domingo, abril 22, 2007

"Cortem-lhe a cabeça"

Me deixa com os cabelos em pé ler algumas notícias da imprensa londrina de pequena circulação. Mais do que os eventuais assassinatos, espancamentos e tentativas de explodir trens e metrôs que tanto dão dor de cabeça ao senhor Ken Livingstone, prefeito da cidade.
Manchete: "Asbo for racist drunk who ruined neighbours' lives"
O jornal do bairro anunciou a plenos pulmões, na primeira página da edição desta semana, que uma mulher de 28 anos, que nos últimos anos foi constantemente protagonista de escândalos em sua rua - apenas alguns quarteirões da minha - recebeu a notificação Asbo (Anti-social behaviour order, da headline acima). Depois de uma vida terrorizando os vizinhos, a infeliz alcólatra recebeu o cartão amarelo e foi oficial e socialmente lobotomizada. Ou a coisa mais próxima disso, de qualquer maneira.
Há tempos os bedéis do bairro tentavam imputar-lhe a tal ordem. Finalmente, depois de uma janela quebrada e abusos verbais racistas contra um cidadão etnicamente não-inglês-branco, eles puderam ter seu momento de júbilo e pregaram-lhe o carimbo de Asbo, que flerta perigosamente com alguma medida que pareceria razoável para Goebels ou para a Rainha de Copas.
Nada mais de carros danificados, gritos noturnos, ou medo de sair de casa - problemas atribuídos a jovem troublemaker.
Se tal ocorresse em outras circunstâncias, épocas ou lugares, ela seria levada pra algum paredão e fuzilada. Ora, há 400 anos ela seria queimada - o que parece irônico, já que uma das acusações que pesa sobre a bullie é de que aterrorizou uma menina de 13 anos ao dizer que era uma bruxa (outra acusação, que poderia contribuir para a sentença levada à cabo no fogo purificador, é de que costumava uivar como um cão).
Agora ela tem uma estrelinha vermelha no boletim, uma advertência. Mais um deslize, suspensão. Ou melhor, expulsão, que no caso significaria cadeia.
Aposto que tem muito neguinho que está pensando em deixar um pequeno presentinho grego na sua porta pela manhã - uma garrafa de gim, quem sabe, para acelerar a despedida da moça que, definitivamente não mudará tão rápido seu modo Whitney Houston de ser.

Lock her up and throw away the key, dispose her like you would flush down some foul-tasting old milk found inside the fridge.

A verdadeira questão, caro leitor, não é se você - não exatamente "você", mas o ser humano genérico - tem o direito de não ser acordado no meio da noite por sirenes de polícia porque alguém chamou os hómi pra controlar a despirocada. Tenho fantasias sombrias de jogar sacos de merda na janela da vizinha que deixaria uma gralha assustada, nas manhãs em que tem a dura missão de acordar e levar os filhos ao colégio (e antes disso, tinha a mesma gana com o vizinho espanhol da frente de casa, no Brasil, que gritava impropérios ininteligíveis e mandava seu poodle evacuar no nosso jardim apenas para irritar).
Mas a questão, deixando de divagar, é que tipo de sociedade doente e zumbificada é essa que parece nos fagocitar? Gramados doentiamente aparados, lixo orgânico separado do reciclável, vaquinha no final do ano pros prestadores de serviço, aparências mantidas e as mais distorcidas perversidades permitidas desde que em volume baixo. Sem gritaria, por obséquio. Solução? Cadeia.
Meu bairro é muito tranquilo, mas tem algo da paranóia dos subúrbios americanos que me deixa desconfortável às vezes. Aqui tem daquelas coisas como comitês para limpar calçada, ou para salvar algum pato com asa quebrada. Hoje mesmo, por exemplo, veio um comitê de campanha para representação do bairro, perguntar se tinha sugestões para o embelezamento das redondezas e me apresentar uma chapa de pessoinhas conscientes para a próxima eleição. Tenha dó. Domingo de manhã?! Em vários aspectos prefiro o caos, sujeira e a bizarrice de Camden. Mas a cidade parece ter, em graus maiores ou menores, esse tipo de patrulha ideológica (como diria uma amiga) em todos os cantos; o tipo de pessoa que adora se candidatar a síndico do prédio, manja?
Porra de ciborgues autômatos. Aqui o brother é ficou tão big que você (de novo, genérico) tem medo de tirar uma catuta do nariz, porque tem tanta câmera de vigilância que você se sente num Truman Show.
Que mané Nostradamus. Profeta foi Orwell.

Um comentário:

marcão disse...

Muito bem dito!

E, by the way...se eu puder irei fazer uma visita ao Orwell!

Abracos