sábado, outubro 17, 2015

Estilingue

E assim, sem mais, esse espacinho que foi tão importante numa época, deu um bip de vida!

Cinco anos sem um pio e, de repente, um texto sobre ipês amarelos. Sem explicação, sem dar justificativa, "você some sem nem dar notícia?!" dizem os amigos que me dão aquela bronca-bem-humorada-mas-que-é-uma-bronca-mesmo-assim por sumir. Para esses eu costumo dar o acanhado "puxa, ultimamente está tão corrido, mas a gente combina algo sim" - resposta que mais ou menos serve aqui também. Em nenhum dos dois casos a resposta é muito satisfatória. E é meio covarde, na verdade. Sincera ma non troppo.

Em parte, sim, a vida ficou corrida. Mas na realidade acho que eu precisei dar um tempo disso aqui. Não que eu não tenha ficado com vontade de escrever, em um momento ou em outro. E ensaiei retomar esse blog algumas vezes nesse tempo todo. Mas não fazia sentido. E eu não tinha certeza se faria sentido alguma vez mais. E ainda não tenho certeza. Mas, se estou agora escrevendo o segundo post é porque talvez tenha algo ainda pra dizer, não?

Mas tergiverso. Algo pra dizer sempre tem. Aliás, o que não falta é coisa pra contar, de 2010 até agora. Vamos ver, se realmente engrenar de novo eu vou contando aos poucos alguns highlights e algumas pequenas alegrias e algumas pequenas neuroses - sempre material divertido, que dispensa a grandiosidade revolucionária dos grandes eventos para realmente importar para alguém. Mas esse "sentido" de que estou falando é, na verdade, bem egoísta. Eu sei que eu contava para os outros (e poucos outros, uma vez que pouquíssima gente lia este blog - e, agora, depois desse hiato todo, menos ainda), mas contava para os outros para que eu pudesse contar algo que eu precisava para mim mesmo. Euzinho que nunca fiz análise ou terapia.

Bom, para não matar qualquer chance de gostar de escrever aqui, uma historinha, pra não ficar só nessa auto-análise toda.

***

Esses dias foi dia das crianças. Eu gosto muito de ver os amigos de facebook (eu tinha facebook em 2010, quando parei com esse blog?) mudando as fotos de perfil. Curto todas. Mas eu mesmo nunca tinha colocado uma minha. Tenho umas fotos bonitinhas de criança, mas nunca aderi ao movimento. Aliás, esse ano foi a primeira vez que aderi a essas mudanças de perfil por alguma coisa, com algumas campanhas muito necessárias nessa época de fundamentalismos... Opa, volto a fazer rodeios!

Foco!

Enfim, mudei a foto de perfil, para uma minha esticando o elástico de um estilingue e olhando pro outro lado, morrendo de medo. E eu lembro desse dia! Devia ter uns 5, 6 anos no máximo. Usava aquele macacão que eu adorava (aliás, adorava macacões, principalmente por causa do bolso de canguru, e fiquei bem bravo quando o último que tive ficou pequeno demais pra usar e a moda tinha mudado e ninguém usava mais) e umas sandálias franciscanas que usava com meias. Sempre com meias - aliás, até hoje, não fico muito descalço e prefiro ficar de meias mesmo em casa, para horror da Dani...

Foco!

Dá até pra ver, ao fundo, outras casas no bairro. Mas naquela época havia mais terrenos baldios na Cidade Universitária do que casas construídas. Era outra época mesmo, em que as crianças passavam os dias ralando joelhos e se cobrindo daquela mesma terra vermelha cheia de formigas que fez com que o Zeferino Vaz conseguisse o terreno da Unicamp por um preço de banana.

E por que dessa vez mudei a foto? Por pirraça. No pun intended.

