sexta-feira, fevereiro 29, 2008

Arte

Pronto. Assisti Tropa de Elite. Desde "across the pond" que eu ouço falar desse filme, e das expressões que dele surgiram e tornaram-se cotidianas (até onde, eu não sei ao certo. Não as ouvi na rua ainda. Não sei se isso quer dizer que exageraram ou se vivo numa bolha elitista). Os pedreiros que azucrinam meu dia, na construção atrás de casa, cantam a maldita musiquinha funk quase todo dia - quando é possível ouvir algo, com todas as marteladas e serra-serra ininterruptas.
E não sei. Já ouvi falar coisas bem diferentes a respeito do longa. Desde "fascista" até "ótima crítica social". Um ponto a favor, para mim, em relação a Cronicamente Inviável, outro chute no saco da classe média que me veio à cabeça: não é nauseante. O tapa de pelica é feito com competência (e talvez maquiavelice), não tanto pelo choque (ainda que o assunto cause isso). Quando você menos vê está torcendo para o tal capitão Nascimento e vendo nos alunos da puc tudo aquilo que abomina nos seus colegas de faculdade.
O filme é construído assim e acredito que o efeito é intencional. Mas não acho que isso seja para tornar os policiais heróis. Acho que é para fazer o espectador se olhar no espelho e fazer o mea culpa e repensar cada prazer efêmero que vem descendo goela abaixo como uma pedra, quando o inferno passa invisível ao lado (e são nos entrecruzamentos deste inferno com nossas trajetórias que ele se torna evidente e passamos mal com nosso egoísmo, natural e teoricamente inocente, mas na realidade carregado de remorso ou ódio. Por isso a tática de enfiar a cabeça no chão). No fundo o que se diz é que a boa intenção não é bem-vinda, ela é hipócrita e os grupos sociais estão cada vez mais e absolutamente incomunicáveis. Nunca nascer em um grupo tornou as pessoas tão maniqueístas e tão à mercê do que elas são permitidas falar e agir.
Acho ainda que o filme tem algo que tenho percebido surgir como um tema atual: resignação. Não derrotismo propriamente. Mas uma denúncia que não tem a pretensão de fornecer uma resposta - quanto menos uma resposta banal, que existe às pencas por aí. E penso que sou mais isso do que comprar diagnósticos canhestros.

Chego então no outro filme que vi. No country for old men. Fui ver o filme esperando alegorias metafísicas (ou no mínimo morais) como, mais claramente, em Barton Fink (até hoje ainda tenho variadas interpretações do simbolismo exibido). Mas ao terminar de assistir fiquei com a impressão de que a maldade é gratuita e não há poesia ou qualquer possibilidade de real dramaturgia em torno do mal. O filme é uma sucessão de anti-climaxes desconcertante. Por quê temos que pensar que deve haver um desfecho previsível? Agora, não sei se é um alerta social ou simplesmente uma crítica à estrutura cinematográfica atual. Arrisco dizer que é mais a segunda opção, utilizando como meio, a primeira.
As pessoas saíam da sala desconfortadas com o inusitado enredo. Indignadas quase. O que há para entender afinal? Qual a lição moral?
Nesse sentido talvez os personagens tenham sido de fato arquétipos de algo. Expressões de confrontos que transpassam o cultural. E, talvez contradizendo o que disse anteriormente, tenham algo de grego. Mas é o herói sem redenção, o mal desglorificado e não punido, o bem despropositado - o oposto do esperado. Os elementos estão lá, mas dispostos e utilizados de uma maneira completamente diferente.
Eu ainda tenho que pensar um pouco sobre o filme para falar mais. Esta é uma primeira impressão. Sei que a Dani quer escrever sobre ele também. Esperarei, pois, querida Cris.

Para terminar a semana cultural, ontem fui para São Paulo assistir uma peça da Ana Carolina, amiga da Dani, que escreveu e atua em um ótimo monólogo. O texto é muito bom, inspirado numa conversa entre as duas (e a trilha inspirada no meu amigo An2), e a performance também excelente.
A história é uma tragédia baseada no estupro de uma menina de classe média, "socialmente esclarecida", e que no fundo é uma caricatura risível de todas as pessoas que têm boas intenções mas que também têm o amparo das instituições e do berço - para qualquer imprevisto, sabe como é.
Achei interessante assistir a peça porque entendi que ela também trata de uma tragédia social desesperadora, porque aparentemente sem solução - para lembrar de outro filme nauseabundo - irreversível. Devo lembrar que tais barbaridades aconteceram na unicamp e na pucc recentemente? E que um número alarmante de pessoas "esclarecidas" acham que a culpa é da mulher, "lasciva"?
No entanto, o buraco é ainda mais embaixo, porque não se trata de um roteiro do holocausto anunciado. Se a denúncia é social, as causas já se tornaram de tal maneira esticadas e espanadas (então insolúveis e irremediáveis), que o prognóstico é dos mais funestos. O mal é súbito, estúpido, não tem anúncio e não permite redenção - "você não sai mais forte no final" seria a coisa mais próxima de uma moral nabukoviana aqui em questão. As coisas acontecem e pronto.

Cena: esperava, na frente do teatro, no centro de São Paulo, praça Roosevelt, falando ao celular com uma amiga. Chega um menino de rua, pedindo dinheiro aos estudantes que tomavam cerveja na calçada. O dono do bar, que funcionava junto ao teatro, afugenta o garoto, instigando-o a "ir cheirar cola ou fumar crack em outro lugar, seu vagabundo". O garoto rebate dizendo que ele não é disso, que têm "consciência e é trabalhador". Ânimos se exaltam e ameaças de pancadas vêm dos dois lados. Enfim o menino ameaça "nóis é do comando e vou vir passar bala em tudo aqui". O pessoal do deixa disso tenta fazer o dono do bar perceber que não vale a pena provocar o guri. Mas fiquei com a impressão de que era menos pela grosseria e pelo preconceito terrível do rapaz, com toda a pinta de estudante de humanas de alguma faculdade paulistana (no bar eram vendidos "livros-cabeça"; comprei a autobiografia do Jean Genet e um livro do Henry Miller enquanto esperava), do que pela real possibilidade do menino voltar com reforços armados e cumprir a promessa.

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