domingo, outubro 21, 2007

Ratinho em Londres

Quem me conhece sabe que meu modus vivendi não é compatível com barraco. Nunca gostei, nunca vou gostar. Certamente nunca vou fazer (a menos que você me encha o saco! - Já que também não sou dado a contradições. Ou ironia, pelo que me consta).
Enquanto escrevo isso, um barraco está rolando na casa ao lado. Ouço os gritos e reconheço algumas ameaças, suaves e veladas: "You fucking bastard, I'll kill you", "Shut up you fucking slut", bem como uns sons gruturais que impressionantemente estão saindo de gargantas humanas, o rufar de pés correndo e o estrondo de objetos atirados e consequentemente quebrados.
Mas esses vizinhos são escandalosos mesmo. Desde que me mudei pra cá eu ouço berros e promessas de espancamentos e morte. Geralmente é a mãe, quando tenta fazer os filhos irem para a escola de manhã. Ela alcança uma oitava que qualquer cantora sentiria inveja. Aquela que racha cristais e atiça os cães da vizinhança. Nessas ocasiões, a coisa vai esquentando por uns vinte minutos, até que finalmente ela consegue arrastar os fedelhos pra fora (a menos que algum se tranque no banheiro, quando então promessas de arrombamento e aniquilação da porta a pontapés afloram). Mas de vez em quando é o pai que esbraveja e me faz lembrar do lobo mau, assoprando a casa dos porquinhos.
Não sei como ninguém chamou a polícia até agora. Ou pelo menos a super nanny (ou a Trisha, a equivalente da Márcia Goldsmith daqui).
Mas esse é o problema de se morar em apartamento: a chance de você ter um pirado morando perto o suficiente para você ouví-lo, é estatisticamente suficiente para você de fato ter um.
No meu prédio, no Brasil, tenho vizinhos que jogam lixo pela janela, ouvem sertanejo no som da sala imaginando que estão num trio elétrico, ou deixam a tv num volume tão alto que você pode concluir que ou a terceira guerra mundial começou do outro lado da parede ou então alguém está vendo um filme de guerra. Como disse uma vez Palahniuk: "these sound-oholics, these quiet-ophobics".
O prédio em frente (no Brasil) é ainda pior. No apartamento logo em frente, do outro lado da rua, vira e mexe a mulher começa a jogar tudo ao alcance das mãos no marido (uma vez presenciei um chute tão certeiro e espetacular, com uma bola de futebol que marcava por lá, e que tinha como alvo a cabeça do sujeito, que se fosse um olheiro de algum time a convidaria na hora pra fazer um teste no meu clube), ao mesmo tempo que demonstra a excelente forma pulmonar.
Uma vez, um amigo e sua então namorada vieram fazer uma visita. Domingão. No terraço do prédio da frente, que imagino seja a área social, rolava um churrasco básico. De repente, do burburinho das conversas e das ébrias risadas usuais, irrompe um "vou te matar, filha da puta" e a típica sonoplastia da cizânia que normalmente segue tal declaração. Aí ouço uma mulher gritando, histericamente, pra alguém chamar a polícia. Em alguns minutos o terraço fica silencioso e não sei se alguém possuído por completo por um frenesi assassino acabou matando todo mundo capaz de emitir ruídos, ou se a galera começou a se digladiar em outro lugar, mais reservado. Claro que enquanto isso, do nosso lado da rua, havíamos parado de conversar e passamos a apreciar a rusga, com aquela curiosidade macabra que Deus concebeu a todos os primatas deste planeta.
Isso porque meu bairro é considerado de "alto nível". Tem associação de bairro, jornalzinho local, manicure canina, empório, e frutarias orgânico-maníacas caríssimas.
Mas esses vizinhos aqui do lado são diferentes. São também judeus ortodoxos. Não digo isso depreciativamente, como um comentário anti-semita. Pelo contrário, imaginava que aquela galera que vejo toda semana saindo de terninho e de vestido chique da sinagoga, como se todo domingo rolasse um casamento por lá (tem duas sinagogas grandes aqui no bairro) fosse mais civilizado (mas aqui estou em terreno perigoso; não importa o quanto eu profira tolerância, quando o assunto entra por essas bandas identitárias, alguém sempre vai levar pelo lado errado. Como gente muito mais inteligente do que eu já percebeu, nada pior do que o complexo de culpa liberal que tenta balbuciar desculpas pelas injustiças cometidas. Mas, claro, o melhor mesmo é ter cuidado).
Umas semanas atrás eles ergueram uma barraca no jardim (do lado da minha janela). Tipo uma daquelas cabanas de poder que alguns grupos xamanísticos gostam de montar para os rituais de auto-conhecimento. Tinha uma mesinha, um monte de badulaque pendurado (pra mim parecia vudu) e uns canapés - kosher, imagino. A família convidava seus amigos israelitas e ficavam cantando musiquinhas religiosas a plenos pulmões - às 10 horas da noite! O equilavente hebreu das rodinhas de praia, em que algum chato pega o violão e começa a tocar músicas do Legião.
Mas seja lá qual for a data especial (que durou algumas semanas) que suscitou a cantoria no jardim, agora passou, e a oca foi desmontada. Agora, não sei se na verdade sinto saudades dessa época, já que enquanto eles cantavam, pelo menos não se matavam como personagens de um filme do Spike Lee.

Um comentário:

Morgana das Brumas disse...

Vizinhos escandalosos, então não são uma patente nossa...? ah...rs

Lembrei de um tempo que morei em Natal, em um desses condomínios, financiados pela CEF, no qual diante da proprietária, passando pelo "cínico" e vizinhos...sempre me senti a pessoa mais normal do mundo...
não consigo esquecer...
o casal que morava abaixo era uma evangélica e um alcoolátra - a sonoplastia ia de hinos de louvor ao chiclete com banana, claro acima dos décibeis permitidos.
Aliás, se me lembro bem...daquele apartamento todos os ruídos eram acima do permitido...
o vizinho do lado, Seu Isaías, ainda lembro o nome, volta e meia...tropeçava na escada..e lavava o corredor com sua cachaça; esse nem era o problema, pior mesmo era quando ele abria a porta e chamava os amigos para uma dose fraterna...
mas inesquecível mesmo foi a vizinha de cima...que resolveu trocar todo o piso do apartamento...