Hoje almocei com o big kahuna da antropologia atual (tudo bem, um dos - mas um grande, nonetheless), num dos maiores centros de peregrinação dos necessitados de saber da capital da terra da chuva (digo, de passagem, que estou procurando saber se posso processar alguém por propaganda enganosa - cadê a porra da chuva e do fog?! Passo mais calor aqui do que no Brasil!), a biblioteca britânica - British Library para os familiarizados com a nobre língua de Shakespeare.
Como o resultado do encontro foi aquém do que esperava (pra não dizer até mesmo desesperador), resolvi adotar a tática do "rir da própria desgraça" e contar o ocorrido nesta segunda abafadíssima. Mesmo porque, pensando bem, há algo de hilário nele.
Por motivos que fogem do âmbito desta história, mas ainda sim relacionados ao objetivo do encontro, andava esses dias... como direi... angustiado... atormentado talvez, com as perspectivas do trabalho que você me paga para fazer. Sim, porque, como bem me lembraram ontem (em um rompante de delicadeza normalmente exclusiva dos grandes paquidermes), minhas deseventuras londrinas estão sendo subsidiadas por uma instituição do Ministério da Educação, de logradouro situado na capital da República, planalto central. Logo, se você ainda não está completamente desiludido e resolveu virar anarquista ou vendedor de sanduíche na praia, e paga impostos, sou financiado por você, cidadão.
O que me deixa na obrigação de reservar pelo menos parte de meus esforços à elaboração de labuta relevante, e não apenas uma etnografia da vida noturna e de suas particularidades assaz atraentes. Portanto, quando tudo parece não funcionar, não é por demais estranho se ter eventualmente alguns pensamentos nefastos e vontade de sair gritando pelas limpas e tranquilas ruas de St. Johns Wood, meu local de morada atual.
Mas voltemos à vaca fria, como diria meu avô. Bom, não meu avô porque ele não usa essa expressão. Mas parece coisa que algum avô diria.
Já estava um pouco irritado com o fato de que hoje o landlord viria fazer uma inspeção nos apês (pra ver se ninguém resolveu criar uma plantação de canabis ou se não estão usando a banheira pra preparar nitroglicerina, imagino). Seria entre as 10 e 12. Onze e quarenta, cansado de esperar, tive que sair, porque havia combinado o almoço meio-dia e meio.
Na estação de metrô, fico esperando no vagão parado, ao lado de uma criança que, por minutos que atingiam a envergadura de eras, perguntava a mãe, com um fôlego e entusiasmo louváveis, por que o trem não andava, qual era o problema com o trem, se não havia problema com o trem por que ficavam ali parados como imbecis (visto que a mãe tentava dizer que não havia problema, mas como criança é ignorante, mas não é burra, era logo confrontada com a lógica elementar de que "se não tem problema, porque então não anda?"), qual era o problema novamente, por que tudo estava parado e por aí ia, numa ladainha sem fim. Diliça.
Até que ouço o anúncio de que não havia previsão de quando o tube voltaria ao funcionamento. Desço, pego o trem do sentido oposto, pra trocar duas estações acima por outra linha, que me levará ao baldeamento que no fundo está apenas a uma estação da minha casa e onde eu tenho que trocar por outra linha, para ir a biblioteca. Atrasos e olhadas no relógio constantes. Mas tudo bem, pelo menos já estava na linha que deveria pegar.
Mas quando passo pela dita estação, novo anúncio. O trem não continuará e todos devem descer. Claro, típico. Saio correndo pra pegar outra linha pra conseguir chegar onde quero.
Entre mortos e feridos, cheguei a tempo, encontrei com buana - hau - e fomos ao comedor do estabelecimento. Nada muito diferente do bandeijão, devo salientar (mas com preço inglês). Umas comidas meio estranhas adornavam os panelões. Resolvi pegar uns bolinhos com queijo e rúcula, que no final das contas acabaram sendo meio estranhos e muito fortes pro meu gosto.
Ficamos lá, comendo nossas gororobas, até que me perguntou como estava tudo. Contei das minhas desventuras com minha pesquisada e minha impossibilidade de retomar as conversações, por motivos de força maior. Ele ouvia e pedia para ser mais específico nas minhas idéias. Mas não conseguia, porque após um ótimo primeiro encontro, em que imaginei que os rumos da pesquisa apareceriam por conta própria, não tive outro e fiquei mais perdido que cego em... bom, você sabe. Não sabia direito o que fazer agora que meus planos pareciam que teriam que ser cruelmente alterados. E ele me olhava, com olhos escrutinizadores. "Se você não pode ser mais concreto, não posso te ajudar", categórico.
Tentei, engasguei, sou brasileiro e não desisto e tudo mais, mas não rolou. Falava sempre as mesmas coisas bobas. Ele, claro, percebeu. Silêncio constrangedor. Alguns conselhos por cima, uma indicação. Tentei perguntar sobre a possibilidade de ser um assistente de pesquisa, para ter mais o que fazer. Nope, já elvis, a pesquisa tá na parte de escrever mesmo, ele disse. Tentei falar sobre sua pesquisa atual então. Meia dúzia de palavras.
Comecei a achar que ele começava a ficar impaciente, depois de ter devorado em minutos o seu salmão defumado. Comecei a comer mais rápido. Falava de boca cheia, o que deveria estar parecendo grotesco. Ocasionais babadas não ajudaram. Queria pegar um copo d`água, pra ajudar a empurrar a comida goela abaixo, mas achei que demoraria muito. Eventualmente desisti e resolvi deixar o resto de lado e partir logo para a salada de frutas.
Certa hora chegou um antropólogo, na mesa ao lado, que fazia pesquisa sobre Amazônia. Fomos apresentados. "ah, faço pesquisa no Peru, nem conheço o Brasil". Pausa. Falou da região que estuda e que índios - apenas para ver minha cara de "nunca ouvi falar desses negos". Depois que descobriu que não sou um amazonista, nem sequer um etnólogo, novo silêncio. Foi embora, desculpando-se porque tinha de voltar ao trabalho. Yeah, run from the zone where time stands still, maldito gilipollas!
O silêncio começou a ficar espesso. Perguntei sobre a biblioteca do Rei, ali do lado, me agarrando em qualquer oportunidade de assunto. Comentamos sobre os tesouros do lugar. Mais um pouco de conversa amena, até ele pedir licença e acabar com o suplício. Acho que no fundo esperava que ele me salvasse, mas ele não tinha a intenção de fazer isso, claro.
Voltei pra casa com o peso do mundo. E suando bicas, pra piorar a situação. Resolvi não pegar o tube pra voltar e acabei andando, sob um sol carioca de rachar côco.
Na cabeça, alguns planos sobre o que fazer, tentando me confortar com o fato de que ainda tenho tempo, mas basicamente um grande MERDA em letras garrafais e luzes neon piscava e ocupava o espaço ali, entre a parte da memória de curta duração e o setor responsável pelos cheiros.
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2 comentários:
Sugiro um porre. Soluções mágicas sempre aparecem na cabeça do embriagado!
Beijocas solidárias, Cris
Concordo com o comentarista anterior.
Ficar quietinho em silêncio, esquecer do mundo, tb ajuda a clarear as idéias. Besos!
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