pra você algo interessante que lhe aconteceu. E você também quer ouvir. É como uma declaração de amizade, o certificado de que tal pessoa é considerada e confiada.
Às vezes não existe um interlocutor específico, como no caso de um blog como este (ainda que, juro, muitos posts são escritos com algumas pessoas em mente). Aquela coisa do Geertz, pra quem se escreve, então, não encaixa completamente (bem, sempre se poderia pensar em algo - "pessoas com internet"), mas arriscaria dizer que quem lê aqui é conhecido. Sim, todos vocês 3!
Enfim, isso de alguém reclamar uma legitimidade para falar sobre algo, baseado na idéia de "estive lá, você não", ou na idéia de uma relação especial que tal indivíduo possuiria para compreender o fenômeno em questão (etnia, gênero, nacionalidade, classe ou seja lá o que), sempre cai na minha listinha das coisas com as quais tenho que suspeitar.
Agora, comecei a escrever este post (também porque não consigo trabalhar hoje - surgiram muitas coisas boas pra pesquisar, mas o cansaço hoje bateu, e daí não tem jeito) porque deixei de lado o Hunter Thompson pra ler Charles Bronson (e pra que eu deixe o Thompson de lado precisa muito), e o peixe à venda do Bronson é exatamente sua experiência. E não me entenda mal, adoro saber sobre as experiências das pessoas, o olhar único que elas têm sobre algo. Apenas fico esperto, só isso.
Charles Bronson, nascido Michael Peterson, escreve bem. Tem um olhar irado e irônico sobre a sociedade que te deixa desconcertado. É extremamente contraditório, mas é coerente em sua contradição. Não é nada politicamente correto (aliás, isso nem se aplica ao caso, já ele fala o que acha mesmo, pouco se lixando como esse pensamento vai ser rotulado), que pode te chocar, mas que no fundo pega naquele nervinho raivoso que você tem dentro de você, mas não tem coragem de admitir. Ele parece um daqueles homens-fortes de circo: careca, com um bigodão (às vezes uma barba gigantesca) e grande. E deve ter quebrado o recorde de flexões feitas, se por acaso existir algum.
Mas Bronson é publicado principalmente porque ele é um dos prisioneiros mais simpáticos e ao mesmo tempo mais violentos do Reino Unido. E que coincidentemente também gosta de desenhar e escrever.
Meio como um etnógrafo da prisão, passou quase 40 anos atrás das grades - na solitária na maior parte do tempo. Sobre o que ele escreve? A sujeira, a loucura e a violência dessa parte da sociedade que ninguém quer saber. A vida na prisão, no manicômio, no asilo. A política carcerária, os códigos de conduta no xilindró e a insanidade dentro e fora da lei.
Agora, como não levar a sério os escritos de alguém que passou 2 terços da vida enjaulado, rodou por algumas dezenas de instituições carcerárias e já ouviu e presenciou mais histórias que os próprios diretores das prisões, os médicos, os enfermeiros e os psiquiatras? E que não tem nada além de tempo de sobra pra malhar, desenhar, rachar uns côcos e escrever sobre tudo isso?
Maurice Leenhardt, o etnólogo-missionário não dizia algo a respeito de 40 anos para entender uma cultura? E para ele não era apenas um trabalho, era uma missão de vida.

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Mudando de assunto. Esqueça os puddings, os cafés maravilhosos, os milhares de chás, os chocolates animais, todo o fish and chips, mash and sausage, salt and vinegar e a cerveja (ok, talvez não a guinness)! O que vou mais sentir falta quando não estiver mais aqui são os amendoins cobertos com yogurt açucarado que são vendidos no Tesco! Quem foi o ser luciférico que inventou isso? Dá uma compulsão que só deve ser equivalente, em seu frenesi, aos desejos incontroláveis de um viciado em heroína: você não pára de comer enquanto não acaba a baguaça!

Um comentário:

Anônimo disse...

Nossa, Chris, realmente a linha entre a arrogancia e o querer compartilhar é tênue... Gostaria de ter um controle maior sobre ela, às vezes querocontar alguma coisa, mas acabo me podando, pra não encarar aquelas caras de "ai, lá vem ela..." rsrsrsrs
Ah! E juro que queria entender tua fascinação pela Guiness... só tomei uma vez, e não gostei, dá pra acreditar? Isso com todo o sangue irlandês correndo nas veias... Tu volta quando?
Beijos
Denise