Fiquei pensando, não sei exatamente porque, sobre algumas diferenças entre as pessoas. Bom, na verdade até sei porque. Agora mesmo, quase 2 da manhã, sou importunado por um carinha que acelera seu motor, já barulhento, há algum tempo lá na rua. Esse é um exemplo. Mas exatamento o que ele tem de diferente (fora um senso do que é legal meio deturpado e um futuro de surdez)?!
Me lembrei de um amigo meu de infância (são, aliás, nas amizades de infância que essas coisas mais me intrigam. Já contei sobre um amigo que virou um idiota completo). Enfim, esse meu amigo, oriundo de Teresina, Piauí, aquele estado-quase-não-estado, mas que cresceu na Alemanha Ocidental (tinha um sotaque muito legal, mas quando se punha a falar alemão era estranhíssimo), morava no mesmo quarteirão que eu, quando criança-quase-adolescente.
Fazíamos muita coisa juntos. Molecagens, geralmente. Mas molecagens ingênuas... Bom, uma vez quase nos ferramos quando uns caras (seriam a versão dos suburbanos americanos enamorados de suas armas?) sairam armados em bando (como se reunem rápido os cidadãos pra linchar alguém) por causa de nossas arruacinhas nos terrenos baldis das redondezas (sim, existiam muitos naquela época), pensando que fôssemos assaltantes.
Bom, mas geralmente não fazíamos nada muito pior que eventualmente quebrar uma janela jogando bets, levar uma bronca por fazer guerra de mamona, brincar com estilingue e ralar o couro caindo de bicicleta.
Só que esse amigo, quando começou a entrar de fato na adolescência, começou a ficar muito diferente. O pai dele, cirurgião do PS do HC (que deveria saber dos riscos de uma moto nas mãos de um moleque bem como a tragédia das armas de fogo), deu uma patinete motorizada ao rapaz. Depois deu uma ao irmão menor. Sem muita choradeira dos filhos, diga-se de passagem. Não sei com que idade foi isso. Lá pelos 12, 13, imagino.
Claro que naquela época eu também queria. Não uma patinete, que achava besta, mas uma mobilete, ou uma vespa, que alguns outros já tinham também.
Bom, algum tempo depois esse meu amigo ganhou uma vespa. Depois aprendeu a dirigir. Isso com uns 14, 15. Não só aprendeu a dirigir como o pai o ensinou a dar cavalo de pau, dar umas enquadradas. Pouco depois o ensinou a atirar. Acho que era o tipo de pai que leva o filho ao puteiro como presente de 15 anos.
Vira e mexe ele me contava que dava uns tiros com o 38 do pai. Uma vez até me convidou. Eu, que não tinha inveja da patinete, nem das manobras ao volante (mas tinha pela vespa), realmente não me interessei pela coisa. Pra falar a verdade, acho que nunca peguei numa arma. Não tenho uma repulsa de pessoa liberal-consciente, apenas não tenho vontade ou curiosidade...
Enfim, por essa época eu comecei a evitá-lo. Lembro que fazia uma verdadeira operação ninja quando ele tocava a campainha e eu fingia não estar em casa, me rastejando pelo chão da sala e espiando pela janela. Será que eram essas coisas todas o motivo disso? Não sei direito porque fiquei evitando-o, na verdade. Agora isso até me dá vergonha.
O fato é que ele se mudou para o Piauí depois. Fiquei sabendo que o pai arrumou uma amante e foi embora. A mãe morreu de câncer um tempo depois. Fiquei anos sem nem pensar nele. Até que o encontrei outro dia no banco, pagando umas contas. Estava careca, montou uma empresa, mas estava esquisitíssimo. Sua vida já não tem nada a ver com a minha. Acho que estava esquisito porque tinha toda a pinta de ser um desses caras que saem buzinando de madrugada, só que eu o conheci. Faz sentido?
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2 comentários:
Acho que teria gostado muito de você na infância/pré-adolescência. Um homem de caráter, sem dúvidas...
Quisera eu ter sido assim...
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