terça-feira, junho 14, 2016

Navegando

Hoje me peguei pensando no longo caminho que eu fazia, impulsionado por um namorico daqueles quase não mais adolescentes, entre Campo Grande e Niterói. Quase namorava uma moça que fazia economia na UFF.

Ia ao Rio, ficar na casa dos meus primos em Campo Grande, para de lá ficar algumas horas, as vezes alguns dias, com ela, em terras fluminenses. O longo, longo... longo e estranho percurso pela Brasil, naqueles ônibus lotados, suados, quase tombando em curvas rebeldes e teatrais. A perambulação pela Praça XV, o desviar das bisnagas de urina, da memória em fuga. E então os longos minutos embalado pelo balançar lento da barca, que avançava com preguiça, como uma grande lesma marinha, ruminando a água verde da baía e expelindo espuma branca como rastro. E, depois, toda a volta, com a testa encostada no vidro tremelizente do coletivo vazio, carregando as almas esgotadas, olhando para o escuro de fora com os olhos desfocados e baixos.

Como achava aquilo tudo esquisitamente mágico... as ruas feias, as pessoas de colarinho aberto andando apressadas... o mar lindo - ao Rio nunca faltou o sucesso do casamento com a natureza.

Vi o museu espaçonave de Niemeyer ser construído. Fui lá quando abriu, olhar aquela linda paisagem, mas duvidoso se ela não teria sido de alguma maneira estragada (quem lembra do mirante sem todo aquele concreto modernista? Há ali um tipo de mais valia bizarra, em que aquilo que sempre esteve ali começou a ser apreciado por detrás de um vidro pretensioso).

Daqueles tempos só guardei as lembranças das travessias. Da água salgada, dos malucos, das arquiteturas bonitas do Centro, daquelas ilhas de namorados, espalhadas pela Guanabara. Da moça, uma amargura rala, que nem se presta a ser trauma daqueles que você confidencia com uma garrafa de vinho, um vazio que só as medidas melodramáticas pode construir: queima tudo! Vidas outras, passageiras. O Rio, este fica. Sans dramas pessoais, mas com todos os dramas pessoais do mundo, reunidos mas nunca a se encontrar. As vezes alguns esbarrões, vislumbres das dores e amores alheios. Capturados de forma tão fugidia que não se espreme nem uma história contada - talvez uma imaginada, inventada. Mas que condensam um algo a mais, que se reproduz ao longo das gerações, mudando apenas de vestidos, de ternos e vestimentas.

Uma boniteza que não precisa ser bonita de fato. Pois está lá ainda.


PS - Este é o post de número 500! Puxa vida...

Um comentário:

Karina Kuschnir disse...

que lindo, Chris!! na minha dieta eletrônica constam as bebidas e comidas liberadas: posts do Flush! amei as travessias, a crítica arquitetônica cortante (rs) e tudo o mais. Só não entendi nada das últimas frases hahahaha Você tentou disfarçar tanto, contar sem contar, que acabou nos enredando! Mas tá bonito: uma mistura de moça, despedida, cidades e vidas. Espero que agora o Rio seja um porto mais leve. O país acabando, mas as montanhas e o mar vão sobrevivendo. Não deixe de ser poeta o que você é. Keep writing. +500!