Trocando e-mails com uma querida amiga, resolvi escrever algo sobre essa minha experiência em Londres. Falávamos de solidão, a vida numa cidade nova e a necessidade de descobrir até que ponto gostamos de nós mesmos.
Digo, apesar das visitas que tive e das amigas que tenho aqui, passo a maior parte do tempo sozinho. Dias se passam sem que eu fale com viva alma às vezes. E quando falo é em inglês... Não tenho tv, nem mais a precária internet de antes. Telefone idem (ok, tenho um celular, mas aí não é mais algo da casa; celular está virando um apêndice humano; é tão absurdo sair sem ele como seria sair descalço). As distrações de casa são livros, meu laptop e a cozinha (e não é que aprendi a fazer algumas coisas mais elaboradas que omelete?!).
Nesse ambiente espartano inevitavelmente tenho muito tempo para prestar atenção em mim mesmo, de uma maneira que, arrisco a comparação, carinha que sai andando semanas até Santiago também deve ter. Bem, a capital britânica não deve proporcionar o mesmo tipo de iluminação transcendental que as paragens bascas, e não tive nenhum tipo de epifania ou recebi um chamado. Mas descobri que eu posso me aguentar por um longo tempo. E foi bom saber disso.
Claro, tudo aqui é temporário, sei bem disso. Estou chegando no ponto de saturação, e se não soubesse que logo vou voltar, provavelmente pediria pra passar a régua e cruzaria o oceano novamente. Gostar muito de mim mesmo não basta, logicamente. Essa é a conclusão a que cheguei.
Londres tem seus medos e ameaças, diferentes dos encontrados na terrinha. E nem sei se são mesmo comparáveis, como é inevitável acabar fazendo, ao contar as experiências vividas (alguém poderia argumentar, com certeza com razão, que estatisticamente um lugar é mais seguro que outro, mas não é bem disso que estou falando).
Os loucos, esse medo meio esquisito de ser explodido durante sua viagem pelo transporte público (sacolas e bolsas largadas assumem outra perspectiva), as histórias dos psicopatas que empurram gente no metrô, os que pulam no metrô. Os esmagados no trânsito (geralmente turistas que esquecem da mão inversa). Os vigaristas. Os que são esfaqueados (e, tremei, os londrinos começam a descobrir o que é o medo de arma de fogo). O fato de não saber os sinais, não ajuda, claro. Mas quando você começa a compreender a diferente semântica cotidiana, sua grandiosidade, o absurdo imanente que afinal de contas a define como uma ameaça, este verdadeiro significado de perigo começa a trabalhar em um nível diferente de medo.
Antes que alguém me dedure para a embratur inglesa, me apresso em dizer: me sinto muito mais seguro aqui, sem dúvida. Andar sozinho na rua às 2 da manhã não é uma aventura...
Estou lendo um livro que a Dani encomendou para a pesquisa dela, o já famoso "Muscle" de Sam Fussell. Camille Paglia (essa pessoa, digamos, controversa) tem razão, na orelha do livro: ele parece um relato atual de Alice. Mas, completo, possui também uma pitada de Hunter Thompson e muita, mas muita ironia, humor e graça. Graça que, entretanto, apenas expõe e amplifica o fato de que tudo o que Fussell fala é extremamente assustador. Quem é você senão uma construção esquizóide em face de como você encara as coisas ao seu redor? E, claro, o medo do mundo tem sua parcela de contribuição em como você se faz ser visto pelo outros. A tal ponto que não é risível perguntar se este, mutatis mutandis, não se trata de você mesmo.
Apenas, acho, algumas pessoas se rendem mais absolutamente a maneiras extremas de se proteger.
Enfim, começo a divagar, pra variar. Termino com um lindo e, de certa forma, encorajador verso de Robert Frost que, não tenho dúvidas, teve sua parcela de experiências por vezes assustadoras para descrever esses sentimentos:
The woods are lovely, dark and deep.
But I have promises to keep.
And miles to go before I sleep...
And miles to go before I sleep.
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Um comentário:
é tão louco mesmo esse lado de passarmos várias horas....dias inteiros sem uma viva alma pra falar...e mesmo esse estranhamento de quando falar, falar em outra língua...às vezes fico escutando o que eu digo, as frases que me escapam, as formas que não se dão da mesma maneira que na língua mãe...e me deparo com um certo vazio...
mesmo aqui Parisiado...e conhecendo muitas pessoas no cotidiano da cidade universitária, tem um certo vazio que parece apenas esperar as horas do retorno...
mas tem dias também que me pego puxando conversa com as senhoras da limpeza da casa, na primeira casa eram duas francesas, agora encontrei uma portuguesa... e entre os chiados e algumas palavras que me escapam nos entendemos muito bem ...
e isso se dá porque é de fato insuportável ficarmos 'somente no nosso mundo...com os nossos botõezinhos e ao som das nossas caraminholas...
como diz minha interlocutora matutina...a portuguesa...
no final...
"vai se indo..."...e a roda da vida giraaa...
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