Tenho percebido que as redes sociais viraram, para muitos, mais do que exercício de cidadania. Viraram publicidade, plataformas hipócritas (porque não parecem nunca falar às claras) de interesses pessoais bem mesquinhos. Geralmente politicamente motivadas, que se fazem na desgraça e na criação de inimigos, cada vez mais distantes e desumanizados. À esquerda, à direita, ao centro. E agora, mesmo os "niilistas", os que acham que está tudo ruim mesmo, têm prato cheio. Cada vez mais as pessoas comprometem algo de si para vociferar contra tudo e contra todos. Trampolins pra defender suas próprias agendas das maneiras mais baixas. Com notícias falsas, com uma seletividade absurda - fechando os olhos para os absurdos de seus próprios "partidos", na maior onda de comprometimento das próprias consciências que eu já vi. Os piores: os amargos. Aqueles que no dia dos professores colocam recadinhos, indiretas, sobre professor não poder ser amigo de aluno; numa cruzada contra o que certamente consideram as fofurices cretinas da vida porque afinal o mundo is burning, it is burning baby. E que devem viver num mundo bem escuro do qual eu não quero fazer parte.

Me falta uma reflexão mais aprofundada sobre o assunto, mas acho que as redes sociais pioraram e amplificaram essas coisas. Porque essas pessoas fazem escola. Quando você menos percebe, só vê sangue na tela.

"Você é contra as campanhas e o ativismo online?"

Absolutamente. Eu acho que muita coisa boa pode ser feita. E tem que ser feita, aproveitando o potencial e a dispersão dos caracteres na rede. E essas pessoas de que falo são minoria - barulhenta, mas minoria. Mas me irrita (sempre me irritou) a patrulha ideológica. Que agora virou patrulha moral. Faço questão de colocar fotos de gatinhos. Não quero ficar obcecado com a revolução (ou com o apocalipse). A vida tem pequenas dádivas, sim. Poliana? Pode ser, mas é assim que eu consigo dormir de noite. E as minhas lutas, as luto do meu jeito.

Último desvio, prometo. Mas esse eu queria fazer.

Mas volto ao estilingue. Meu vô, marceneiro, filho de marceneiro, irmão de marceneiros, fazia um estilingue para cada neto que nascia. Ele sempre quis fazer uma boneca para as netas. Mas elas não vieram. Em 6 oportunidades. Mesmo décadas depois, com mais uma chance improvável, para ser avô de novo, ele teve que fazer um novo estilingue, agora pro Benjamin (mesmo que um só simbólico, sem muita funcionalidade real, porque, afinal, os tempos são outros, os olhos e a firmeza das mãos também).

Eu adorava esse estilingue, apesar de não saber usar direito. O estilingue e uma espada de madeira, que ele fez uma vez, pra minha fantasia de Peter Pan, que usei no carnaval de 1979, ou de 1980, algo por aí (ganhei um prêmio por ela!). Os dois quebraram em algum momento da história. E não sei porque não guardei de recordação. Mas o estilingue era um tesouro pra mim. Meu objeto preferido.

Já falei de um amigo meu, aqui neste blog, que veio do Piauí, certo? Bem, esse amigo uma vez ganhou do pai um estilingue de alumínio, que apoiava no antebraço com uma meia lua que parecia uma manopla, com elástico industrial (e não a borracha de pneu usado, que meu vô utilizava). Que atirava uma mamona (usávamos mamonas dos terrenos baldios) muito mais longe do que o meu estilingue de madeira - que, aliás, muitas vezes falhava, com a manona batendo numa das hastes de madeira da forquilha, voltando no dedo, que ficava ardendo de dor.

Mas o meu estilingue tinha alma. Eu sabia, mesmo naquela época.

E a foto? Acho que é a minha maneira de mostrar meu comprometimento.

(Tentarei adotar um dia da semana pra escrever aqui, seguindo a sugestão de uma querida amiga, que deu a maior força para reviver o blog. Vamos ver se dá certo nos finais de semana)

Um comentário:

Karina Kuschnir disse...

Viva! Vida longa ao Flushbacks!