A minha geração aprendeu que o ensino público e gratuito provido pelo Estado estava falido. Aquilo que havia sido a joia e o orgulho da geração anterior, a dos meus pais, era coisa do passado. Apenas quem não tinha dinheiro ou talento, quem não queria novamente repetir de ano ou não estava a fim de estudar, "ia para o Estado". A conversa era apenas em que colégio particular você iria ter mais chance de ter uma boa formação e em qual você tinha mais chance de passar no vestibular.
E então, o que vinha a ser mais um golpe, inevitável e melancólico, ao legado do ensino público - o mal disfarçado eufemismo reorganizatório (rumo ao fim do direito ao ensino, na sanha privatizante) - encontrou resistência. Começaram algumas ocupações, realizadas pelos jovens e pelas jovens estudantes secundaristas - ocupações que a imprensa teimava em colocar em suspeita, numa nojenta e tosca tentativa de criminalização, ao invés de louvar o espírito de luta e a recusa da dor de uma vida em constante resignação, tão esperada e certa para esta geração.
Essas ocupações logo multiplicaram-se. Começamos a prestar atenção, admirados com o idealismo destes estudantes. E essa admiração começou a virar orgulho, destas pessoas e sua crença de que algo valia a pena ser defendido.
Logo veio a repressão. As manobras, as chantagens, a tentativa de desmobilizar quem só ficou mais convicto da justeza de sua peleja. Aulas públicas foram organizadas, doações de alimentos foram realizadas, para que estes estudantes tivessem algum apoio em suas ocupações. Mas o protagonismo foi sempre destes e destas adolescentes. E era assim que devia ser. E o sacrifício também foi deles, mas também a nobreza. Recusaram o partidarismo, a cooptação dos movimentos já engessados em suas visões viciadas. Mantiveram como bandeira a defesa por uma educação mais digna e a possibilidade de continuar estudando onde têm direito de assim o fazer. E isso mais do que bastava.
O país pegava fogo. Em Minas, escorremos rumo ao Espírito Santo, correndo incrédulos e dilacerados rumo ao mar. Mas também em revoltas em condições bárbaras no cárcere nordestino. Em genocídios da juventude negra na cidade bonita. No machismo endêmico e assassino. Em revanchismos egoístas e irresponsáveis de um bandido com diploma e mandato. E o governo do estado ressecado e murcho, sedento e indiferente, anestesiado e doente, quis engrossar a voz e colocar a molecada no seu lugar. Quebrou a cara. A cada cena das atrocidades cometidas contra os jovens a vontade apenas intensificava.
Falaram "mas e as reposições? E o perigo do teor político do movimento?" Eu tenho certeza de que estes meninos e estas meninas aprenderam muito mais do que a bonita derivada e a nobre gramática. Aprenderam a boa política. E nós, aprendemos alguma coisa juntos - inclusive a sermos menos cínicos e podermos de novo nos permitir maravilhar.
O governo que resolveu recuar, mas que tentou ser malandro deixando a possibilidade de retomar os planos eufemísticos, pode se livrar, novamente. É provável, aliás, que isso aconteça. Como tem acontecido, incrivelmente e quase incompreensivelmente, nos últimos anos. Mas como todo autoritarismo, este carece de inteligência. Não percebe que aquilo que o constitui é o que o torna abjeto e é o que o destituirá eventualmente.
Pois uma geração de gente muito melhor do que a minha acaba de nascer. E podemos ter alguma esperança novamente. Em um futuro em que os que hoje odeiam irão, aos poucos, sendo colocado de lado. Em que passem como nada mais do que uma memória incômoda e um tanto embaraçosa.
E mesmo um futuro em que aqueles que, como eu, acreditavam que as coisas estavam fadadas - como estava fadado, o ensino público e gratuito, à miséria e à mediocridade -, fadadas a algo, a qualquer coisa, redescubram alguma coisa para chorar emocionados.
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