segunda-feira, junho 18, 2007

Borboletas

Essa história eu ouvi há quase 10 anos. Essa mesma menina, agora uma anciã, ainda gozava de boa saúde, andava para cima e para baixo, com seus quase noventa anos. Cuidava do jardim, cozinhava, tricotava e levava suas filhas à loucura.
Foi na casa de uma das filhas, também minha madrinha e agora já falecida, que sentamos e conversamos. Perguntei porque havia vindo ao Brasil, onde passou tanto sufoco para criar a família. Havia uma história, que não sabia o quanto era verdade (as pessoas sempre tendem a romantizar suas origens), de que sua família tinha muitas propriedades antes de emigrar -
Ube era uma vila litorânea (apenas veio a se tornar uma cidade décadas depois) no sul de Honshu, a maior ilha japonesa. Localiza-se não muito longe de Hiroshima - e era próspera (hoje é famosa por seu verde, seus jardins e as esculturas que adornam a região).
Ela contou que as histórias que circulavam sobre o Brasil é de que o lugar não era nada menos do que um grande éden na Terra: as galinhas andavam livres pela rua, ovos e verduras só precisavam ser colhidos pelo caminho, e a riqueza estava esperando apenas que alguém viesse reclama-la.
A viagem de navio foi longa e difícil, mas lembra que estava feliz, junto com suas irmãs e seu cunhado - que depois retornaria, durante a guerra.
Chegaram em Santos, onde desembarcaram e foram para uma fazenda, para o interior, encontrar a abundância.
Depois de alguns anos casou-se com um homem que havia vindo tempos antes, e descobriu que ambos foram praticamente vizinhos na infância, já que ele também se lembrava do grande incêndio!
Isso aconteceu em Borborema, onde as duas filhas mais velhas nasceram, e onde disse que viu um rio tão grande, tão largo e tão comprido que não tinha fim - um rio de borboletas. Sua lembrança mais bonita.
Alguns anos depois acabaram se instalando no que hoje é Valinhos, antes de finalmente ir para São Paulo, morar no Iguatemi, onde ela costurava e seu marido, fumador de fumo de corda (agachava, enrolava o cigarro, cortando o fumo com a faquinha de pica-fumo e acendia o fedido), era verdureiro ambulante.
Passou-se um tempo e foram morar na Joaquim Floriano, no Itaim Bibi - época em que nasci.
É possível entrever algo que mesmo anos depois eu pude perceber - de que lá no fundo, incandescente, havia uma faísca e uma energia interiores que por vezes chegavam a chamuscar as pessoas ao redor. Mas que nunca deixou de fascinar.
Me confessou, emocionada, que o Brasil foi a melhor coisa que lhe aconteceu, que de fato era o seu lar. Sem galinhas na rua e tudo.

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