Há 10 anos eu aportava em Londres, para fazer parte - a mais importante - da pesquisa que acabou virando meu doutorado. Na época esse blog já existia, mas ele ganhou mesmo fôlego e uma certa identidade justamente naquele longínquo ano de 2007, quando escrevi com mais urgência, quase compulsivamente.
O blog foi fundamental para eu conseguir lidar com longos períodos de solidão, mas também para dar alguma forma à uma experiência que foi formadora e fundamental pra mim. Escrever em crônica os grandes acontecimentos da minha estadia, mas também narrar e registrar os detalhes do cotidiano mais medíocre, me possibilitaram algo muito especial e que eu acho que nunca mais consegui reproduzir: um vislumbre, dos mais sinceros e doados, do meu vivido e o impacto disso no meu ser. Ter tornado público (mesmo que com pouquíssimos leitores) aquelas dores e alegrias me fez descentrar-me e me enxergar num primeiro momento, mas também conectar-me com outras pessoas - mesmo que eu apenas as imaginasse, sendo minhas leitoras, e nada mais. A potência de um leitor e de uma leitora.
Eu sabia, mesmo naquela época, que aquele ano seria especial. Mas o significado real daquela viagem só começou a ficar claro com a lembrança do que foi, criando uma espécie de verniz emocional com que cobria minhas aventuras e recriava na cabeça minhas andanças, angústias e sucessos. A força com que essa memória vinha à tona é um elogio àqueles dias tão importantes. Ainda que eu suspeite que boa parte dessa importância não esteja presa somente pela boniteza do meu encantamento com aquele lugar. Aquelas ruas me inspiraram a escrever, mas a escrita da lembrança e depois a lembrança da escrita pintaram daquela mesma cor diáfana, que só existe no ar e no céu de Londres, aquela minha experiência (lembro bem quando uma amiga de chamou a atenção para o céu daquelas paragens... "nossa, o azul do céu não é o mesmo!").
E de fato, se escrevinhar cotidianamente naquele 2007 foi crucial para dar forma a uma lembrança da viagem, esses pensamentos continuaram a correr soltos muito tempo depois de não ter mais escrito essa espécie de diário de viagem. Logo depois de voltar eu costumava lembrar, "puxa, uma semana atrás eu estava em Londres"; "nossa, há um mês eu estaria pensando onde sair para beber uma guinness e ver um show". Depois de um tempo passei a contar o tempo pelo começo da estadia, lembrando talvez do impacto que tiveram aqueles primeiros dias em Londres: "caramba, há um ano eu estava chegando, inocente, bobo e besta", "quem diria que há 2 anos eu chegava com duas malas na mão e apenas uma vaga ideia do que eu faria nos próximos 12 meses".
Costumo lembrar, admirado comigo mesmo, como fiz dar certo aquele começo de viagem. Chegar e procurar um lugar para ficar, subjugar a burocracia britânica e abrir uma conta, fazer contatos quando eles não existem em absoluto, flanar pela cidade em reconhecimento e descobrimento. Coisas que não são simples, quando você está em um lugar estranho. Acho que apenas a inocência e a ignorância do que poderia dar errado, alimentadas pela empolgação de tudo aquilo novo, permitiram que eu não paralisasse de pavor. Canso e fico com medo apenas relembrando. Mas como eu me sentia vivo! Dava certo. E fiz dar certo sozinho. Talvez pela primeira vez na vida, realmente sozinho. O mérito daquele ano, o que foi aquele ano - todos os sucessos, todos os excessos, todos os desperdícios, todas as escolhas, são minha responsabilidade. Isso é assustador, mas bonito e poderoso também. E tudo bem que nunca mais tenha isso. Aquela vez foi bom demais.
Me intriga que aquele ano tenha sido tão importante para minha tese, para minha formação, e que pouca gente saiba disso - ou entenda isso. E também me espanta que talvez a forma menos complicada de explicar isso para alguém seja através desse blog e os textos que escrevi em 2007 - ainda que nada, ou quase nada, da pesquisa tenha sido contada no blog. Mas talvez eu devesse ter tentado trazer um pouco dele para o texto com que eu defendi a tese, dois anos depois de voltar para o Brasil, mesmo que trouxesse apenas histórias nada acadêmicas. Acho que ganharia pontos pelo menos por ter vivido como os nativos, com um pint na mão e com o cultivo daquele senso de auto-ridicularização tão característico dos ingleses e seu peculiar senso de humor. E que apenas os etnógrafos gonzo mais confiantes na sabedoria da entrega ao acaso e à chance parecem ter - o que costuma, se não resultar necessariamente em boa antropologia, ao menos em uma menos caxias.
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